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PARTE I. AS SUPERFÍCIES COMUNICATIVAS DA MENSAGEM PUBLICITÁRIA: CONCEITOS INICIAIS.

I.1 SUPERFÍCIES DE SIGNIFICAÇÃO

I.1.2. A HIPÓTESE DO EFEITO SECUNDÁRIO NA COMUNICAÇÃO

Na cena de Milan Kundera, que abre o capítulo, “as secundas lágrimas” são exemplos de Conteúdos Secundários. Socialmente conhecido, o significado de “chorar ao ver crianças correndo sobre o gramado” provoca a segunda lágrima nas palavras do autor. Este “conteúdo secundário” faz referência não à emoção “primariamente” suscitada pelas crianças no gramado, mas sim ao fato de aquela cena representar, estereotipicamente, uma situação em que convencionalmente se chora: “A segunda lágrima diz: como é bonito ficar emocionado, junto com toda a humanidade, diante de crianças correndo no gramado!” (Milan Kundera, 1983). Existe um outro significado paralelo, convencional, que faz parte da significação ampla da mensagem.

Esta segunda lágrima têm expressividade tão ou até mais importante do que as primeiras na cena enunciada. Da mesma forma, o pensamento de compaixão no caso de quem observa os trabalhadores de imobiliárias pode se apresentar como um dos elementos de principal atenção dentro da “leitura”23 que se faça da mensagem. O Conteúdo/Sentido Secundário passa,

portanto, a ter maior expressividade do que a Proposição Comunicativa Central inerente à mensagem em questão, ou, ao menos, participar dela de forma não negligenciável. Configura-se aí o fenômeno do Efeito Secundário na Comunicação (Quadro 8).

23Alguns termos como “leitura”, “leitor”, “eficácia comunicativa”, “interpretação”, etc., estão aqui expostos em

destaque e sem aplicação imediata de termos correspondentes (como “receptor”, “recepção”, “Produção de Sentido”, etc.) pois serão melhor conceituados ao longo do trabalho e principalmente no capítulo teórico.

Quadro 8. Exemplo de Efeito Secundário na Comunicação.

O Efeito Secundário seria, portanto, o fato de se perceber, numa mensagem, outros aspectos capazes de funcionar como núcleos de sentidos tão fortes quanto aqueles expressos na mensagem central.

EFEITO SECUNDÁRIO seria o fenômeno de comunicação que ocorre quando uma mensagem apresente a emersão de conteúdos secundários que interfiram na sua significação. É chamado de ‗efeito‘, pois (1) é um conteúdo que surge a partir ou imediatamente à existência de uma mensagem e sua forma num contexto e porque (2) ele tem a capacidade de desviar ou interferir na semiose/leitura da mensagem. É chamado de ‗secundário‘ porque, ele não é o conteúdo explícito, ―original‖/originário presente numa mensagem, mas ―periférico‖, surgido em consequência imediata e ontológica de um outro: a própria mensagem.

Esta pesquisa pretende investigar e conceituar a dinâmica de funcionamento do que seriam estes efeitos/conteúdos secundários. Embora seu objeto de estudo seja a propaganda24, nota-

se que muitas outras mensagens poderiam estar sujeitas a este tipo de Efeito. Elenca-se, rapidamente, alguns deles a seguir.

24 Note-se que esta pesquisa não faz uso diferencial dos termos publicidade e propaganda, exceto quando

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Exemplos imediatos de Efeitos Secundários são encontrados em frases como: “Desculpem-nos o transtorno, estamos em obras para melhor atendê-lo” (em placas de estabelecimentos em reforma), “Imagens meramente ilustrativas” (em embalagens de alimentos, por exemplo) ou “sua ligação é muito importante para nós” (em atendimento de call centers). Todas elas são capazes de despertar efeitos secundários, ora voltando a atenção do leitor/ouvinte para um novo conteúdo (um conteúdo crítico, por exemplo: “se esta ligação fosse tão importante, eu não seria deixado esperando”, “se é preciso escrever isto, por que não se colocam imagens reais na embalagem?”, “„eles‟ não me causam nenhum „transtorno‟, que exagero!”), ora derivam para um outro “modo de leitura”: passa-se a prestar atenção em outros aspectos das mensagem ou do “ato” de se “praticar/expor” aquela mensagem (“eu não sei se „eles‟ realmente estão preocupados com o transtorno que me causam, mas o fato de colocarem a placa é educado”, “a frase sobre as imagens é apenas para resguardar a empresa de possíveis processos, já que sei que o produto real é muito menos atrativo do que o retratado”, “eles colocam esta frase apenas para criar a imagem de que respeitam o cliente, quando, na verdade, me deixam na linha esperando”).

Segundo exemplo: quando se vê fotos de casas que “parecem de revista”, tem-se a possível informação atrelada àquela imagem de que aquela casa foi feita por um decorador, não pelos seus moradores, e então, possivelmente, aqueles objetos estão ali como vitrine de um estilo de vida, para ser “vendido”, consumido e venerado pelas pessoas que vêem aquela fotografia; não há “aconchego” e conforto. Já para outros, as mesmas “casas de revista” (enquanto categoria de casa, e não enquanto casa específica) podem ser as casas dos sonhos, associada à ambição que têm na vida, a seus ideais de felicidade e representando, quiçá, um lugar idílico. Tanto um quanto outro caso é exemplo, grosso modo, nos quais efeitos secundários contribuem para a significação de um objeto.

No jornalismo, há variados casos de efeitos secundários para possíveis captadores – efeitos que se aproximam até daqueles encontrados no DP. O exagero nas manchetes e “atrativos” de uma revista: “100 looks para arrasar no inverno com menos de R$50”, “200 penteados para...”, “aprenda a controlar...”, “saiba como...”; são exemplos de construções discursivas que atraem o leitor para um conteúdo que nem sempre entrega o que propõe – e o leitor vem ganhando consciência disto e cada vez mais aprende a fazer uma leitura mais “cuidadosa” ou menos “ao pé da letra” de tais manchetes – assim como o faz com a publicidade.

Outro exemplo interessante, para finalizar: um programa de televisão chamado “Man versus Wild” (“À Prova de Tudo”, Discovery Networks), mostra o apresentador Bear Grylls se

expondo a situações extremas na natureza e que “desafiariam sua sobrevivência”. Há programas em desertos, montanhas, geleiras, e outros cenários inóspitos. Neles, o mote é ensinar dicas de sobrevivência. Ali, então, o apresentador se expõe a situações nas quais o alimento e/ou a água são escassos, há muito calor ou frio ou outras condições “severas”. Há programas onde ele se alimenta de larvas vivas, entra em lagos quase congelados, dentre outras situações. No entanto, numa rápida busca na internet constata-se que Bear Grylls é tido por muitos como uma “farsa”: poucos acreditam na severidade do “risco” proposta. Há uma dissonância entre a “impressão de verdade” que o apresentador pretende transmitir, e o risco realmente percebido através: (1) das próprias imagens – sua barba e suas vestes estão geralmente limpas e bem cuidadas (e aí as próprias características qualitativas componentes do „discurso‟ dão margem a um “pensamento secundário”); (2) da “Forma-Programa Televisivo”: mesmo aparentando estar há dias perdido na selva, ele está acompanhado por uma equipe de televisão, a qual, muito provavelmente carrega alimentos, equipamentos de proteção e comunicação (como mostra abaixo); e (3), de informações críticas: especula-se, nestes mesmos fóruns virtuais que apontam tais críticas, que ele dormiria em hotéis antes de gravar os programas como se estivesse há dias na selva.

Figura 9. Bear Grylls: Banquete em condições ditas ―extremas‖.

A legitimidade que falta a Bear Grylls e motiva seus expectadores a questionarem-no é a mesma legitimidade que pode faltar à publicidade. Essa falsa impressão de verdade agiria como um elemento que provocaria a emanação de Efeitos Secundários – e prejudicaria a “ação” do discurso em questão. Afinal, este fenômeno pode desviar a atenção do leitor para

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um conteúdo crítico (como o questionamento de Bear Grylls em fóruns da internet) ou para outros conteúdos (como a percepção de outros conteúdos no programa de Grylls).

Estes exemplos da vida midiática cotidiana também fazem explícito o fato de que os processos de comunicação são em grande parte determinados por uma participação ativa do leitor da mensagem. Todas essas interpretações (falta de legitimidade de Bear Grylls, “exagero” nas manchetes de jornais, “casa de revista” como categoria eufórica/disfórica de maneiras de morar, etc.), são significações atreladas às mensagens iniciais a partir de uma convivência do captador com aquele tipo de signo ao longo de um tempo, e que passam a fazer parte de seu sentido, de como elas são percebidas. Nota-se, portanto que os processos de comunicação podem ser tão determinados pelo emissor da mensagem quanto por seu Captador (ver Quadro 09).

Quadro 9. Premissa Teórica Alternativa para o Processo de Comunicação.

Este aspecto é crucial, pois começa a ampliar a potência de significação de uma mensagem desde aquilo que é exposto para aquilo que é possivelmente captado. Elementos contextuais ou “formais”, ambos identificados pelo captador da mensagem, podem ser capazes de interferir no sentido final. Assim, nota-se que os processos de comunicação podem estar repletos de sentidos secundários tão ou mais importantes que aqueles expressos em sua superfície “expressiva/central”, e que estes só sejam aferidos no momento da captação. Como ocorre esta dinâmica na Publicidade? É o que se verifica a partir de agora.