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PARTE III. AS TRÊS SUPERFÍCIES COMUNICATIVAS NA MENSAGEM PUBLICITÁRIA

A. O CONTEÚDO EXPRESSIVO A amplitude da expressão do Discurso Publicitário

III. A.B EXPRESSIVIDADE DO IMAGINÁRIO

“Sede não é nada, imagem é tudo”. O slogan, que marcou a comunicação de uma importante marca de refrigerantes (Sprite, The Coca Cola Company, década de 90), confessa um dos grandes mecanismos de atuação da publicidade: o do trabalho com imagens ou, mais especificamente, com o imaginário social. Se no capítulo acima, investigou-se a transmutação comunicativa em imagens da publicidade, agora se investiga aquilo que lhes dá maior sentido: o imaginário. Essa dinâmica de significação se desdobra em um campo de estudo muito vasto: o do imaginário atrelado à publicidade e seu “sistema de valores”, sistema este que possibilita que estas imagens tenham sentido/valor. Aqui se introduzirá este campo de estudos, apenas a titulo de ser possível identificá-lo como superfície expressiva na publicidade, mas não de esmiuçar suas mais diversas manifestações e implicações (o que não seria possível neste estudo).

O que se chama aqui de “imaginário” é o “arcabouço” de sentidos a que uma propaganda se refere para ter valor e “fazer sentido”. Uma marca de vestuário não vende apenas roupas, mas um estilo de vida engendrado pela publicidade e acessado através de suas mercadorias ou marcas, que figuram então como o objeto, a competência necessária para se atingir aquele valor prometido na “narrativa publicitária”79. Um carro não é apenas um veículo, mas parte

da autoestima e personalidade masculina. O imaginário suporta e “significa”, ou seja, é o arcabouço de sentido das imagens e discursos que se veiculam nas mídias.

Figura 27. Comercial Santander Serviços Imobiliários (E009).

Na foto acima, sem o imaginário, uma imagem como esta não construiria tanto sentido como o faz no mundo contemporâneo. Seria apenas um homem num café, utilizando um computador. Mas, na verdade, é o retrato de um padrão de vida invejado, um momento de descontração que revela um estilo de vida despojado, almejado, e que atrai o leitor da peça. O imaginário é algo socialmente partilhado – e comum a um certo grupo de indivíduos. Poder-se-ia dizer que existe um enorme conjunto de signos subjetivos que uma mensagem pode despertar (lembranças, sensações, associações, etc.). No entanto, aqueles signos que compõem a imagética de uma mensagem devem ter uma base “comum” a um grupo de captadores. Nota-se, portanto, além de suas características formais (de qualidade, da primeiridade da imagem), um traço extremamente “convencional”, socialmente partilhado na esfera da imagem (convenção, uso, costume, terceiridade). Esta aí o imaginário social.

Há símbolos no capitalismo tanto quanto há simbologias e mitologias entre os índios do Amazonas, os nativos da Polinésia e os negros da África Equatorial. (ROBERTO DA MATA, in introdução ROCHA, 1985, p.9)

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O sentido global e pragmático de uma mensagem comunicativa, portanto, está ligado ao contexto em que se insere uma mensagem80. O imaginário é, portanto, um conjunto de

imagens atreladas à realidade, e com circulação comum. CHARAUDEAU fornece uma didática acepção do termo:

O imaginário social não é, como dão a entender seu emprego corrente e a primeira acepção do dicionário, aquilo que se opõe à realidade, que é completamente inventado: “que não existe senão na imaginação, que é sem realidade, irreal; fictício. Animais imaginários. Fabuloso. Seres imaginários. Legendário, mítico. Romancista que criou um personagem imaginário. Perigo imaginário‖ (Le Noveau Petit Robert: dictionnaire alphabétique et analogique de La langue française). O imaginário é efetivamente uma imagem da realidade, mas imagem que interpreta a realidade, que a faz entrar em um universo de significações. (CHARAUDEAU, 2008, p.203)

A relação do imaginário com a realidade é bastante intrincada, como assinalado no início deste capítulo. Ao mesmo tempo em que se refere a ela, ele também a alimenta. Existe um percurso duplo e intrincado no estudo do imaginário: entre a representação de valores da realidade, e a da criação desta própria realidade. Especialmente na publicidade, este duplo se faz constantemente presente e é frequente tema de debate. Alain MONS, ao estudar a comunicação pública de certas cidades francesas, ajuda a entender a importância do imaginário, e seus “dois sentidos”: de representar e de “ser”.

A aceleração das imagens mediáticas acaba por constituir, de algum modo, uma segunda cidade que se sobrepões ostentivamente à cidade “real”, vivida, material, espacial. Uma cidade imaginário (a que o poder local propõe aos empresários, aos eleitores, aos habitantes...) que “adere” a uma cidade vivida. Precisamente, esta aceleração das imagens-media talvez tenha feito cair as barreiras entre o imaginário e a concretude da cidade, visto que hoje é esta que se conforma às imagens que dela são dadas, e não as imagens que teriam por função “representar” a cidade. Por conseguinte, qualquer construção de uma imagem de marca que queira dar conta da realidade urbana é ingênua, visto que hoje em dia isso circula absolutamente em dois sentidos. (MONS, 1998, p. 32)

MONS explicita nesta passagem o “dilema do signo”, ou o “dilema da representação”, o qual, ele mesmo, alguns trechos antes, menciona ao citar P. Frenault-Deruelle: “toda a imagem, se olharmos bem, é sempre a imagem de uma outra imagem”. É justamente essa tramitação de imagens em outras imagens que interessam a esta pesquisa. Em certo ponto de vista, a publicidade trabalha inserida neste “jogo” de referencialidade, ou seja, nunca exatamente “criando” imaginários novos, mas apenas reproduzindo-os, engendrando-os, e talvez, expressando-os. Fato é que todo o discurso publicitário parece fundar-se neste grande imaginário que envolve o consumo:

Os diversos anúncios têm como característica comum o fato de que, do ponto de vista das representações que manipulam, eles são transformações uns dos outros. Todos, na verdade, reproduzem, cada um à sua maneira, um mesmo conjunto de temas que apontam para a idealização da vida a partir do consumo de um produto. (ROCHA, 1985, p. 76)

Essa pesquisa entende, a priori, que pode haver vários tipos de imaginário – talvez até um dentro do outro. Existe todo um sistema de valor acerca da “vida moderna” que funciona como imaginário, e talvez este sistema sustente (lastreie) a “lógica de significação da publicidade”. Ou seja, a publicidade só faz sentido numa sociedade que vive e/ou compartilha certo imaginário. O “imaginário do consumo”, se assim puder ser referido, por exemplo, é um imaginário muito amplo, e que dá sentido a quase toda a lógica publicitária. Segundo CASTORIADIS (1982), existe uma “instituição imaginária da sociedade”, ou seja, há este discurso supremo: a sociedade estaria fundada sob uma lógica do imaginário; seria quase “regida” por ele. No caso da publicidade, este imaginário estaria intimamente ligado à lógica do consumo.

Na publicidade, o trabalho com o imaginário está sempre na esfera expressiva da propaganda, seja ele latente ou não. Ou seja, embora dependa de um contexto maior do que a peça para fazer sentido, ele faz parte da mensagem expressa, do que é exposto. Há momentos, inclusive, em que a publicidade explicita em sua mensagem primária esta alusão ao imaginário. Como no slogan de Sprite que abre o capítulo ou como no comercial abaixo (figura abaixo), em que um sujeito é literalmente invisível aos outros até que compre um carro da marca anunciante:

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Figura 28. Imagens de trechos da campanha da marca Fiat, para o carro Bravo, 2012. O sujeito só volta a constituir-se após entrar no carro da montadora.

Em outros momentos, ele é parte do discurso. Na campanha de AMBEV (E010), por exemplo, existe um trabalho implícito com todo o imaginário do trabalho.

No “mundo de Ambev”, engendrado (enquadrado e criado pela) na campanha, os funcionários são valorizados pela empresa, viajam pela empresa (o que é um “sonho” de muitos profissionais) e são reconhecidos por seus méritos (figura abaixo).

Figura 30. Texto no site da campanha Ambev, "Feita por gente e sonhos" (E010).

Portanto, na mensagem publicitária, afora os recursos discursivos, a imagética atrelada à campanha, tem-se, sob seu fundo de maior impacto e significado, os valores do “imaginário”. É por eles que esta mensagem publicitária parece ter seu grande lastro de ação. A análise dos “valores veiculados” pelo imaginário parece, pois, ser uma das grandes ferramentas para se verificar a atuação da publicidade. No entanto, esta análise ultrapassaria a descrição do processo comunicativo, passando a fazer parte da “atuação comunicativa”, da “circulação”, usos e efeitos do sentido; o que ultrapassa, portanto, as intenções desta pesquisa. É válido apontar aqui, que os esquemas de valores da Semiótica “Francesa” podem ser muito úteis e prolíficos para realização destas análises. O “esquema actancial mítico”, por exemplo, pode indicar, a distribuição dos sistemas de valores identificados na campanha. Encerra-se então esta discussão acerca do consumo e do imaginário neste ponto, por ser outro o escopo desta investigação81. Resta-se a definição de que o imaginário, pode ser

“resumido” como um sistema de códigos (e por isto está em nível de terceiridade), em que certos valores são comumente compartilhados por uma comunidade. Em geral, o sentido que aqui

81Esta pesquisa poderia se dedicar a estabelecer quais são os componentes deste “arcabouço do imaginário”,

assim como ensaiou CHARAUDEAU a respeito do Discurso Político (2008, p. 209-245). No entanto, esta investigação será reservada para um estudo futuro.

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será adotado para imaginário é o de um sentido eufórico, ou seja, geralmente os signos que o compõe são "aspiracionais", "valiosos": é o que se almeja. Mas existe também o imaginário da feiúra, o imaginário da tristeza, da miséria, etc. – as figuras do imaginário social que são comumente compartilhadas. Aqui, a noção de “imaginário” se aproxima (mas não se substitui tampouco se transmuta) da noção de “arquétipo”, ou seja, daquelas noções comuns a grande parte de um grupo social. Falar em “signos do imaginário”, portanto, é falar em signos [ou conjunto de signos] que remetam, imediatamente, a “figuras” do imaginário, a outros conjuntos de signos que comportem os valores “almejados, circulados e valorizados em certa época”.