• Nenhum resultado encontrado

PARTE II: QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA A Propaganda e seu cenário teórico, As Teorias de Análise da Comunicação e um Modelo Alternativo

II. B.4 40 A ANÁLISE DO DISCURSO

Antes de se configurar como uma disciplina ou mesmo como metodologia, a Análise do Discurso se revela uma conformação teórica da qual muitos analistas irão se abastecer a fim de desvendar alguns sentidos inscritos nas instâncias comunicativas.

A A.D vai se dedicar a revelar a trama inscrita aos Discursos: os jogos de poder implícito, os valores e os conflitos de vozes e classes imersos no mesmo, as relações deste discurso com a representação da realidade, etc. Ela vê na “linguística uma referência metodológica essencial” (GREGOLIN, in BRAIT, 2006, p.35), já que esta disciplina se apresenta como ferramenta essencial para análise dos textos:

O trabalho metodológico, analítico e interpretativo com textos/discursos se dá – como se pode observar nessa proposta de criação de uma nova disciplina, ou conjunto de disciplinas –, herdando da Linguística a possibilidade de esmiuçar campos semânticos, descrever e analisar micro e macroorganizações sintáticas, reconhecer, recuperar e interpretar marcas e articulações enunciativas que caracterizam o(s) discurso(s) e indiciam sua heterogeneidade constitutiva, assim como a dos sujeitos aí instalados. (BRAIT, 2005, p. 13)

Operações textuais como a escolha lexical41, a ordem e estrutura dos enunciados conseguirão

revelar, por exemplo, as atitudes inscritas nos Discursos.

Tomando a lingüística como referencial (embora não único), a A.D vai se basear em teorias que se desenvolviam no período, ou que precederam a seu aparecimento, como, principalmente, os conceitos de inconsciente de Freud, do sujeito em Lacan, e o pensamento de Marx42. Estas leituras psicanalíticas do sujeito e do contexto político, principalmente, são

parte da chamada heterogeneidade constitutiva dos discursos e da própria atividade de análise. Os principais nomes que participaram destas leituras deixaram obras acerca da constituição da AD e foram responsáveis por algumas dos trabalhos mais exemplares do campo. São eles Michel Pêcheux, Mikhail Bakhtin43 e Michel Foucault.

40 Errata: a numeração do capítulo omitiu, por engano, o item II.B.3.

41Um exemplo clássico é o da aplicação pela mídia da palavra “invasão” (que poderia atribuir carga de valor

negativa) ao invés, por exemplo, de “ocupação” ao noticiar atividades do Movimento dos Sem Terra.

42 Para uma análise entre as leituras e aplicações das ideias de Marx, Saussure e Freud (que Pêcheux chamou “a

tríplice aliança”) por parte de Pêcheux, Bakhtin e Foucault, ver GREGOLIN, in BRAIT, 2005. “Os diálogos entre Pêcheux, Foucault e Bakhtin envolveram diferentes respostas à articulação entre teorias lingüísticas, teorias do sujeito e teorias da história e da sociedade” (ibid).

43 Alguns deles, como Bakhtin, por exemplo, nunca utilizaram o termo Discurso em seus estudos e nota-se claro

100

Sem uma metodologia específica, a AD prefere “não aplicar conceitos a fim de compreender um discurso, mas deixar que os discursos revelem sua forma de produzir sentido, a partir do ponto de vista dialógico, num embate.” (GREGOLIN, op cit). Os famosos conceitos de polifonia e carnavalização, por exemplo, foram engendrados a partir da análise das obras de Dostoievski e Rabelais, respectivamente, pelo filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin. Desta forma, os teóricos da AD preconizam não a aplicação direta de qualquer conceito na análise do texto, mas, inversamente, uma análise do texto desprovida de categorizações prévias:

Não há categorias a priori, aplicáveis de forma mecânica a textos e discursos, com a finalidade de compreender formas de produção de sentido num dado discurso, numa dada obra, num dado texto. (BRAIT, 2005, p. 14)

Essa é sem dúvida uma das características de uma teoria/análise dialógica do discurso: não aplicar conceitos a fim de compreender um discurso, mas deixar que os discursos revelem sua forma de produzir sentido, a partir do ponto de vista dialógico, num embate (BRAIT, 2005, p. 24)

Por isto, menos do que uma metodologia, para esta pesquisa, o grande legado da AD é principalmente o de engendrar uma nova forma de olhar a comunicação e desvendar seus sentidos. Neste caminho, ela estabelece também alguns conceitos importantes que serão agora analisados e discutidos.

II.B.4.1. Conceitos Centrais na A.D: Texto e Discurso

Bakhtin não é o fundador do termo Análise do Discurso. Mas encontramos em sua obra a proposição da noção de metalinguística: “Podem ser situadas na Metalingüística (...) um estudo daqueles aspectos da vida do discurso que ultrapassam – de modo absolutamente legítimo – os limites da Lingüística” (BAKHTIN, 2002, p.181). E quais limites seriam esses? Trata-se justamente da inclusão do contexto histórico/subjetivo dentro de um texto. É através desse contexto que será possível entender aquilo a que se chama “ideologia”. A “leitura” desses textos – entendido seja seu contexto histórico, a posição de quem o enuncia e o contexto a quem ele é enunciado – essa leitura será capaz de identificar situações e outros conteúdos antes não aparentes no texto se entendido como encerrado em si próprio.

Esses “limites” dos quais a lingüística tradicional não daria conta também são os mesmos que fundam a prolífica distinção entre texto e discurso. Enquanto o texto é entendido como o “aspecto da vida concreta do discurso”, o Discurso é a porta de acesso à “ideologia”, aos sentidos e implicações mais profundos. “O enunciado [ou o discurso] é da ordem do sentido; o texto é do domínio da manifestação” (FIORIN in BRAIT 2006, p.180).

TEXTO Manifestação, “vida concreta do discurso”, aspecto “técnico”.

DISCURSO Expressão, ideologia, contexto, aspecto “significativo”.

Tabela 7. Texto X Discurso.

Assim como se atenta a Linguística da Enunciação, a AD percebe que um texto, uma frase, um ato de linguagem nada é se não está situado dentro de um contexto, e tem identificado também seu sujeito e o tempo em que se realiza. Muitos autores parecem concordar que uma manifestação concreta da linguagem é diferente desta mesma manifestação inserida, enunciada e analisada neste contexto histórico, político, social. Bakhtin utiliza o termo enunciado, e não Discurso, para se referir à mesma distinção texto-Discurso. O que difere o “texto” do enunciado/enunciação ou Discurso é o fato de o primeiro estar fora das relações estabelecidas por e em seu contexto. Foucault, um dos teóricos/pensadores que também muito contribuiu para consolidação do campo da A.D explicita esse momento de transformação do texto em discurso (enunciado):

“Foucault mostra que o que torna uma frase, uma proposição, um ato de fala em um enunciado é justamente a função enunciativa: o fato de ele ser produzido por um sujeito, em um lugar institucional, determinado por regras sócio-históricas que definem e possibilitam que ele seja enunciado” (GREGOLIN in BRAIT, 2006, p. 42).

Para análise deste Discurso/Enunciado, fica evidente que é necessário ir além do verbal, passar pelo implícito e ir transpassar os limites da linguística – é, afinal, a entrada no Contexto. É talvez daí que Bakhtin tenha chamado a AD de “Metalinguistica”, ou seja, o estudo das relações extralingüísticas criadas e acessadas a partir do texto:

Todo enunciado, segundo textos assinados por Voloshinov comporta duas faces indissociáveis: uma verbal e outra extraverbal (contexto mais amplo). Os enunciados não coincidem com sua constituição puramente verbal (em sentido estrito), pois são impregnados de não-ditos. A face extraverbal, situação e condição necessária do desenvolvimento ideológico do enunciado, corresponde ao espaço e tempo do acontecimento, ao objeto ou tema do enunciado e às posições assumidas pelos interlocutores. Os aspectos extraverbais não são a causa exterior do enunciado, não são uma força mecânica externa, mas sim se integram ao enunciado como um elemento indispensável a sua constituição semântica. (FLORES et all, 2009, p.99-100, grifo deste autor).

Mais uma vez, assim como na teoria da enunciação, o contexto amplo ganha lugar na análise e composição da comunicação. A Comunicação, a troca de “enunciados” de sentido e com potência histórica acontece, portanto, através dos discursos. “As palavras e as orações são as unidades da língua, enquanto os enunciados são as unidades reais da comunicação”

102

(FIORIN, in BRAIT, 2006, p. 168). É, portanto, o discurso, e não a superfície do texto, que nos dá acesso a esses conteúdos maiores expressos pela linguagem. Saber analisar este discurso, através da A.D, portanto, é uma das tarefas cruciais para se entender e poder atuar dentro de tal dinâmica, a comunicativa.

II.B.4.2. Outros Conceitos Centrais na A.D: Polifonia e Voz do Discurso

Há uma série de conceitos expostos pelos principais estudiosos e analistas da A.D. É muito comum que se encontre termos sendo utilizados como equivalentes ou com outras significações. Como afirmam alguns colegas, isso se dá pelo fato de que muitos autores tomaram o estudo do Discurso e da enunciação durante largos períodos de tempo em suas vidas e a menção aos conceitos acompanhava a evolução de seus pensamentos e de seus contemporâneos – o que, hoje pode causar certa confusão terminológica. Outro motivo também é a aplicação indiscriminada, é claro. Por isso, serão elencados aqui alguns dos principais deles, em sua explicação mais essencial e de aplicação imediata para este trabalho, na acepção em que são inseridos.

 DIALOGIA (OU DIALOGISMO), DIALOGIA CONSTITUTIVA E

INTERDISCURSIVIDADE: estes termos são aqui reunidos para representar uma mesma idéia central, embora sejam provenientes de momentos teóricos diferentes (Bakhtin conceitua a dialogia, enquanto “interdiscurso” é cunhado por Authier- Revuz, e guarda sutis diferenças com o termo bakhtiniano). Trata-se da idéia de que “todo signo está ligado a um outro”, algo já defendido também por Peirce. Toma-se o próprio Bakhtin:

O enunciado está repleto dos ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais está vinculado numa esfera comum da comunicação verbal. O enunciado deve ser considerado acima de tudo como uma resposta a enunciados anteriores dentro de uma dada esfera (a palavra “resposta” está empregada aqui no sentido lato): refuta-os, confirma-os completa-os, supõe-nos conhecidos e, de um modo ou de outro, conta com eles. (BAKHTIN, 2002b)

 INTERTEXTUALIDADE : acompanhando a diferença estabelecida entre texto (nível da manifestação expressa) e discurso (nível do conteúdo transmitido/transmissível), a “intertextualidade” (ao contrário de “interdiscursividade”) figuraria apenas como um termo “técnico” da lingüística para os casos nos quais se encontrassem menções textuais entre textos. Parábolas, paródias, etc. figurariam como seus grandes exemplos.

 POLIFONIA: toma-se a definição de Ducrot (cf. FLORES et all, 2009, p.188) da polifonia como um “fenômeno que possibilita ao locutor apresentar diferentes pontos de vista em um determinado enunciado”. Como muitas vezes estes pontos de

vistas são conformados (entendidos, “tomados como a forma de”) como “discursos” ou “textos”, muitas vezes a “polifonia” imiscuiu-se, erroneamente, como intertexto.

“Transformada em moda, a polifonia bakhtiniana perde o seu sentido de origem e se torna exatamente aquilo que negava: uma instância narrativa estrutural da Literatura ou da Linguística, confundindo-se, muitas vezes, com simples intertextualidade, tornada um conceito reiterável, passa a ser um modelo a se aplicar em qualquer narrativa com dois ou três pontos de vista gramaticais distintos” (TEZZA, C. apud BRAIT in BRAIT, 2006, p.13-14).

A polifonia é, portanto, a presença de várias “vozes” no discurso, posições conflitantes, talvez até dialéticas, num mesmo discurso. É um conceito proveniente e emprestado da literatura (não à toa: ele é proveniente dos estudos de Bakhtin acerca dos romances de Dostoiévski). O que mais interessa no conceito, além da noção embutida de “voz” do discurso (ver adiante), é a oposição à polifonia, o “monologismo”:

“Segundo Bakhtin (...), o modelo monológico não admite a existência da consciência responsiva e isônoma do outro; para ele não existe o “eu” isônomo do outro, o “tu”. O outro nunca é outra consciência, é mero objeto da consciência de um “eu” que tudo enforma e comanda. O monólogo é algo concluído e surdo à resposta do outro, não reconhece nele força decisória. Descarta o outro como entidade viva, falante e veiculadora das múltiplas facetas da realidade social e, assim procedendo, coisifica em certa medida toda a realidade e cria um modelo monológico de um universo mudo, inerte. Pretende ser a última palavra. Fecha em seu modelo o mundo representado e os homens representados”. (BEZZERRA, in BRAIT, 2005, p.164-195)

Notar-se-á, no capítulo “CONTEÚDO GENÉRICO” (III.C) que o DP apresenta grandes traços de monologismo, nos termos que definiu Bakhtin.

 VOZ DO DISCURSO: a partir do conceito de “polifonia”, entende-se a aplicação de “voz do discurso” para identificar os pontos de vista, ou pontos de autoria dos discursos em questão que, podem, ou não serem relacionados ao locutor em questão, ou o autor em questão. Este conceito será especialmente útil ao se estudar o Deslocamento de Voz no Discurso Publicitário (III.B.C.1.1.).

Importantíssimas para a investigação do PPS da mensagem publicitária, as idéias de vozes, do enunciado em contexto, e da polifonia constitutiva. discurso fundante e outras são de importante contribuição para esta pesquisa. A metodologia fluida da A.D também é aqui adotada – aquela que prefere “escutar” o teto para analisá-lo de maneira livre, sem nenhuma estrutura rígida. Embora não expostas aqui, algumas leituras críticas proposta pela vertente crítica da A.D (chamada Análide de Discurso Crítica, ou ADC), também será utilizada, baseando-se principalmente em RESENTE e RAMALHO (2009) e DIJK (2010).

104