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PARTE II: QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA A Propaganda e seu cenário teórico, As Teorias de Análise da Comunicação e um Modelo Alternativo

II. B.6 A SEMIÓTICA “FRANCESA” E A PUBLICIDADE

Chama-se também de “semiótica” a teoria desenvolvida por uma corrente francesa formada por Saussure, Floch, Greimas e outros autores. Tanto nesta quanto na vertente russa, o termo “semiótica” divide a intenção sob a investigação do Sentido e do signo, mas não nos mesmos parâmetros e com a universalidade a que se propõe a teoria norte-americana.

Venho chamando as semióticas não peirceanas de semióticas especiais, pois se trata de semióticas especializadas. Não vai nisso nenhum julgamento de valor, quer dizer, nenhuma defesa de superioridade da teoria peirceana sobre as demais. Embora com o mesmo nome – semiótica –, trata-se de teorias tão diferentes, com propósitos tão distintos que as repetidas comparações entre semiótica peirceana versus outras semióticas (discursivas, culturais etc.) não passam de discussão bizantina e perda de tempo. (SANTAELLA, 2002, p. XV-XVI)

No entanto, isto não “diminui” de modo algum as teorias Francesas, apenas as localiza em local de aplicação diferente – e é esta a intenção discriminatória desta introdução. Enquanto a

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lógica Peirceana engendra uma teoria universal, mas bastante complexa para aplicação imediata, os pressupostos teórico-metodológicos da teoria Francesa da Semiótica têm excelente desempenho e prolífica atuação no estudo analítico do signo discursivo. Tome-se, novamente, as palavras de SANTAELLA (idem):

Aliás, quando se tem em mira a análise e interpretação de certos tipos de signos, os narrativos, por exemplo, ou os discursivos, as semióticas narratológicas e a semiótica greimasiana dispõem de meios capazes de realizar essa tarefa de modo muito mais proveitoso (...) do que qualquer utilização, por melhor que seja, das classificações de signos de Peirce. (idem)

Mais especialmente ainda observa-se que os pressupostos teórico-metodológicos engendrados pela corrente francesa em estudo aqui são especialmente úteis à aplicação pragmático-mercadológica da publicidade. É o caso da aplicação do quadrado semiótico (discutido adiante) nas metodologias de planejamento e estudo de mercado.

Também se nota a opção pela teoria francesa em importantes livros voltados à análise da publicidade. É o caso de VOLLI (2003), SEMPRINI (2006) e CHEVALIER e MAZZALOVO (2007). Neste capítulo, analisar-se-á as principais contribuições da semiótica francesa para análise pragmática da publicidade.

II.B.6.1. Percursos de Sentido Narrativos

A Semiótica francesa também trabalha as acepções mais profundas do discurso, estudando seus meandros e seus desdobramentos. Grande parte de seus conceitos se relacionam à sequência narrativa canônica proposta por GREIMAS (1970 e 1983). Esta sequência será aqui estudada a partir de FIORIN (1989) e VOLLI (2007), no nível narrativo. Outro conceito interessante e que funciona como amalgama para outros é o de “nível fundamental”, explicitado por FIORIN (op. cit), e analisado a partir de agora.

II.B.6.2. Nível Fundamental

No nível fundamental estão localizadas as oposições constitutivas manifestadas no texto. São as “categorias semânticas que estão na base da construção de um texto” (FIORIN, 1989, p18), constituídas por elementos correlacionados a um mesmo domínio: ex. “masculino e feminino”, “claro e escuro”, “rapidez e vagareza”, “dia e noite”, etc.

Estas oposições foram organizadas no chamado quadrado semiótico, origem para muitos gráficos de posicionamento de marca utilizados ainda atualmente. O Quadrado é uma ideia

existente desde a filosofia de Aristóteles, mas é usado por muitos semioticistas ainda hoje, sendo descrito, por exemplo, por VOLLI (2007).

No Quadrado, além do eixo de oposição fundamental, estão localizados também mais dois fatores: o termo “negativo” de cada um deles.

Os termos opostos de uma categoria semântica mantêm entre si uma relação de contrariedede. São contrários os termos que estão em relação de pressuposição recíproca. O termo /masculinidade/, pressupõe o termo /feminilidade/ para ganhar sentido e vice-versa. Se se aplicar uma operação de negação a cada um dos contrários, obtêm-se dois contraditórios: /não masculinidade/ é o contraditório de /masculinidade/ e /não feminilidade/ é o de /feminilidade/. (FIORIN, 1989, p.19)

Na citação de FIORIN fica clara a distinção entre “contrariedade” e “negação”: o contrário de um termo é aquele que lhe dá sentido (/masculino/ versus /feminino/), já sua negação é diferente, é aquilo que nega aquilo que ele é, não necessariamente indicando seu contrário (/não masculino/ e /não feminino/).

Quadro 22. O Quadrado Semiótico (FIORIN, 1989).

Na publicidade, especialmente na área de planejamento, este quadrado evolui para gráficos de posicionamento de marca (algumas vezes respeitando a fundamentação teórica; milhares de outras mais a favor de uma aplicação pragmática). Jean Marie FLOCH (1990), por

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exemplo, propõe uma utilização do quadrado para definir uma classificação de tipos de publicidade de acordo com os valores exaltados pela mensagem/produto48.

Muitas vezes, no discurso estes termos contrários ou negativos podem aparecer reunidos, como lembra FIORIN (1989). O autor cita como exemplo a oposição entre „divindade‟ e „humanidade‟ como eixos contrários, e coloca os „anjos‟ como seres complexos, que são „não divindade‟ e „não humanidade‟ ao mesmo tempo.

Um conceito relacionado ao nível fundamental, e também crucial para seu estudo, é a ideia de euforia e disforia. Fiorin simplifica sua exposição aproximando o primeiro termo à ideia de “positividade” e o segundo à “negatividade”, enquanto VOLLI (2007) expande o conceito:

Existe de fato alguma coisa a mais, uma espécie de dimensão física da paixão, que faz com que ela seja ligada por nós ao nosso estado de alma, ao bem-estar ou ao mal-estar que sentimos, finalmente, ao corpo. Esta dimensão pode exprimir-se em uma categoria semântica fundamental (também encontrada na base da semântica lingüística, entre aqueles elementos mínimos do sentido linguístico que exprimem a nossa percepção interna). É a oposição chamada tímica entre euforia e disforia, isto é, entre um sentimento positivo e um negativo de nós mesmos, entre o bem-estar e o mal-estar, que sentimos antes de tudo no plano do corpo e que, de acordo com a semiótica greimasiana, é a raiz somática dos nossos juízos de valor (VOLLI, 2007, p. 131)

Doravante, euforia e disforia serão localizados nesta pesquisa num mesmo eixo tímico, como opostos.

Quadro 23. Eixos tímicos: a Disforia e a Euforia.

O estudo do nível fundamental de uma manifestação semiótica (marca, mensagem publicitária, etc.), portanto, revela as características essenciais veiculadas pela comunicação, figurando como interessante ferramenta de análise na publicidade.

II.B.6.3. Níveis Narrativos

Mesmo que nem todo texto seja narrativo, todos eles têm uma componente de “narratividade”. No nível narrativo, portanto, está inscrita a “transformação” de um estado em outro. Na publicidade, esta aplicação é imediata: há quase sempre a transformação de estados iniciais em estados eufóricos a partir da utilização de um produto ou serviço sugeridos. Através de um produto “X”, consegue-se os benefícios “Y”; devido à empresa tal, tais e tais coisas ficaram melhor; “com essa marca aqui, você nunca mais terá certo tipo de problema”. Todos estes enunciados pressupõe uma narrativa, um percurso a ser caminhado: existem “etapas” implícitas no discurso conduzidas por uma narratividade. Elas são descritas como quatro fases seqüenciais, descritas por GREIMAS:

o Manipulação49

o Competência o Performance o Sanção

Na fase da manipulação, um sujeito age sobre outro para levá-lo a querer e/ou dever fazer alguma coisa” (FIORIN, op cit, p. 22). A manipulação pode ocorrer pelos mais diferentes vieses. FIORIN se concentra na tentação, intimidação, sedução e provocação, mas há outros inúmeros tipos. A fase seguinte é a da competência¸ que indica o que é necessário para se realizar aquela ação exposta na etapa anterior. Pode ser deste uma ferramenta em si, até uma capacidade, um saber adquirido pelo sujeito da narratividade, uma ação, etc: apenas é necessário que seja algo que o faça atingir aquela ação. Já na fase da performance existe a atualização da ação em si, e a conseqüente mudança de estado enunciada na narrativa. Por fim, existe a sanção, que exprime os “resultados” daquela mudança de estado: por exemplo, prêmios ou castigos para o sujeito da ação.

Importante dizer que estas fases não são identificáveis em partes isoladas, separadas e autônomas de um enunciado: não é possível, por exemplo, dizer que a fase da performance esteja presente no verbo, enquanto a da competência está no substantivo tal. Tratam-se, ao

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contrário, de fases analíticas, que só existem a partir de uma atividade de debruçamento sobre o signo. Tanto é que muitas destas fases podem estar implícitas, pressupostas ou até conectadas de formas secundárias à narratividade da mensagem em questão.

O nível narrativo tem importantíssima função na compreensão dos processos persuasivos enunciados na perlocução do DP: é nele que se identifica as premissas básicas anunciadas, o “percurso de sentido” sugerido por uma peça.

Figura 17. Reprodução de material de ponto de venda de Gillete Sensitive (E071).

Neste exemplo de Gillete Sensitive o percurso de sentido acontece da seguinte forma: no nível fundamental, existem várias oposições correlacionadas.

OPOSIÇÕES EM NÍVEL FUNDAMENTAL

Pele irritada Pele não irritada

Pele irritada Atratividade para mulheres

Gillette Não Sensitive Gillete Sensitive

Outros aparelhos de barbear O aparelho de barbear Gillete Sensitive Tabela 14. Gillete Sensitive: Oposições em Nível Fundamental.

A “não /pele irritada/” e a “não „pele não irritada‟” representariam um ser único: aquele indivíduo que não tem a pele sensível, e não precisaria do produto (que não seria o público do anúncio). No nível narrativo, indica-se que existe uma mudança de estado dupla: a partir do momento que um indivíduo utiliza o produto anunciado sua pele melhora (mudança #1) e ele passa a ser mais atrativo para mulheres (mudança #2). A manipulação acontece pelo oferecimento deste objeto que revelar-se-á também a sanção: o fato de se tornar mais atrativo

para as mulheres. A etapa da competência é atingida justamente com o uso do produto, sendo esta última a performance.

Com a sanção sendo a maior atratividade para as mulheres, poder-se-ia dizer até que mesmo o indivíduo que não tem a pele irritada, mas não usa o produto também não tem a atratividade das mulheres, já que não usa o produto. Mesmo não dirigido a este indivíduo, o anúncio pode aumentar o valor “tímico-cognitivo” dos produtos Gillette para este indivíduo.

Como visto, a Semiótica Francesa, se não se amplia aos processos de raciocínio, tem o grande mérito de entender a lógica da comunicação e do que poderia ser dito como seus “efeitos” (ela não chama de efeitos, no entanto). Ela consegue entender e descrever como as mensagens funcionam, em termos narrativos, e postula modelos teóricos e, principalmente, metodológicos para sua aplicação.