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PARTE I. AS SUPERFÍCIES COMUNICATIVAS DA MENSAGEM PUBLICITÁRIA: CONCEITOS INICIAIS.

I.1 SUPERFÍCIES DE SIGNIFICAÇÃO

I.1.1 SENTIDOS INSCRITOS À MENSAGEM X NÃO INSCRITOS

Nesta etapa, o leitor desta pesquisa pode se perguntar se estas possibilidades significativas das mensagens já não estariam antes contempladas por outras teorias, e acessadas por aplicações, por exemplo, da Análise do Discurso ou da Teoria da Enunciação. É evidente que, em grande parte, com um responsável esforço analítico, sim. No entanto, ao longo deste trabalho, perceber-se-á que nem todas as teorias oferecem ferramentas conceituais pragmáticas para a descrição dos fenômenos enquadrados, e, quando inter-relacionadas, muitas ainda não apresentam total consenso para designar estes processos como se pretende organizá-los. O capítulo teórico desta pesquisa (parte II) pretende discutir mais extensivamente estas questões. Mas um outro aspecto teórico pode ser já esclarecido aqui neste capítulo inicial. Trata-se do critério de definição entre as diversas e infinitas acepções possíveis de uma mensagem versus aquilo que se definiu como possivelmente intrínseco à ela própria (suas superfícies ontológicas).

Nota-se que os elementos “secundários” são percebidos em decorrência da existência da mensagem, e, portanto, provêm de participação ativa de seu captador, não de seu emissor- expositor. Sendo assim, o leitor pode se perguntar: como separar estes “efeitos de sentido paralelos” ou “conteúdos secundários” dos demais conteúdos possíveis participantes de

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uma “leitura” de certa mensagem, tais como: conteúdos subjetivos, efeitos inesperados, ruídos na comunicação, etc.?

A primeira diferença é que o Conteúdo Secundário é relacionado à mensagem, e não ao sujeito. Os efeitos “subjetivos” dependem de um arcabouço de sentidos que são próprios apenas a um ser, ou um pequeno grupo que não seja aquele levado em consideração pelo contexto de análise de uma mensagem ou de um processo comunicativo. Se ao vir uma das pessoas com bandeiras de imobiliárias nas ruas alguém lembrasse que “precisa passar no shopping para comprar uma camiseta Hering” (pois um dos trabalhadores estaria vestindo uma), esta inferência não constituiria um conteúdo secundário, ontológico, pois é inerente ao captador e não à mensagem. Já a comoção/compaixão pelas condições de trabalho dos trabalhadores de imobiliárias poderia ser vista como um sentido particular daquela “mensagem” – já que pode ser comum a muitos indivíduos. Mas a lembrança da camiseta Hering é única, e concernente a um arcabouço de sentido particular de um único indivíduo.

Outro exemplo: caso uma apresentadora de um telejornal lembre a um captador a fala ou as feições de alguém conhecido e isto produza efeitos de interferência na mensagem – maior ou menor simpatia, por exemplo –, não se configura um efeito “secundário”, mas sim, um efeito “subjetivo”, pessoal, da “recepção”. A estes efeitos particulares de exposição a uma mensagem, será dado o nome de Efeitos Particulares da Recepção. Enquanto este “efeito” da comunicação é concernente apenas a uma pessoa, o Conteúdo Secundário deve ter um objeto e um referente comum a muitos sujeitos expostos àquela mesma mensagem. Mais do que isto, seu “conteúdo secundário” deve ser um conteúdo social, compartilhado socialmente. Assim como legiferante e simbolicamente as palavras possuem significados comuns, os conteúdos secundários também o fazem. Algumas vezes são estabelecidos por regra, lei ou por uso; outras vezes são inferências comuns (possibilidades dentro de um sistema de códigos); em outras são derivações formais, qualitativas.

Conteúdos secundários têm significado e objeto partilhados socialmente, devendo ser tão comuns e identificáveis pelos sujeitos expostos à mensagem quanto sua significação primária.

Agora pegue-se o exemplo de uma rádio que incentive os ouvintes a mandarem mensagens via celular informando sobre as condições de trânsito de uma grande cidade. Um indivíduo crítico poderia acusar a emissora de incentivar o uso do aparelho ao volante. Esta acusação seria um “efeito corolário” da mensagem, mas não um efeito intrínseco a seu processo de leitura, sua semiose. No entanto, se esta informação crítica (“a rádio incentiva o uso de

celular ao volante”) passa a ser socialmente conhecida ou até midiatizada por outros veículos, ela pode, sim, se tornar um conteúdo secundário daquela comunicação. A cada momento em que a rádio transmite a mensagem incentivando o envio de mensagens, o captador, que já ouviu a acusação do incentivo ao uso do celular em outra mídia, por exemplo, pode passar a lembrar também da crítica ao se deparar com a mensagem primária da rádio. Ter-se-ia aí, portanto, um conteúdo secundário, que pode até obrigar a rádio (se esta quiser assumir uma postura responsável), a pedir que seus ouvintes estacionem seus veículos para usar o aparelho. No entanto, caso esta crítica não seja amplamente difundida e “disponibilizada” aos ouvintes da rádio como “sentido comum”, estes “efeitos” não previstos da mensagem não são compreendidos como conteúdos secundários, mas sim, como efeitos não intencionais específicos.

É neste momento que outra definição se faz importante: a diferenciação entre a mensagem ampla versus a mensagem efetiva. Enquanto a mensagem ampla considera superfícies comunicativas que vão além da superfície expressiva da mensagem, a mensagem efetiva é aquela “verdadeiramente” (atualmente) captada por um captador, e só pode ser “acessada” ou estudada em investigações psicológicas, cognitivas e/ou em estudos de recepção com foco neste indivíduo (aos quais aqui se prefere denominar estudos de captação efetiva).

As inferências que formam a mensagem efetiva não se restringem apenas a elementos subjetivos, mas podem contar também com uma série de outros elementos específicos, como os elementos contextuais particulares não previstos em análise. É o caso, por exemplo, da inserção de peças casadas (não intencionalmente) com reportagens ou outros comerciais que se relacionem ao objeto da mensagem (ver exemplo abaixo); ou mesmo da inserção destes em contextos sociais nas quais aquela mensagem expressiva adquira conotações impossíveis de serem previstas por um analista21. Esta pesquisa estudará apenas aqueles efeitos “intrínsecos

à mensagem” para um público amplo, deixando para outras análises os casos particulares/subjetivos (relativos à esfera da captação efetiva).

21 Sobre estes alguns efeitos de contexto na publicidade e sua possível interferência na captação efetiva, ver artigo

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Figura 8.Peça da operadora Claro publicada na mesma página de uma reportagem sobre uso de celulares em centros de detenção: associação cognitiva disfórica para a marca específica, não secundária. O caso chegou a ser veiculado em redes

sociais virtuais22.

Estes conteúdos secundários se diferenciam também de outros aspectos não-intencionais previstos pelas teorias da comunicação. McQuail (2003) define alguns destes efeitos não intencionais da Mensagem. Estariam compreendidos aí os sentidos ou conseqüências da mensagem que não foram planejados por seu “emissor”, e que seriam variáveis conforme a interpretação da mesma, tais como os explicitados na tabela abaixo:

22 O caso chegou a ser veiculado em redes sociais virtuais. Anúncio retirado do jornal Folha de São Paulo, 08 de

EFEITOS NÃO INTENCIONAIS DA MENSAGEM (McQUAIL 2003, 431-434) Expressão, conteúdo a reação individual e coletiva;

controle social;

conseqüências dos acontecimentos;

definição da realidade e construção de significado; mudança institucional e cultural;

integração social.

Tabela 5. Efeitos Não Intencionais da Mensagem (McQuail, 2003).

Estes efeitos não intencionais são, inclusive, caracterizados pelo autor como de longo prazo, ou seja: não seriam influentes no processo imediato de captação. Tratam-se de efeitos “da” comunicação, que ocorrem efetivamente “após” o fenômeno da comunicação/significação, e não de efeitos interferentes durante sua manifestação (contato do captador com o signo). Já o estudo dos conteúdos secundários na comunicação concerne especialmente ao processo comunicativo.

É possível, no entanto, que estes efeitos de longo prazo, se tornem eles próprios conteúdos secundários que interfiram imediatamente na cognição de uma mensagem. É o caso, por exemplo, da crítica à propaganda funcionando como elemento “perceptível” dentro de uma mensagem; é o caso da situação exemplo dos trabalhadores para imobiliárias: são efeitos de longo prazo que, por serem já conhecidos da população, começam a ser apropriados como críticas atreladas àquele tipo de mensagem. Passam, portanto, a fazer parte da cena de produção de sentido, no próprio momento da comunicação.

O que difere, portanto, um ―Conteúdo Secundário‖ de um ―Efeito não intencional‖ ou um ―Efeito particular de recepção‖ é: (1) sua qualidade de possuidor de um significado socialmente partilhado, (2) sua pertinência ao processo de comunicação e (3) sua existência na esfera da produção e percepção do sentido, e não de seus ―efeitos corolários‖.

Com estas últimas definições, e após a conceitualização das superfícies de significação, expressividade, mensagem ampla e seus conceitos corolários, é finalmente possível localizar a importância acreditada por esta pesquisa do estudo dos Conteúdos Secundários na Comunicação Publicitária.

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