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PARTE II: QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA A Propaganda e seu cenário teórico, As Teorias de Análise da Comunicação e um Modelo Alternativo

II. B.8 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO REFERENCIAL TEÓRICO

Neste capítulo, foram expostos os principais conceitos e contribuições de algumas vertentes teóricas diferentes. Como prenunciado, esta pesquisa será engendrada a partir da combinação de tais correntes. Se usualmente cada uma delas é elegida como metodologia separadamente, a fim de evitar confrontações teóricas e prezar por uma profundidade analítica a partir de um determinado foco, aqui defende-se a necessidade iminente da consideração de todas elas de forma complementar – e não dissonante, sobreposta ou incoerente.

Partindo-se do objetivo de se analisar as diversas “superfícies significativas” de uma mensagem, não seria possível estudá-la sem que se levasse em consideração os estudos da “enunciação”. Tais estudos são um dos mais proeminentes na tarefa de se debruçar sob os sentidos adquiridos de um “enunciado”, uma mensagem, em determinado contexto. Provenientes da lingüística, fornecem informações necessárias e quadros teórico-conceituais fundamentais para se identificar corretamente estas “marcas de contexto” em ação na mensagem. No entanto, é esta “trava lingüística”, codificada, uma das razões que implica na

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necessidade de se expandir este quadro teórico para teorias que consigam abarcar outros fenômenos da percepção. Não se fala aqui apenas de imagem, sons e vídeos, mas de toda uma experiência cognitiva. É aí que aparecem a Semiótica Peirceana e as teorias cognitivas como grandes contribuições para a identificação e percepção deste objeto de estudo.

Acessado esteja o objeto, outras três correntes teóricas se revelam fundamentais para o estudo do “desdobramento” do processo de sentido. São elas a Semiótica de corrente francesa, a Análise do Discurso e a Psicologia Social. A primeira é fundamental ao fornecer excelentes e universais modelos para se analisar a estrutura de “conformação” (“tomada de forma”, estruturação) de uma mensagem, especialmente a publicitária, enquanto a segunda possibilita uma inserção em um “macro-contexto” político-social fundante para a atividade da mensagem e bastante influente nela. A última delas, a Psicologia Social é, por sua vez, aquela capaz de mostrar o funcionamento de uma mensagem em determinado grupo social. No quadro abaixo encontra-se um resumo das principais, embora não exclusivas, contribuições de cada teoria para esta pesquisa:

Durante este estudo, notou-se que alguns pontos em comum entre todas elas mereceriam ser rediscutidos. Um deles, que concerne ao momento do contato do captador com a mensagem, engendrando o momento do processo de captação, engendrou a Teoria da Captação ou “Teoria da Pesca”, exposta logo a seguir em mais detalhes. Antes disto, no entanto, apresenta-se outro ponto importante para discussão neste trabalho: a questão do contexto e a da significação.

II.B.8.1. A Ampla Questão do Contexto.

A noção de contexto aparece em todas as teorias como um ponto muito importante. Frisada como questão central de muitas teorias, chega a ter papel constitutivo em algumas outras. Na Teoria da Enunciação, por exemplo, ele aparece nas três categorias do significado (“tempo, espaço e pessoa”62) e é aferido a partir dos dêiticos ou shifters, que ancoram o enunciado

numa situação, constituindo a enunciação. No entanto, na enunciação, o contexto ainda não se expande para além constituição daquela mensagem linguística. Isto já começa a mudar na Teoria do Discurso (Análise do Discurso), na qual um contexto amplo no qual se insere aquele discurso é analisado enquanto possibilidade interpretativa daquele discurso. Ou seja, amplia-se o sentido em direção ao contexto social, político e ideológico. Este é ainda ampliado nos estudos de recepção e nos estudos culturais, nos quais o micro (ou macro) contexto de mediação cultural da mensagem, o ambiente de trabalho e outras possibilidades de socialização do sentido da mensagem passam a ser focos de estudo.

O contexto de recepção da mensagem ainda pode levar em conta o estado biológico e emotivo do indivíduo e uma série de outros elementos, como resumido por TRINDADE (2008), nos cinco níveis gerais da recepção pragmática:

o O homem como ser cultural; o O homem como ser biológico; o O estado emocional do receptor; o O contexto da mensagem; o A resposta ao ato de linguagem.

No caso do discurso publicitário, elencam-se dois outros autores que trabalham a questão do contexto. O primeiro é GUY COOK (1992, p. 19-20), que inclui sobre o termo contexto tudo o que se segue (com livre tradução logo abaixo):

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o 1. Substance: the physical material which carries or relays text;

o 1. Substância: o suporte físico que carrega ou sob o qual está o texto. o 2. Music and pictures;

o 2. Música e imagens.

o 3. Paralanguage: meaningful behaviour accompanying language, such as voice quality, gestures, facial expressions and touch (in speech), and choice of typeface and letter sizes (in writing);

o 3. Paralinguagem: comportamento significativo acompanhando a linguagem, tal como a qualidade da voz, gestos, expressões faciais e toques (na fala), e escolha da tipografia e tamanhos de letra (na escrita);

o 4. Situation: the properties and relations of objects and people in the vicinity of the text, as perceived by the participants;

o 4. Situação: as propriedades e relações de objetos e pessoas nas proximidades do texto, de acordo com a percepção dos participantes;

o 5. Co-text: text which precedes or follows that under analysis, and which participants judge to belong to the same discourse;

o 5. Co-texto: texto que preceda ou suceda o que está sob análise, e o qual os participantes julguem pertencer ao mesmo discurso.

o 6. Intertext: text which the participants perceive as belonging to other discourse, but which they associate with the text under consideration, and which affects their interpretation; o 6. Intertexo: texto que os participantes percebam como pertencente a outro discurso,

mas que eles associem ao texto em questão, e que afete sua interpretação.

o 7. Participants: their intentions and interpretations, knowledge and beliefs, interpersonal attitudes, affiliations and feelings. Each participant is simultaneously a part of the context and an observer of it. Participants are usually described as senders, addressers, addressees and receivers. (The ‗sender‘ of a message is not always the same as the ‗addresser‘, the person who originates it. Neither is the ‗receiver‘ always the ‗addressee‘, the person for whom it is

intended. In a tv ad, for example, the addresser may be an actor, though the sender is an advertising agency; the addressee may be a specific target group, but the receiver is anyone who sees the ad. In advertising and other types of fiction, this model is complicated by the presence of other personae— narrators and characters into which participants project themselves— and we shall need more elaborate categories at a later stage.)

o 7. Participantes: suas intenções e interpretações, conhecimentos e crenças, Atitudes interpessoais, afinidades e sentimentos. Cada participante é simultaneamente uma parte do contexto e obsevador dele. Participantes são usualmente descritos como emissores, destinatários, destinadores e receptores. (O “emissor” de uma mensagem não é sempre o mesmo que seu destinador, a pessoa que a origina. Tampouco o receptor é o destinatário, a pessoa para quem o discurso é endereçado. Numa

propaganda televisiva, por exemplo, o destinador pode ser um ator, mas o emissor é uma agência de publicidade; o destinatário pode ser um público-alvo específico, mas o receptor seja qualquer um que veja a propaganda. Na propaganda e em outros tipos de ficção, este modelo é complicado pela presença de outras personas –

narradores e personagens nos quais os participantes se projetam – e nós precisaremos de categorias mais elaboradas em uma etapa futura.)

o 8. Function: what the text is intended to do by the senders and addressers, or perceived to do by the receivers and addressees.

o 8. Função: o que o texto é direcionado a fazer pelos emissores e destinadores, ou o que os receptores e destinatários percebem que ele deve fazer.

Saddi CHAVES (2010), a segunda autora a falar de contexto em publicidade elencada aqui, já simplifica o termo, e reorganiza-o de maneira também interessante:

O contexto sócio-discursivo envolve as condições de produção da esfera discursiva da publicidade, entendida como instituição produtora de discurso (formação discursiva): seus sistemas genéricos, sua historicidade, suas zonas de contato com os outros discursos (interdiscurso). A situação de comunicação estabelece as condições concretas e imediatas de emissão e recepção da mensagem: tempo, local, enunciador e enunciatário pressupostos, finalidades pragmáticas, suporte. Enfim, o contexto verbo-visual, também chamado “cotexto”, corresponde ao ambiente textual da mensagem publicitária (signos linguísticos, icônicos e plásticos), na qual um locutor, franco (marca/instituição) ou fingido (fictício), assume a responsabilidade pelo enunciado. (SADDI CHAVES, 2010, p. 218)

Em resumo a autora cita três níveis de contexto:

o Contexto amplo, para indicar o contexto sócio-histórico;

o Contexto imediato, para indicar o contexto de uma situação particular (―situação de comunicação‖)

o Cotexto, como o ambiente textual da mensagem.

Embora muito interessantes, estas divisões ainda são diferentes da que se propõe aqui. Tem- se em Cook63 um grande exemplo que situam no contexto alguns elementos que, para esta

pesquisa, estão ainda em âmbito expressivo e não contextual. Música e imagens, por exemplo; ou mesmo o intertexto ou a substância: todos podem fazer parte de seu nível expressivo, como aquis e configura (ver adiante capítulo “conteúdo expressivo” na Parte III.A). Da mesma forma, embora organizados de maneira diferente, SADDI CHAVES também coloca sob o termo contexto ou, mais especificamente, o “cotexto”, alguns elementos acessórios à mensagem. Nota-se, portanto, que a ideia de contexto tem uma grande abrangência, e categorizá-lo simplesmente como “contexto” é pouco prolífico e elucidativo. Por isto, aqui acredita-se em reorganizá-la.

Começa-se por identificarem-se, três níveis conceituais da idéia de contexto. Algumas vezes, a noção do contexto, na lingüística é quase um “relembrar” teórico, de que é preciso lembrar do contexto de ação para identificar o potencial signico da mensagem (como no exemplo de

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Peirce e o jornal (no item II.B.5), como os shifters da enunciação que ancoram o discurso num contexto). Está aí o que se chamou aqui de contexto enunciativo ou primário: o contexto que completa o sentido enunciado da mensagem, e a torna possível. Aqui estariam localizados também todos os elementos “ambientais” da mensagem, que em CHAVES (2010) foram categorizados como “cotexto”, as “expressões”, “música e imagens” de COOK (1992) e outros.

No entanto, em outro nível também existe um contexto que possibilita o sentido da mensagem publicitária. É o do imaginário e de outras instâncias sociais que ancoram o sentido da mensagem. Estão inclusos aí também o estudo do imaginário que dá suporte a mensagem, sua forma genérica que também lhe apropria sentidos e o contexto interdiscursivo (mensagens anteriores do mesmo emissor que lhe ampliam o sentido). Depois deste contexto, intrínseco à produção de sentido da mensagem, existe um contexto que ao mesmo tempo influencia seu sentido e sua interpretação, sua função, seu funcionamento no campo de atuação de determinada mensagem. Tem-se aí seu contexto político, seu contexto de recepção, e, claro, o contexto biológico do receptor.

Em resumo, apresentam-se três níveis contextuais para se pensar a mensagem publicitária: o 1. Contexto enunciativo ou primário: localizado no plano expressivo64

o 2. Contexto amplo: também se divide65:

A. Contexto do imaginário

B. Contexto genérico (ojeriza e idolatria) C. Contexto interdiscursivo

o 3. Contexto de recepção (biológico, social, discussão política da comunicação, da recepção) O primeiro nível (contexto enunciativo ou primário) é linguístico, quase técnico, e afeito às possibilidades de sentido do código construído e em utilização, “atualizado”. Já o nível secundário de contexto será aqui chamado de contexto “ontológico” da mensagem, um nível que suporta sua existência. É este contexto que será especialmente acessado por esta pesquisa (acessado a todo momento, nos três níveis contextuais das três superfícies que serão conceituadas), enquanto o primeiro estará localizado no capítulo sobre a expressividade discursiva.

64 Este “contexto enunciativo” será compreendido como um dos níveis da expressividade discursiva, como

apresentado a seguir.

A AMPLA QUESTÃO DO CONTEXTO

PRIMÁRIO, TÉCNICO ou ENUNCIATIVO Função (estratégia, perlocução); intertexto e cotexto; música e imagens; paralinguagem, etc.

INTRÍNSECO ou ONTOLÓGICO

Plano Imaginário Plano Genérico Plano Contextual

EXTRÍNSECO ou da RECEPÇÃO Resumem-se nos 5 níveis TRINDADE (2008) Tabela 15. Três possibilidades conceituais para definir o "Contexto".

Quanto ao contexto da recepção, este corrobora características específicas que seriam acessíveis apenas no que se chama aqui de um estudo de Captação Efetiva (“estudo de recepção”66). É um contexto particular, “extrínseco” à mensagem e extremamente mutável,

embora, é claro, afete em sua significação. Este nível não será acessado por esta pesquisa, mas cabe uma citação sobre esta possibilidade de influência no PPS da mensagem de um dos aspectos deste intrincado contexto:

Feeling may sometimes influence evaluation through feeling-based inferences rather than through repeated association with the stimulus. According to the ‗how do I feel about it‘ heuristic, individuals infer their attitude from their present mood state. Rather than basing their attitude on their experience as they hold the representation of the attributes of an attitude, people might rely on the feeling they experience as they hold the representation of the object in their minds and these feelings may be influenced by context factors as well as the attitude object (Pham, 1998). The affect-as-information hypothesis further suggests that this misattribution should disappear, when people are given reason to discount their mood state as information about the attitude object. Livre tradução: Sentimentos podem influenciar algumas vezes a avaliação mais através de inferências baseadas na emoção do que através de associação repetida com o estímulo. De acordo com a heurística do “como eu me sinto sobre isto”, os indivíduos baseiam sua Atitude a partir de seu estado de humor naquele momento. Ao invés de basear sua Atitude em suas experiências ao estar em contato com a representação dos atributos de uma Atitude, as pessoas podem confiar nos sentimentos que elas experimentaram ao estar em contato com o objeto em suas mentes e estes sentimentos podem ser influenciados por fatores contextuais bem como o objeto da Atitude (Pham, 1998). A hipótese do “afeto-como-informação” sugere que a atribuição errônea deve desaparecer quando forem dadas às pessoas razões para descontar seu estado de humor enquanto informação sobre o objeto da Atitude. (FENNIS e STROEBE, 2010, p.131)

II.B.8.2. Considerações Finais do Quadro Teórico

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Assim como todas as teorias de análise da comunicação expostas aqui apresentam questões que concernem ao contexto, elas indicam também o papel ativo do receptor neste processo. A enunciação, além dos óbvios dêiticos que ancoram imediatamente o discurso num contexto, também prevê a participação ativa ao mostrar que o discurso é irrepetível; a Análise do Discurso mostra, dentre outros, as evidentes entrelinhas do discurso perceptíveis por um receptor; Peirce mostra como há várias facetas de significação num único signo, de acordo com seu recorte e sua maneira de representar algo; enfim, todas estas teorias culminam na idéia de que a significação é múltipla, e o interlocutor final deste discurso desempenha papel ativo. No entanto, em todas elas ainda “ecoam” vestígios da antiga Teoria da Informação, através da aplicação de sua terminologia (“emissor-receptor”), bem como o fundamento em alguns de seus paradigmas (o estudo da comunicação a partir de um processo cuja direção parte do emissor, e não o contrário). É a partir deste cenário que nasce a Teoria da Captação, apresentada a seguir.

II.C. UM MODELO ALTERNATIVO PARA A COMUNICAÇÃO: A TEORIA DA