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A história de vida anterior e a ida para a rua

CAPITULO IV: OS IDOSOS NA RUA DE MOGI GUAÇU

IV. 2: A história de vida anterior e a ida para a rua

O tempo de permanência nas ruas demonstra que todos estão ali permanecem há mais de 02 anos, sendo que, segundo os relatos, 03 pessoas permanecem há, aproximadamente, 02 anos e meio (já saiu de casa na chamada 3ª Idade); Abel, Marcos e Honório referem estarem entre a rua, as instituições e, por alguns meses, na presença um dos familiares há, aproximadamente, 10 anos – estes, como têm menos de 60 anos de idade, passaram na rua boa parte de sua vida adulta e produtiva, já que todos têm profissão reconhecida. José, que hoje está com 55 anos, refere encontrar-se na rua desde os 14 anos, portanto passou a maior parte da vida ali: saiu na adolescência, atingiu a vida adulta e agora está envelhecendo na rua. Quem refere estar a mais tempo na rua é Luiz, verbalizando estar ‘nestas andanças’ há 29 anos; hoje está com 63 anos, ou seja, passou quase a metade da vida na rua. É importante enfatizar que esse tempo de rua não se dá de forma linear, já que todos referem ter ficado em instituições de tratamento para álcool ou em Casa de Acolhimento por um período, porém até o momento nenhum deles conseguiu sair definitivamente da rua, tanto que as entrevistas foram feitas com pessoas que estão em Albergue ou na Casa de Acolhida Caminho para a Paz, que foi inaugurada há aproximadamente 02 meses.

Predominam as situações de rompimento dos vínculos familiares em virtude do uso de álcool, seguido pelo abandono ou desentendimentos com a esposa; traição; desemprego e problemas no emprego; desentendimentos com outros familiares, morte dos pais. No entanto, podemos aferir que, dos motivos alegados acima, o mais constante é o uso de substâncias psicoativas. Nos depoimentos, os idosos deixaram transparecer tristeza, solidão e desilusão, sendo que alguns choraram ao verbalizarem sobre os motivos que os levaram a morar na rua; nesse quadro, a família é lembrada com saudades, mas também com mágoas:

[...] “Saí de casa com 14 anos e nunca mais voltei, há mais de 40 anos, não sei se minha mãe está viva e nem os irmãos, com a morte do pai fui para a rua, cai na rua, e fui caindo, caindo, sai andando, andando, no inicio não percebi nada, apenas fui para as ruas,

estradas, meio do mato, sem comer, sem beber água, lembro vagamente que trabalhei na roça, mas não tive salário, pagamento, era em troca da comida nunca mais voltou...” (José)

“Foi à separação, alcoolismo, estava acostumado a manter a casa, arcar com todas as despesas, depois que perdeu o emprego, não pode mais dirigir, ficou deprimido, começou a beber e foi piorando a relação, a separação da mulher e dos filhos, depressão, comecei a ficar em casa no quarto escuro, fechava as cortinas, já morei num asilo em Mococa, por 08 meses, mesmo não sendo velho me aceitaram, só saí pela solidão, depressão, e porque mudou a administração. Fui para São Paulo e fiquei na rua por 03 anos, na cidade grande é melhor de se viver na rua, tem mais recursos, quando dormia embaixo de viadutos, vinham umas mulheres e trazia marmitas, cobertores, e era menos discriminado. O governo mantém casas nas cidades grandes, para os moradores de rua. Em Mogi Guaçu, já fiquei 04 anos numa chácara do Caminho para a Paz, depois sai e voltei para a rua, acho que é uma situação desmoralizante viver na rua”. (Sérgio)

“Saí de casa por causa da bebida, separei da mulher após 14 anos de casamento, e vim morar com a minha mãe, comecei a frequentar os Alcoólatras Anônimos, cheguei a ser tesoureiro do AA, mas recaí, fui para a rua, cheguei a ficar 2 anos e meio na rua, até que no ano passado descobri que estava com tuberculose e fui internado perdi um dos pulmões, e quando voltei do hospital, a mãe não quis recebê-lo alegando que tem medo de pegar a doença. Então teve que voltar para a rua, procurou o albergue, foi atendido de encaminhado para a casa de Acolhida, onde está há um mês”. (Altair)

“[...] Meus pais faleceram, perdi a mãe quando 12 anos. Foram morar no Paraná. Já cumpri pena no presídio por homicídio. Há 40 anos não vê os irmãos eram em13 ao todo não sabe se estão vivos, pois ele era o filho caçula. Casei duas vezes, com a primeira mulher tive uma filha, separei e depois com a segunda mulher tive mais dois filhos, uma menina que hoje tem 21 anos e um menino de 18 anos, contou que ele esta no Rio de Janeiro, na aeronáutica, encaminhado pelo padrinho. Não vê os filhos há aproximadamente 01 ano e meio, moram no Paraná, disse que tem casa lá, onde mora a ex-mulher e os filhos”. (Milton, 65 anos)

A morte de pessoas queridas também é um dos motivos relacionados ao início da ingestão de bebidas alcoólicas ou intensificado o uso até a situação de rua, em consequência do fato de não saberem lidar com as adversidades da vida:

“Eu me divorciei há 13 anos, o motivo foi a bebida, eu tinha um filho que morreu aos 02 anos e 07 meses, foi um acidente, um tanquinho caiu em cima dele, após sua morte, eu comecei a beber e fui aumentando a ingestão, até perder o emprego. Morava em São Paulo, vim para Mogi Guaçu, isto há aproximadamente 20 anos, arrumei um bom emprego, depois o perdi, e veio a separação. Fui morar com meus pais, fiquei com eles por uns 06 anos, mas como não parava de beber, não trabalhava, fui para a rua. Estou há aproximadamente 10 anos nesta trajetória, um pouco com família, um pouco na instituição para bebidas e na rua”. (Marcos)

“Eu morava” em São Paulo separei-me da mulher, mas não me divorciei. Tenho três filhas que ficaram com a mãe, hoje são casadas; vim para Mogi Guaçu há aproximadamente 15 anos, cuidar de minha mãe, que estava doente, e tentar trabalhar aqui; com a morte da mãe, fui morar com uma irmã, casada, mas não deu certo, por causa da bebida”. (Carlos).

“Perdi minha mãe, aos 09 anos, quando fui casado tinha casa própria, sitio, na separação deixei com a ex-mulher, fui morar com uma irmã em Itapira, mas mataram o meu sobrinho com 17 anos por envolvimento com drogas, fiquei desgostoso e sai de lá, fui para a rua. Cheguei a receber auxilio doença do INSS, mas cortaram, trabalhei num supermercado de meus primos, mas eles me exploravam e saí. No momento ninguém sabe que eu estou na Instituição”. (Abel)

Alguns entrevistados já não tinham um bom relacionamento familiar desde muito cedo, com os pais e irmãos – casaram, tiveram filhos, mas não conseguiram um relacionamento amoroso satisfatório, veio à separação, o sentimento de abandono e, finalmente, a rua.

“Morava com meus pais em Monte Sião, até os 19 anos, depois vim para Mogi Guaçu, eu não me dava bem com meus pais. Trabalhei em várias cidades, mas voltei para Mogi Guaçu e casei-me tive um filho, depois de 13 anos pedi o divórcio, pois minha mulher

não tinha controle de nada, bebia muito. Voltei para Minas Gerais, e de lá fui para várias cidades, sempre a trabalho. Retornei para Mogi Guaçu, casei-me novamente e tive mais 03 filhos. Novamente separei, pois a mulher também bebia”. (Honório)

A traição aparece como um forte elemento a conduzir para a rua seguida da separação, situações que geram revoltas, mágoas e aparecem relacionadas à busca da bebida no sentido de amenizar estes sentimentos:

“Fui traído, fui internado por 06 meses para tratamento de bebida, quando saí resolvi ir para a rua, para não fazer uma besteira, nem quero falar sobre isto”. (Arnaldo)

“Fui casado por 15 anos, e fui traído pela esposa, por este motivo me desgostei, fiquei enojado, e com raiva, caí na bebida e fui morar na rua, me juntei com maus elementos e caí em desgraça, fui embora e nunca mais voltei”. (Luis)

Para alguns idosos, a família está longe de ser a referência para reestruturar a vida; poucos têm na família o horizonte e os planos para ao futuro. A fala é a de que não existe mais vínculo – este elo foi perdido devido aos desentendimentos, por vezes, em consequência da ingestão da bebida alcoólica, o que os levou à separação da esposa, dos filhos, da mãe, dos irmãos.