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CAPITULO IV: OS IDOSOS NA RUA DE MOGI GUAÇU

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas últimas décadas, o país tem passado por profundas modificações no plano político e econômico que repercutiram na organização social, no cerne das famílias, nos valores da sociedade. Conceitos e atitudes adotados pela população também estão sendo modificados. Nesse sentido, é urgente um debate com toda a sociedade a respeito das pessoas que passam a usar a rua como moradia, entre eles os idosos. Já não é mais possível que toda a sociedade vire as costas para esta incômoda realidade, visto que todo cidadão é igual em dignidade e direitos, como está explícito na Carta Magna e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A concentração de pessoas vivendo na rua é muito grande não só nas capitais ou metrópoles, mas, como vimos, em cidades de pequeno e de médio porte como Mogi Guaçu, nas quais o problema se alastra e não está relacionado somente ao uso do crack pelas pessoas mais jovens. Existem também o vício em álcool e a extrema pobreza, principalmente entre os indivíduos mais velhos que acabam tendo as mesmas consequências. Para conseguirmos dar assistência a essa parcela da população, é necessária a integração de vários serviços. Apenas iniciativas caritativas e socioassistenciais não resolvem a questão; faz-se necessário a efetivação de políticas públicas integradas e intersetoriais. É preciso trabalhar principalmente a atenção básica à saúde, principalmente a mental, para oferecer um cuidado integral ao cidadão, prevenindo estas rupturas familiares e comunitárias.

Históricos como o de institucionalização ou perda de pessoas que eram a referência emocional também podem se configurar em fatores desencadeadores de situação de rua. Percebe-se, nestes casos, não apenas a baixa resiliência para enfrentar os conflitos familiares, como também a baixa autoestima, o que dificulta a percepção e a busca de alternativas. O contato com Moradores de rua nos fez constatar e refletir que apresentam aparência mais envelhecida do que as demais pessoas na mesma faixa de idade, pois nos depararmos com pessoas de, aproximadamente, 50 anos de idade que aparentavam ser mais velhas devido à situação da pele, dos dentes, cabelo e aspectos gerais comprometidos pelos descuidos em relação às condições de vida e de saúde, principalmente pelo uso imoderado e constante de substâncias psicoativas.

Trata-se de pessoas que enfrentam grandes desafios para permanecerem na rua e estão submetidas a mais de uma vulnerabilidade, estar na rua, sem casa, sem renda, sem apoio efetivo familiar e social, vulneráveis às violências urbanas, expostos às intempéries do tempo, à fome, e frio. Para aqueles que têm idade cronológica mais avançada à situação se agrava, pois têm que enfrentar as fragilidades naturais do envelhecimento, as más condições de vida a que estão submetidos e, muitas vezes, a doenças crônicas, além do uso de bebidas alcoólicas e tabagismo, tão comuns entre aqueles que têm a rua como espaço de moradia. Constatamos que a maioria dos entrevistados não tinha, ainda, percebido o envelhecimento, sendo que muitos já se consideram velhos, principalmente pelos problemas de saúde; consideram que viver na rua é mais difícil para os mais velhos e que eles têm mais dificuldades para sair da rua.

Nos testes de rastreamento cognitivo da pessoa idosa, pudemos constatar que, dos 10 sujeitos que passaram pelo teste, 06 (60%) estão com score de melhor capacidade cognitiva, de 21 a 27 pontos, enquanto que 40% apresentam score que varia de 13 a 17, ou seja, maior grau de comprometimento cognitivo. Cabe-nos sinalizar que os moradores de rua idosos do Município de Mogi Guaçu são pessoas provenientes da cidade ou da vizinha cidade de Mogi Mirim, com anos de trabalho no sistema produtivo local, com parentes e amigos no Município, com amplo conhecimento dos recursos sociais e comunitários do território, e que mesmo tendo saído em andanças por outras cidades da região, tem na cidade seu ponto de chegada e permanência, com vínculos sociais e de afeto e não pretende sair da localidade, o que facilita ou viabiliza um trabalho de reinserção familiar ou comunitária, conforme preconiza a Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua.

Alguns sujeitos da pesquisa são pessoas que se encontram atualmente aguardando segunda via da documentação que perderam, a fim de solicitarem a Bolsa Família ou o Benefício de Prestação Continuada já que, anteriormente, durante toda a sua vida produtiva, trabalharam na atividade informal ou sazonal e sem registro em carteira profissional, portanto, não tiveram acesso à aposentadoria convencional; outros têm vários anos de contribuição previdenciária, mas não o suficiente para a aposentadoria previdenciária. Sua expectativa é que, com este benefício, consigam uma relativa autonomia para sair da rua, seja alugando uma

casa para morarem sozinhos, seja indo viver com familiares, mas podendo contribuir com sua manutenção, adquirindo assim a dignidade que perderam quando foram para a rua.

Alguns depoimentos dos idosos moradores de rua quanto ao que pretendem fazer quando ficarem mais velhos vem carregado de significados sobre o que é para eles o morar, viver e envelhecer na rua: todos foram unânimes em afirmar que querem sair da rua, isto está incluído nos seus planos de futuro, e num futuro bem próximo, já que estão tomando consciência que estão envelhecendo, o que traz um compromisso para os serviços e profissionais que atuam na rede de atendimento ao Morador de Rua de Mogi Guaçu.

Nas falas dos idosos transparece o medo de morrer na rua, a exemplo de ‘esta vida é muito dura, quero sair e ganhar dignidade’, reforçando que o morar na rua está violando sua dignidade como pessoa e cidadão comum; ele quer voltar ‘mais perto da família’. É bem claro, nesse sentido, que todos sentem falta da vida familiar, mas não querem estar juntos novamente, pode ‘até ser mais perto’, mas a vivência passada gerou o medo de assumir novamente uma vida de conflitos e abandono – ‘não acredito em milagres’; ‘sou velho e ninguém vem me ajudar’: frases que ressaltam o sentimento de descaso e abandono, enfim, são tantos anos na rua, que não vêem perspectiva de sair dessa situação.

Temos que levar em conta, ainda, que os idosos moradores de rua não consideram como alternativa para sair da rua a institucionalização em uma Instituição de Longa Permanência, sendo que a maioria pretende conseguir um beneficio assistencial como Beneficio de Prestação Continuada -BPC ou Bolsa família para irem morar sozinhos ou com algum familiar ou, ainda, ficarem no Albergue ou Casa de Acolhida, não levando em conta que o caráter dessas instituições é provisório e de transitoriedade.

Os quadros apresentados demonstram a necessidade de ampliação das coberturas de média complexidade do CREAS na abordagem com a população de rua e na organização da rede de proteção especial; isto demanda em estabelecer um programa intersetorial que ultrapasse o atendimento por segmento. Há também a insuficiência de equipe técnica, principalmente nas unidades de atendimento às pessoas envolvidas com o uso de álcool e drogas; insuficiência e inexistência de atendimento sistemático extensivo às famílias,

dificultadas, por sua vez, pela falta de sustentabilidade financeira das organizações não governamentais.

Situações de atendimento privado sem a devida formalização documental das comunidades e marginalização com respeito à Política de Saúde e da Assistência Social podem prejudicar o atendimento efetivo a esta população em vulnerabilidade, já que não conseguem atingir as verbas públicas disponíveis e as Instituições não têm sustentabilidade para os atendimentos privados, além da precária inserção dos atendimentos confessionais na rede socioassistencial dos Centros de Referência da Assistência Social e de determinadas rotinas das comunidades excessivamente ocupadas por atividades religiosas e assistencialistas, em detrimento de atividades terapêuticas e sócio-educativas.

Outro desafio para os profissionais da gerontologia e afins deve-se ao fato de que, para atuar com a população de rua, é necessário saber quais são as suas peculiaridades, sua diversidade e complexidade. Segundo Trino (2012), para tanto, é fundamental entender conceitos como:

[...] influência de rótulos e estigmas; sujeitos de direitos e deveres; cartografia do território existencial do usuário; a rua como território de vida e produtor de sentidos; autonomia e tutela; sofrimento e doença; conceito de vulnerabilidade; sustentabilidade das redes; e transição de modelos13.

Lembramos, ainda, que política pública só é efetivada a partir de dados concretos. Sendo assim, espero que este trabalho contribua para aprofundar o conhecimento sobre o tema proposto e provoque no leitor certos desafios ao levantarmos alguns dilemas vivenciados pelo morador de rua, em especial aqueles que nela estão envelhecendo. Incitamos à discussão entre os profissionais e acadêmicos, principalmente do Serviço Social e da Gerontologia social e gestores de políticas públicas para o tema que, infelizmente, ainda é negligenciado. Assim,

13

Alexandre Trino proferiu a palestra A nova Política Nacional de Atenção Básica (AB): a proposta das equipes de Consultório na Rua (CR) População de rua: ações, perspectivas e desafios, publicada em 20/09/2012. Disponível em www.sic.gov.br ; www.brasil.gov.br

um desafio se apresenta para os profissionais que tem gerontologia seu campo de intervenção: como proporcionar uma velhice mais digna para os idosos, mesmo que estejam vivendo em ambiente tão exposto a um alto índice de vulnerabilidade social, como é a rua?