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Violência e preconceito, versus solidariedade e amizade na rua.

CAPITULO IV: OS IDOSOS NA RUA DE MOGI GUAÇU

IV.1: Violência e preconceito, versus solidariedade e amizade na rua.

O maior receio dos idosos entrevistados é sofrer agressões de outros moradores de rua ou de outras pessoas que não são da rua, principalmente em relação ‘a colocarem fogo neles enquanto dormem’: muitos deles confessaram ter sofrido agressões em algum momento. A maior incidência de violência são os assaltos, a segunda, brigas e, por fim, atropelamento. A violência e insegurança que sofrem na rua ficaram evidentes nas falas de alguns dos sujeitos:

“Briga com outro morador de rua, há aproximadamente 02 anos ele bateu com um pau na minha cabeça, tive traumatismo craniano e fiquei 6 dias na UTI de um hospital. O pior é que outros colegas tomaram minhas dores, e um deles colocou fogo no que me bateu. Foi preso e depois foi morto no presídio. Eu não queria isto, é o que mais me magoa”. (Abel)

“Já fui roubado várias vezes”. (Sérgio)

“Um dia estava deitado na rua, e uns rapazes vieram e jogaram álcool na gente e colocou fogo, a sorte é que não estava dormindo e tirei rápido, a roupa”. (Altair)

“Eu procuro me fazer conhecido na rua então não sofro violência, pois só cato sucata, respeito para ser respeitado, mas já vi outros sofrerem, mais de uma vez sentiu o preconceito das pessoas, mas procurei fazer vistas grossas, para não arrumar encrenca”. (Milton)

“Sou quieto, fico na minha, não perturbo ninguém, e ninguém me perturba, nunca sofri violência na rua, mas não acontece com todo mundo”. (José)

“Uma vez estava fazendo “Correria12” pelas ruas da cidade, bebendo de bar em bar, mas para dormir escolhia sempre um mesmo bairro, e lá tem uma mina d’água, onde ia dormir próximo, um grupo de pessoas vieram e colocou fogo em mim e em outros moradores, a sorte é que não pegou no corpo todo, deu para eu me livrar, em tempo”. (Marcos)

Muitos entrevistados referiram sofrer discriminações ou preconceito na rua e a imagem social que percebem ‘vinda de fora’ passa por vagabundo, bêbado, miserável, inútil, coitado, no entanto, consideram que a imagem que a sociedade tem dos jovens que estão na rua e utilizam drogas é pior, pois as pessoas têm medo de serem agredidas e roubadas. Referiram que, para os idosos, a situação é mais de pena e, às vezes, de preocupação com sua ‘sorte’. É assim que se configura, na percepção da população, a ausência de políticas públicas de assistência social e de saúde adequadas ao tratamento desta doença que atinge significativo contingente, culpabilizando individualmente o que deveria ser tratado como saúde pública com interface social.

“Já sofri preconceito na rua, eles chamam a gente de vagabundo, outras pessoas não procuram saber o motivo que estão na rua, já vão julgando, criticando, mas também encontra gente boa, que ajuda”. (Carlos)

“Acho que as pessoas podem ter preconceito, mas também pode ser medo que eles têm da gente”. (Marcos)

“Não sinto o preconceito, pois, não gosto de viver em bandos, procuro sempre estar sozinho e sempre fazer alguma coisa, olhar carros, catar sucatas, a maioria não quer fazer nada, e as pessoas não respeitam”. (Honório)

“Sofro preconceito principalmente pela bolsa de colostomia que uso, não pode tomar café que ela faz barulho e todos olham e, como não sabem que uso bolsa, pensa quem

12 A expressão “correria”, para o entrevistado, contém as idéias de ‘ir de rua em rua bebendo, comendo nos

sou mal educado, e sinto-me mal. Violência nunca sofri, ma já vi colocarem fogo em um rapaz na rua em São Paulo”. (Arnaldo)

Todo cidadão tem o direito de ficar nos espaços públicos e é livre para estar nesses locais, não podendo ser desrespeitado no seu direito de ir, vir e permanecer. As autoridades devem respeitar as leis não tendo atitudes higienistas e nem agressivas e protegendo essa população das demais pessoas da sociedade a fim de maltratá-los.

Na rua os idosos não sofrem apenas violência e preconceitos, há também uma rede de solidariedade e amizade que propicia aos mesmos, amenizarem as dificuldades que encontram para a subsistência na rua. Constroem, ali, as relações de solidariedade a partir da lógica das rupturas, embora tenham deixado para trás pais, irmãos, filhos, esposas. A maioria alega ter boas relações com os demais moradores de rua, apenas 03 alegaram preferir estar sozinhos e não acham que há solidariedade na rua:

“Os outros moradores de rua, dividem a pinga, a comida, no frio divide a coberta, a roupa, o que um tem divido com o outro que não tem”. (José)

“Na rua há solidariedade, uma mão lava a outra, a gente divide a comida, água, cigarro, mas também tem gente mesquinha, como em qualquer lugar, quando ganha as coisas, vão longe da gente para comer, beber”. (Milton)

“Existe solidariedade entre os moradores sim, se um está descalço e o outro tem dois chinelos, ele cede um, mesmo na rua a gente vê que tem um pior que o outro, sempre tem aquele que tem mais e divide, às vezes, tudo o que tem”. (Sergio)

“Os amigos são solidários, dividem marmita, mas eu gosto mais de andar sozinho, se andar em turma fica mal visto pela policia”. (Abel)

As condições de saúde dos moradores de rua são precárias em virtude de uma série de condicionantes próprios da ocupação do espaço das ruas: higiene precária, alimentação irregular, uso constante de substâncias psicoativas, violência na rua, sendo que um deles foi atropelado, junto com o carrinho de sucatas. O envolvimento com tabaco (cigarro) e álcool

acomete 100% dos entrevistados, O uso de álcool é uma característica da população mais idosa, o que demonstra que o uso de drogas é um fenômeno que ganhou proporções em tempos recentes. É importante assinalar, aqui, que estes não consideram a dependência de substâncias psicoativa como doença, embora 50% deles referiram que já tiveram internação em hospitais psiquiátricos ou unidades de tratamento para dependência química, sendo este um fator agravante da situação, pois compromete a reinserção no trabalho, criando um círculo vicioso de manutenção do quadro de rompimento das relações familiares e manutenção na rua.

Muitos dos entrevistados já passaram por atendimentos que as Comunidades terapêuticas desenvolvem, outros são egressos de hospitais psiquiátricos que não teriam condições de receber alta médica, pois permaneceram apenas por um período de desintoxicação e, não tendo para onde ir, voltam para as ruas: a pronta recaída revela esta situação. A depressão também está presente na vida desses homens – alguns se sentem deprimidos pelas situações de vivência na rua e outros já tinham a depressão antes de irem para a rua, bem como outros transtornos mentais em consequência do uso de bebidas psicoativas conforme alguns relatos, a seguir:

“Sou usuário de álcool, tenho problemas psiquiátricos, e atrofia em uma das mãos, por acidente, não tenho nenhum beneficio, embora contribui com o INSS por 22 anos”. (Luiz, 63 anos)

“[...] se tristeza for doença, então ele tem esta doença, chorou ao falar de sua tristeza”. (José)

“O morador de rua é um solitário, alguns ficam na rodoviária, conversando, desabafando, para não sentirem solidão, e tristeza”. (Arnaldo)

[...] “quando cheguei aqui na casa estava com a memória muito ruim, devido a bebida agora sinto que estou melhorando, quando alcoolizado eu cheguei a ter alucinações, visual e auditiva”. (Marcos)

“[...] o alcoolismo, a separação da mulher e dos filhos, depressão, comecei a ficar em casa no quarto no escuro, fechava as cortinas, não queria ver ninguém, deixei o serviço e depois veio à rua”. (Sérgio)

“Só uso cigarro e pinga desde os 16 anos, mas tiro o chapéu para dizer que nunca usei drogas, embora ache que pinga e cigarro é droga. Já fiquei 05 meses internado em Araras, numa casa para recuperação de álcool e drogas, e depois sai e voltei para a rua e para a pinga” (José, 56 anos).

“Uso cigarro e álcool, mas nunca usei drogas, e no momento no albergue não posso beber, freqüento o CAPSAD, só quando vou à casa de minha irmã, uma vez por mês, bebo pinga com groselha, mas bem pouco. É impossível morar na rua e não beber, que fala o contrário mente...” (Carlos, 64 anos).

“Eu bebi dos 35 aos 42 anos, fiquei 07 anos sem trabalhar só bebendo, agora faz 12 anos que não bebo e fumo cigarro desde os 07 anos de idade, já perdi um pulmão e agora o outro está doente, mas não consigo deixar de fumar” (Altair, 59 anos).

“Já passei por 04 internações em hospitais para desintoxicar do álcool, e 02 casas de recuperação, mas sempre tinha recaída, agora quero para de vez” (Marcos, 53 anos)

Em muitas dessas situações existe uma questão claramente social que se acopla na complexidade do quadro: as pessoas fazem o tratamento contra o álcool, mas ao saírem, simplesmente não têm para onde ir. Se vão para as ruas, como consequência, a recaída é certa. A participação em unidades de atendimento municipal refere-se prioritariamente a unidades de saúde básica ou hospitais e no CAPSAD. No entanto, 100% deles já utilizaram o Albergue de Mogi Guaçu, bem como entidades de acolhimento ao morador de rua como a Associação dos Amigos Solidários e a Comunidade Caminhos para a Paz.

Além dessa problemática, quatro pessoas se declararam portadoras de deficiência, um deles tem cegueira em um olho e outro, surdez em um ouvido; três estão com dificuldade de locomoção por acidente e por Acidente Vascular Cerebral e, outros, por problemas de coluna. Um dado significativo é que 100% referiram não enxergarem bem – reclamaram que querem ler e não conseguem – , no entanto, nenhum deles utiliza óculos.