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CAPITULO IV: OS IDOSOS NA RUA DE MOGI GUAÇU

IV. 3: Os elos familiares atuais

Na sociedade Brasileira, a família é considerada o suporte para as relações sociais e o agente primário de socialização, servindo de rede de apoio em momento de crise e de fragilidade das relações afetivas, porém os obstáculos na comunicação, como a falta de diálogo, pode inviabilizar a convivência de seus membros. O apoio da família para alguns indivíduos e a falta dela pode levar a sérias consequências, entre elas, o surgimento de um contingente cada vez maior de moradores de rua. O uso de bebidas alcoólicas foi considerado, pelos entrevistados, um dos fatores de desajuste familiar e um dos motivos que os levou para a rua. A situação dificulta a inserção em relações formais, o que vai se tornando, gradativamente impossível, principalmente entre os idosos moradores de rua, que carregam consigo um sentimento de não serem úteis na família, de ser um estorvo na vida dos filhos – o

que gera mágoas e desilusões. Citam que sentem falta dos filhos, dos irmãos, enfim, mas que não conseguem reestabelecer os vínculos que foram rompidos e voltar para o convívio mais próximo.

Pudemos observar que a maioria dos entrevistados é natural da cidade ou do entorno, sendo que 70% ou aqui nasceram, ou estão morando há muitos anos no Município de Mogi Guaçu. Apenas três são de outros Municípios, não tendo nenhum vínculo com a cidade. A grande maioria, 80%, tem parentes e sabem como localizá-los e, inclusive, a maioria destes reside na própria cidade de Mogi Guaçu e na cidade vizinha Mogi Mirim. Não há, porém, contatos freqüentes e o desejo de voltar a conviver sob o mesmo teto. Isto, no entanto, não impede que seja realizado um trabalho de manutenção destes vínculos afetivos e de apoio familiar, mesmo que o sujeito esteja em uma instituição de acolhimento ou em uma república, com seus pares:

“Minha irmã é aposentada e viúva, faz parte de um grupo de basquete da 3º idade e quase não fica em casa, a sobrinha solteira, é enfermeira”. Ele vai vê-las uma vez ao mês, almoça com elas, ela me visitam. Quanto às filhas já vieram me ver, depois que estou no albergue, trouxeram os dois netos para eu ver e ficou o domingo todo comigo. “Sente saudades, mas não quer morar com elas”. (Carlos, 64 anos)

“A filha mais velha tem 33 anos, da primeira união é evangélica, formada em administração de empresas, é casada com um pastor, bem mais velho do que ela, disse que ele tem aproximadamente 90 anos, é secretario geral de uma igreja evangélica, disse que eles estão muito bem, mas não quer morar com eles, pois são cheios de colocar regras, e criticá- lo então não dá certo”. (Milton)

“Tem tia em Mococa, a ex-mulher também, dois filhos casados um em Mococa e um em Divinolândia. Vêem eles com frequência, na rua, moravam perto, às vezes o filho passa de carro e buzina para ele, mas passa e vai embora, não o procura para conversar”. (Sérgio)

“Meu irmão me procurou na rua, e me trouxe para o Caminho para a Paz, já que o próprio já tinha estado na Instituição para deixar a droga. O irmão vem ver-me toda semana, no ultimo domingo, fui com ele nas casas de outros parentes, tios, primos, passou o dia todo

com eles, e foi muito bom, fiquei muito feliz, pessoas que não queriam vê-lo quando estava na rua alcoolizado, agora está tratando ele bem, ficaram felizes ao vê-lo. Tenho um único filho, adulto, advogado, e mora com a mãe em Americana, a ex-mulher tem duas lojas nesta cidade e já ofereceu ajuda para ele, mas recusou”. (Marcos)

“Hoje minha ex-mulher é evangélica, mora em São Paulo, e a filha mora em Mogi Mirim, tem genro, neto, mas não dá morar com ela. O filho mais velho morreu de câncer há um mês. Fui morar com uma enteada num apartamento em São Paulo, mas não gostei, era muitas regras”. (Honório)

“Desentendimentos com a mulher, fui morar com uma filha, mas não deu certo, não me adaptei em Santos, ela queria controlar minha vida”. (Abel)

“Os irmãos moram em São Paulo, a ex- mulher e os filhos moram em Mococa, um filho de 22 anos casado, uma de 18 anos e um menino de 12 anos, apenas os vê, pois mora na mesma cidade, mas não tem contatos frequentes. Tem casa própria, mas deixou para os filhos”. (Arnaldo)

“Tenho 03 filhos vivos, e 01 morto, não quero procurá-los, nem sei onde eles moram, não quero mais encontrar ninguém”. (Luis, 64 anos)

É pertinente refletir sobre que preconiza o artigo 226 da Constituição Federal, em relação à afirmação de que a família é base da sociedade e tem especial proteção do Estado, bem como o artigo 230, na afirmação de que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e lhes garantindo o direito à vida. Estes conteúdos nem sempre são concretizados, devido à falta de políticas públicas – para a família proteger seus membros, necessita-se da proteção do Estado.

A família pode ser a base fundamental para a organização dos indivíduos, porém as dificuldades financeiras e a falta de diálogo podem inviabilizar a convivência, em especial dos idosos, que carregam consigo um sentimento de não poder mais contribuir com esta e trazer uma demanda que não conseguem agregar. A rua reflete, então, o abandono não apenas da família, dos companheiros, mas de si mesmo. É o momento, reafirmamos, em que o sujeito se

larga perante a vida e, na condição de ser sociável, busca resgatar pelo menos o mínimo de humanidade neste novo espaço.

Por este motivo é que a maioria dos entrevistados tem amigos que moram nas ruas e fora dela, constroem ali as relações de solidariedade, embora tenham deixado para trás pais, irmãos, filhos, esposas. Observamos que, se por um lado os entrevistados romperam ou seus vínculos com a família, continuam com referência de vizinhos e amigos, com o bairro, a cidade ou o estado de origem e, principalmente, com os espaços institucionais. Porém, nem todos os entrevistados consideram que as pessoas que estão na rua são amigos – por vezes os vêem apenas como companheiros de infortúnio:

“Amigo é de conversa, mas amigo, amigo mesmo, só eu mesmo, eu sou o meu melhor amigo, nãominto para mim, eu confio em mim, não faço nada de errado, só bebo pinga e fumo, mas sou honesto, nunca roubei ninguém, não matei, não brigo se deixo uma coisa no lugar, confio, sei que vai estar lá quando procurar, eu gosto de andar sozinho” .(José, 55 anos)

“Eu tenho amigos no Albergue e com as pessoas de fora também, pois os moradores de rua, são falsos, não pode confiar, tem que um olho no gato e outro na sardinha, se puderem tiram as coisas da gente”. (Carlos)

“Procuro fazer amizade com tudo mundo, respeito para ser respeitado, gosto de ler o jornal, quando tenho dinheiro, compro o jornal para ler todos os dias, quando não tenho, fico no bar, bebendo algo, até que as pessoas que estão no bar lendo jornal, acabam e vão embora e eu posso pegar para ler, com isto construo amizade, também gosto de ir ao bar, assistir televisão, o jogo de futebol”. (Milton)