• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II: DA IMPLEMENTAÇÃO DO ENSINO EM EDUCAÇÃO FÍSICA AO PROCESSO DE

2.2. Compreender a essência do Processo de Bolonha

2.2.3. A implementação do Processo de Bolonha em Portugal

A concretização da declaração de Bolonha em Portugal foi dada com a publicação do Decreto – Lei nº. 74/2006, de 24 de Março. Esta legislação determinou que os estabelecimentos de ensino superior devessem assimilar, até ao 2010, a adequação dos cursos aos princípios e à nova organização decorrente desse processo.

Canário (2001a), refere que a transformação do ensino superior orientado para a transformação de elites num ensino superior de massas modificou, a relação entre o ensino superior, o mercado de trabalho e a problemática da formação profissional. Segundo o autor, esta é uma questão chave para pensar as políticas relativas ao ensino superior. A perspetiva de pensar os cursos ou formações de nível superior à margem de qualquer preocupação profissionalizante, implica deixar de se encarar a formação profissional como um processo fundamental para os futuros profissionais das diferentes áreas existentes na formação superior em Portugal.

Desde o início do século XXI que a dimensão profissional da formação tem vindo a assumir uma relevância, cada vez maior, no quadro dos sistemas de educação e de formação. Apesar deste facto incontroverso, as referências à formação profissional continuam a manter alguma conotação negativa que só é compreensível se analisada à luz da tradição histórica que marca a relação entre o mundo da educação formal e o mundo do trabalho (Canário, 2001a).

Para Amaral (2005) o desdobramento das licenciaturas em dois ciclos impõe uma profunda reforma educativa do ensino superior. Este autor interroga-se acerca da Declaração de Bolonha e procura explicá-la referindo que Bolonha foi o “Viagra” dos ministros europeus sem força para implementar as reformas. Neste caso, os ministros dos quatro países inicialmente referidos, assinaram um acordo com a proposta de modificar os seus sistemas de ensino superior e convidaram depois ministros de outros países a associarem-se (Amaral, 2005).

De facto, no ano seguinte surge a declaração de Bolonha que é, na verdade, consequência do documento da Sorbonne, evitando no possível algumas questões mais discutíveis de Bolonha, tendo como exemplo o termo harmonização dos sistemas de ensino superior que foi substituído por convergência para evitar a ideia da uniformização dos sistemas. Vários países utilizaram o pretexto da implementação de Bolonha para implementar reformas para resolver problemas nacionais, usando como desculpa o Processo de Bolonha (Amaral, 2005).

69

Serralheiro (2005) explica-nos as principais alterações ocorridas no Ensino superior com a adesão do País e das Instituições de Ensino superior ao Processo de Bolonha, referindo-se a: (a) Um sistema de títulos homologável a nível europeu, afirmando ser o reconhecimento dos títulos no espaço europeu é um caminho positivo. Embora o mesmo não pode resultar de habilidades desligadas das pessoas e dos países, promotoras da homogeneização linguística, cultural e dos conteúdos. Parece ser de evitar uma homogeneização que se traduza em conteúdos de formação que não seja mais do que um mínimo denominador comum das temáticas queridas em cada país. Nem é aconselhável aceitar que o espaço da União Europeia seja submetido, em nome da livre circulação, ao domínio das três línguas dominantes na Europa: inglês, francês e alemão; (b) Determinação de perfis de competência (Projeto Tuning), que se focaliza sobre competências específicas e competências genéricas. Estas competências representam uma combinação dinâmica de atributos, capacidades e atitudes. O desenvolvimento destas competências é o objeto dos programas educacionais. As competências a serem obtidas pelo estudante, pretendem-se desenvolvidas em várias unidades curriculares e avaliadas em diferentes estádios de aprendizagem; (c) O sistema de créditos, sendo que a organização do sistema segundo o princípio dos créditos deve acautelar algumas questões importantes relativas à pessoa do aluno. Em nome da competitividade, da eficácia ou do mercado, não se pode reduzir o aluno a uma máquina de aprender que se liga durante o maior tempo possível em cada dia. O estudante não é uma pessoa única e exclusivamente dedicada ao estudo académico. É necessário reconhecer-lhe outras dimensões como o ócio, o voluntariado, a atividade cívica e política, social, afetiva, sexual, artística e outro tipo de atividades de que depende o seu equilíbrio e formação; (d) Mobilidade de Professores e estudantes, referindo que a mobilidade é um fator importante quer para Professores e investigadores quer para os alunos. Mas a mobilidade pode ser altamente seletiva se não for acompanhada de políticas de apoio à mesma. Os sistemas em uso – como o Erasmus – só são usados por cerca de 1.5% dos alunos europeus. A ausência de políticas europeias capazes reduz a mobilidade a uma minoria economicamente privilegiada, aumentando as injustiças e as desigualdades sociais.

Focando no sistema de créditos, de acordo com o Artigo 3º do Decreto-Lei nº42/20054,

um crédito define-se como a unidade de medida do trabalho do estudante sob todas as suas formas, designadamente, aulas, sessões de orientação pessoal de tipo tutorial, estágios, projetos, trabalhos no terreno, estudo e avaliação. No Artigo 9º do Decreto-Lei n.º 74/20065, no ensino

4 Decreto-Lei n.º 42/2005. Artigo 3º: Estrutura e planos de estudos.

70

universitário, a obtenção do grau de licenciado corresponde a um ciclo de estudos de 180 a 240 créditos, com uma duração normal de trabalho de 6 a 8 semestres curriculares. Sendo que no ensino universitário, a obtenção do grau de mestre compreende 3 a 4 semestres curriculares de trabalho, representando estes 90 a 120 créditos. O grau de mestre pode ainda ser adquirido após um ciclo de estudos integrado com a duração de 10 a 12 semestres curriculares de trabalho e, portanto, o correspondente entre 300 e 360 créditos (Artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 74/20066).

A inserção de Portugal no processo de concertação do EEES veio colocar o país nas alterações do percurso sociopolítico e cultural, com vista às transformações necessárias à sua consolidação no EEES (Ponte, 2006). Percurso esse, que tem como base o empenho na construção de um EEES orientado para a qualidade, mobilidade e a comparabilidade dos graus académicos e formações, promoveu, desde o seu início, uma mobilização ao redor das adequações necessárias ao chamado Processo de Bolonha. Tal facto fez emergir como principio metodológico a defesa de um posicionamento de abertura e flexibilidade, relativamente aos fundamentos daquele processo, no quadro de um pensamento estratégico sobre as mudanças que se pretendeu introduzir no Ensino superior nacional (Ponte, 2006).

Ficou definido de 2007-2010 como intervalo de tempo para a implementação deste novo modelo de ciclos de estudo, constituindo um dos objetivos essenciais da política para o ensino superior, oportunidade única para incentivar a sua frequência, melhorar a qualidade e a importância das formações oferecidas, fomentar a mobilidade dos estudantes e diplomados e tornar as formações internacionais (Silva, 2011).

Neste estudo, perante a perceção dos participantes verificámos que a organização do curso em ECTS, veio facilitar a estrutura curricular. Porém, houve algumas dificuldades na concretização e aplicação dos Créditos às áreas científicas necessárias para o normal desenvolvimento das unidades curriculares, porque a A3ES impõe uma distribuição de ECTS em determinadas áreas científicas, como evidenciam as posições dos coordenadores, a saber:

A organização do curso com base nos ECTS, em termos práticos facilitou muito, porque deixamos de ter os processos de equivalência, para ter processos de creditação. Portanto 6 ECTS são 6 ECTS independentemente de serem em sociologia ou serem em pedagogia e portanto em termos de creditação de um lado para o outro facilitou imenso, e em termos de creditação de conhecimentos ou de competências já posso dizer que é falso na medida em que o indivíduo acaba por ter a creditação em 2 cursos e pode não ter nada um a ver com outro. (Coord.1)

Depois acabei por descobrir que tinha sido rejeitado por uma questão formal lá-na-caprina das questões… Tínhamos dado mais importância ao estágio do que aquilo que podia ser, ainda por cima uma questão de 2 créditos, mas o delineamento do curso, está muito além do 43/2007 que quase que formata o curso dando

71

os pesos às diferentes componentes, às áreas da formação em ciências da educação, às áreas da formação das didáticas, ao estágio e à formação de Professores. Portanto aquilo está mais ou menos estabelecido e com uma disciplina mais para a direita, mais para a esquerda, com mais crédito, menos crédito a coisa compõe-se. (Coord.3)

Cuadrado et al. (2005) referem que a adoção do ECTS mede o volume de trabalho do estudante, para que este alcance os objetivos previstos no programa de ensino. Assim, este processo promove inovações educativas no sistema universitário que vai além da simples aplicação numérica de tradução de um sistema de créditos para outro. Estas alterações afetam três dimensões essenciais na educação, sendo elas, o ensino, a aprendizagem dos estudantes e as competências do docente. Estas dimensões estão inerentes aos parâmetros de Convergência Europeia que se podem definir como: (a) A educação centrada no processo de aprendizagem do aluno; (b) A formação ao longo da vida; (c) O Docente como transmissor de conteúdos facilitadores para o desenvolvimento de competências.

Perante esta nova realidade, o ensino superior em Portugal teve de se adaptar e transformar, de forma a conseguir atingir todos os objetivos que eram propostos após assinar a declaração de Bolonha. Todas as orientações curriculares, todas as metodologias e objetivos utilizados até então desvaneciam-se. O processo de assimilação das novas regras sugeridas e agora impostas demoraria sempre um pouco até à sua total integração até porque este sistema de créditos ECTS introduziu um novo paradigma onde o ensino está centrado no aluno e nos objetivos de formação. Esta temática orienta-nos para o Decreto-Lei nº. 74/2006 de 24 de Março7, que assume o Sistema de Créditos instituído na União Europeia, no país.

Na fixação do número de créditos da Licenciatura, ou 1º ciclo de estudos, para as diferentes áreas de formação, recomendou-se que os estabelecimentos de ensino universitário devessem adotar valores similares aos de instituições de referência de ensino universitário do espaço europeu, das mesmas áreas, tendo em vista assegurar aos estudantes portugueses condições de mobilidade, de formação e de integração profissional semelhantes, em duração e conteúdo, às dos restantes Estados que integram aquele espaço.

No que diz respeito ao ciclo de estudos integrado, conducente ao grau de mestre, ou 2º ciclo, o mesmo Decreto-Lei fixa a sua realização em 300 a 360 créditos e uma duração normal compreendida entre 10 a 12 semestres curriculares de trabalho, nos casos em que, para o acesso ao exercício de uma determinada atividade profissional, essa duração seja fixada por normas legais da União Europeia, e resulte de uma prática estável e consolidada na União Europeia.

72

As Instituições de Ensino superior, após Bolonha, procuram desenvolver-se por forma a adequar a qualidade dos seus diplomados às exigências das organizações, assim como conquistarem uma boa reputação e reconhecimento pelo mundo laboral. Importa, pois, preparar os diplomados para o desenvolvimento de competências exigidas pelo mercado de trabalho. Recorrendo, por exemplo, à construção do programa curricular através da leitura das exigências do mercado de trabalho, nomeadamente através da compreensão das caraterísticas, requisitos ou situações realistas e representativas deste, que permitam aferir e posteriormente integrar essas competências no processo de ensino e aprendizagem (Klink, Boon, & Schlusmans, 2007). Competências estas, relevantes para a prática profissional mas simultaneamente a permitir a renovação crítica dessa prática profissional, numa lógica de inovação contraposta à da reprodução, contribuindo para o desenvolvimento pessoal e social do profissional (Klink, Boon, & Schlusmans, 2007).

Drummond, Nixon, e Wiltshire (1998) referem que, numa ideia já anterior à Declaração de Bolonha, a maioria das Instituições de Ensino superior deveriam estar de acordo com as politicas institucionais e as diretrizes orientadoras, no que às competências desenvolvidas por parte do estudante diz respeito. Para isso, os autores referem três possíveis abordagens promotoras do desenvolvimento deste tipo de competências: (a) Desenvolvimento integrado que envolve competências desenvolvidas no currículo; (b) Desenvolvimento paralelo ou autónomo, que envolve as competências que são desenvolvidas pelo estudante, não integrados no currículo; (c) Estágios ou projetos baseados no trabalho, que são vistos pelos empregadores como a melhor forma de desenvolver as competências de empregabilidade dos estudantes.

As reformas confrontam os Professores com dois desafios de envergadura, isto é, reinventar sua escola enquanto local de trabalho e reinventar a si próprios enquanto pessoas e membros de uma profissão (Perrenoud & Thurler, 2002). Para estes autores o professor deve assumir desafios intelectuais e emocionais muito diversos daqueles que caracterizavam o contexto escolar no qual aprenderam a sua profissão. A introdução de novos objetivos de aprendizagem e de novas metodologias de ensino não lhes permitirá organizar o ensino numa sucessão rígida de lições e fichas de trabalho e sim obrigá-los-á a inventar permanentemente arranjos didáticos e situações de aprendizagem que respondam melhor à heterogeneidade das necessidades dos alunos.

Segundo os mesmos autores, várias investigações evidenciam que as escolas nas quais os Professores se prepararam para enfrentar as incertezas e os conflitos que acompanham inevitavelmente toda mudança de práticas, não têm apenas um melhor desempenho, como

73

também conseguem desenvolver progressivamente competências coletivas, a saber: (a) Traduzir os objetivos do plano de estudo em dispositivos de aprendizagem; (b) Observar e gerir a progressão dos alunos por vários anos; (c) Desenvolver uma divisão do trabalho flexível; (d) Dosear os desafios em função das competências individuais e coletivas; (e) Incutir urna exploração colaborativa; (f) Dominar os meios de acesso às ferramentas e aos recursos necessários; (g) Desenvolver uma cultura da avaliação visando assegurar o desenvolvimento contínuo da qualidade; (h) Assumir coletivamente a responsabilidade pelos resultados e pelas transformações em curso; (i) Verificar permanentemente a coerência entre os objetivos declarados e as condutas adotadas.

75

CAPÍTULO III: A (RE)CONSTRUÇÃO DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO