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A impugnação judicial das decisões administrativas em matéria de asilo

INTRODUÇÃO AO DIREITO DE ASILO

A. Sofia Pinto Oliveira

5. A impugnação judicial das decisões administrativas em matéria de asilo

A importância de reconhecer aos requerentes de asilo adequadas garantias abrange também necessariamente o recurso a autoridades judiciais.

Este mesmo aspeto foi aflorado pelo Tribunal Constitucional português no Acórdão 962/96, de 11 de Julho, em que foi apreciado o regime legal que limitava a possibilidade de prestar patrocínio judiciário ao requerente de asilo, porque se exigia a residência prévia em território nacional pelo período mínimo de um ano.

“Esta solução é inconstitucional, desde logo, porque ela desconstrói a efetividade do

direito de asilo, garantido aos estrangeiros e apátridas, nos termos do artigo 33, número 6, da Constituição. A desejabilidade constitucional de realização do direito de asilo, que se radica nos valores da dignidade do homem, na ideia de uma República de 'indivíduos', e não apenas de cidadãos, e na proteção reflexa da democracia e da liberdade seria claramente inconseguida aí onde à proclamação do direito apenas

18 Para uma descrição mais detalhada do procedimento previsto na lei de 1998 e que se mantém, neste aspeto, no

essencial, inalterado, ver o nosso “A Recusa dos Pedidos de Asilo por Inadmissibilidade”, em Estudos em Comemoração do 10º Aniversário da Licenciatura em Direito da Universidade do Minho, Coimbra, Almedina, 2003, p. 79- 94.

correspondesse o poder de impetrar o asilo junto da Administração sem garantia de

controlo judicia19l”.

Aliás, por ser um direito, liberdade e garantia pessoal, o legislador está obrigado não só a garantir o acesso aos tribunais para tutela do direito fundamental de asilo, mas também a assegurar “aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade,

de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações” do seu direito

(artigo 20, número 5).

Uma das questões que mais controvérsia tem gerado em Portugal ao longo das sucessivas alterações ao regime jurídico do asilo tem sido precisamente esta: a questão da justiciabilidade das decisões administrativas tomadas nesta matéria20.

A lei do asilo de 1998 veio admitir expressamente a impugnabilidade de todas as decisões administrativas em matéria de asilo, mesmo as de mera admissibilidade ou inadmissibilidade do pedido, mas não atribuía efeito suspensivo a estas ações judiciais, o que significava que um requerente de asilo cujo pedido não fosse admitido, podia impugnar essa decisão, mas esse facto não impedia a execução de medida de expulsão do território nacional, que é o desfecho comum das decisões de inadmissibilidade do pedido. Os prazos para a execução das expulsões eram tão curtos que tornavam inviável, na prática, mesmo a apresentação de um pedido de suspensão de eficácia da decisão enquanto medida cautelar adequada a evitar o afastamento do território nacional na pendência do processo judicial (uma vez que a execução da decisão de afastamento ocorria quase inevitavelmente antes da citação da entidade demandada). Este era um aspeto muito criticado na lei de 1998. Assim, segundo Nuno Piçarra, “no âmbito

específico do direito de asilo (...) um recurso jurisdicional com efeito meramente devolutivo perde toda a sua eficácia protetora (...)" e "(...) frustra o princípio da tutela judicial efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos”21.

19 Acórdão 962/96, de 11 de julho, relatado pela Conselheira Assunção Esteves, publicado no DR, I Série, de 15 de

outubro de 1996, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, as normas contidas no artigo 7, número 2, do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de dezembro e no artigo 1, números 1 e 2 do Decreto-Lei 391/88, de 26 de outubro, na parte em que veda o apoio judiciário a quem pretenda impugnar contenciosamente o ato que lhe negou asilo (negritos nossos).

20 Ver, sobre esta matéria, o controverso acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido em 28 de

julho de 2010, no caso Samba Diouf v. Ministre du Travail, de l'Emploi et de l'Immigration (Luxembourg), processo C-69/10.

21 Nuno Piçarra, "Em Direção a um Procedimento Comum de Asilo", em Themis, 2000, p. 291-292.

Entretanto, o Tribunal Europeu dos Direitos foi chamado a pronunciar-se sobre a questão de saber se a execução de decisões de expulsão antes de haver apreciação judicial das decisões administrativas em matéria de asilo era compatível com o direito ao recurso judicial efetivo previsto no artigo 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. E no caso Gebremehdin

contra a França, o Tribunal foi claro no sentido de entender que o direito ao recurso judicial

efetivo impõe que os requerentes possam permanecer em território nacional até haver uma decisão judicial relativamente aos atos praticados pela autoridade administrativa que estes pretendam impugnar22.

A lei portuguesa de 2008 foi, neste aspeto, particularmente avançada e garantística. Previu a possibilidade de impugnação de todos os atos desfavoráveis em matéria de asilo e associou efeito suspensivo automático a todas essas impugnações judiciais. De modo a garantir que os procedimentos judiciais são céleres, não pondo em causa a eficácia na aplicação das consequências que decorrem de decisões negativas – e que implicam, na quase totalidade dos casos, a expulsão do território nacional -, previu prazos muito curtos para estes processos – excessivamente curtos, mesmo irrazoáveis, numa solução legislativa que foi depois parcialmente corrigida em 2014. Resta saber se a solução atual alcança o necessário equilíbrio entre as garantias efetivas dos requerentes de asilo – que, em nosso entender, impõem a apreciação judicial da decisão antes da execução de quaisquer medidas de expulsão – e a necessidade de garantir a tomada e execução de decisões céleres nesta matéria, sob pena de a eficácia do sistema ficar afetada.

22 Ver decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no caso Gebremedhin contra França, de 16 de Abril de

2007. Antes desta decisão, já o caso Conka contra Bélgica, de 5 de fevereiro de 2002 tinha chegado a conclusões próximas, embora não tão radicais.

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