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A GARANTIA DE UM PROCEDIMENTO JUSTO NO DIREITO EUROPEU DE ASILO

4. O direito ao procedimento justo como garantia de efetivação do direito de asilo

5.3. Diretiva Procedimentos

81 Assim, a dec. de 27/03/2012, no caso Mannai c. Itália, queixa n.º 9961/10, referente à expulsão para a Tunísia de um alegado fundamentalista islâmico.

82 Dec. de 06/02/2003, Mamatkulov e Abdurasulovic c. Turquia, queixas n.º 46827/99 e 46951/99, que marcou o ponto de viragem neste contexto. Sobre este ponto, v. Edouard Dubout, “Interprétation Téléologique et Politique Jurisprudentielle de la Cour Européenne des Droits de l’Homme”, Revue Trimestrielle des Droits de l’Homme, n.º 74, Avril 2008, p. 410.

83 Dec. de 05/02/2013, Zokhidov c. Russia, queixa n.º 67286/10.

84 Ac. de 01/03/2011, Chartry, proc. n.º C-475/09. Sobre o direito a recurso efetivo nos procedimentos de asilo, v. M. Reneman, EU Asylum Procedures and the Right to an Effective Remedy, Hart, 2014.

85 Ac. de 28/07/2011, Samba Diouf, proc. n.º C-69/10.

São várias as situações em que os Estados podem decidir em sentido desfavorável ao requerente: para além dos casos de indeferimento do pedido, podem decidir ainda não examinar o pedido, considerar o mesmo inadmissível ou aplicar procedimentos extraordinários86. Todas estas decisões são suscetíveis de recurso. O mesmo se diga, de resto,

da decisão proferida na fronteira, da decisão de recusa de reabertura do procedimento, da decisão de retirada da proteção internacional e da decisão que considerou os requerentes elegíveis para efeitos de proteção subsidiária, mas não para efeitos de benefício do estatuto de refugiado. A possibilidade de recurso está ainda prevista para a decisão que considera um terceiro país como um país seguro87. Assim é porque, como se refere expressamente no

considerando 42, a designação de um país terceiro como país de origem seguro não pode constituir garantia absoluta de segurança para os nacionais desse país88. O requerente pode

demonstrar que, na sua situação específica, existem motivos válidos que demonstram que o país não é seguro, devendo a designação de país seguro deixar de ser relevante para o seu caso.

A Diretiva prevê ainda alguns princípios respeitantes à configuração concreta do recurso. Desde logo, contrariamente a outros atos emanados no desenvolvimento da política europeia comum de asilo e de imigração89, refere-se expressamente à necessidade de o mesmo se

processar perante um órgão jurisdicional90. Em conjugação com a jurisprudência do TEDH, esse

órgão jurisdicional deve proceder a uma análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo uma apreciação das necessidades de proteção internacional. Assim, também o direito europeu derivado exige a reapreciação de mérito, de “jurisdição plena” da decisão respeitante ao pedido de proteção internacional.

86 V. por exemplo, os mecanismos de adiamento, priorização ou aceleração da análise (art. 31.º, n.º4). Neste ponto, importa ter presente o caso Samba Diouf, já mencionado, em que o TJUE considerou que a norma estadual que determina que o pedido deve ser sujeito a tramitação acelerada não viola a Diretiva, desde que se garanta a possibilidade de contestar esse facto no recurso da decisão final. Cfr. Ac. de 28/07/2011, Samba Diouf, proc. n.º C-69/10.

87 Um país terceiro pode não ser considerado um país seguro se, por exemplo, não prever a possibilidade de proteção internacional, ou não for parte na Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados. Assim, o TEDH na dec. Hirsi Jama c. Itália, cit. Por seu turno, um país de origem pode não ser considerado um país seguro se no mesmo o requerente correr risco de perseguição ou de sujeição a tratamentos contrários ao art. 3.º da CEDH. Esse é o caso, depois, dos países de origem seguros (art. 37.º). Os Estados-Membros podem designar na sua lei países como tal, devendo os critérios para o efeito ilustrar a ausência de risco de perseguição ou de tratamentos contrários ao art. 3.º da CEDH.

88 Neste ponto importa sublinhar que o art. 36.º determina que apenas pode ser considerado país de origem seguro se o requerente tiver a nacionalidade desse país ou se for apátrida e tiver tido anteriormente a sua residência habitual nesse país.

89 V., a título de exemplo, o art. 18.º da Diretiva 2003/86/CE, de 22/09/2003, relativa ao direito ao

reagrupamento familiar. Esse regime estabelece que o procedimento e a competência segundo os quais é exercido

o direito ao recurso são estabelecidos pelos Estados-Membros em questão. 90 Considerando 25.

Para a efetivação do direito ao recurso, é necessário que o requerente tenha conhecimento desse mesmo direito, pelo que deve ser informado da possibilidade de interpor recurso das várias decisões pertinentes91. Por outro lado, os prazos previstos para a interposição do

recurso não podem ser tão curtos que tornem onerosa a efetivação do mesmo (art. 46.º, n.º4). A Diretiva Procedimentos exige, tal como a mais recente jurisprudência do TEDH, que o recurso produza efeitos suspensivos92. Nessa sequência, garante ao requerente o direito a permanecer

no território até ser proferida uma decisão final sobre o recurso (art. 46.º, n.º 5). No entanto, se se verificar uma das situações previstas no n.º 6 do art. 46.º, tal direito pode não ser reconhecido. Tais situações dizem respeito a alguns casos de pedidos tidos como manifestamente infundados, aos pedidos não admissíveis, às decisões que recusem a reabertura do procedimento ou quando se decida não apreciar o pedido por se verificar a exceção respeitante a países europeus seguros. Ainda assim, nos termos do n.º8, o recorrente pode pedir a atribuição de efeito suspensivo mesmo nesses casos, devendo os Estados autorizá-lo a permanecer no território enquanto se aguarda o resultado da decisão referente à própria concessão de efeito suspensivo. Da jurisprudência do TEDH decorre, no entanto, a necessidade de se atribuir efeito suspensivo à interposição de recurso93 sempre que exista um

risco real de sujeição a tratamentos violadores do art. 4.º da CDFUE94 ou a execução da

expulsão acarrete uma violação do art. 19.º, n.º295.

São ainda previstas várias garantias respeitantes à assistência do recorrente durante o processo judicial. Desde logo, devem ser garantidos os direitos previstos no art. 12.º para os procedimentos em 1ª instância, como o direito a tradutor/intérprete. Por outro lado, devem ser observadas as garantias especificamente previstas nos arts. 20.º e ss., entre as quais se conta o direito a assistência jurídica gratuita. A referida assistência deve ser prestada a pedido do interessado e deve incluir, pelo menos, a preparação dos documentos processuais exigidos e a participação na audiência perante um órgão jurisdicional de primeira instância em nome do requerente. Contudo, o direito a assistência gratuita pode ser limitada em diversas 91 Art. 11.º, n.º 1, f) da Diretiva Procedimentos. Note-se, porém, que essa norma determina não ser necessário informar o requerente da possibilidade de recurso no que toca a todas as decisões, se o mesmo já foi informado previamente.

92 Sobre as implicações da jurisprudência do TEDH em matéria de recurso efetivo no direito de asilo da UE, v. Elspeth Guild, “Jurisprudence of the European Court of Human Rights: Lessons for the EU Asylum Policy”, in AA.VV., Constança Urbano de Sousa e Philippe De Bruycker (coord), op. cit., p. 273 e ss.

93 Assim, o Ac. de 18/12/2014, Abdida, C-562/13.

94 Nos termos do art. 4.º da CDFUE, “ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes”.

95 Nos termos do n.º2 do art. 19.º da CDFUE, “ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes”.

circunstâncias. Nos termos do art. 20.º, n.º2, os Estados podem restringir esse direito apenas às pessoas que careçam de meios suficientes, àqueles que se encontrem no seu território ou apenas nos processos de recurso jurisdicional perante a primeira instância, mas já não para eventuais recursos ou revisões jurisdicionais posteriores. Nos termos do n.º 3 da mesma norma, os Estados-Membros podem prever que não se conceda assistência jurídica nem representação gratuita se o órgão jurisdicional ou outra autoridade considerar que o recurso não tem probabilidade de êxito. Não obstante, prevê-se que possa haver recurso dessa mesma decisão caso não tenha sido tomada pela autoridade jurisdicional. Nos termos do n.º4 e do n.º5, os Estado podem impor limites pecuniários ou temporais à prestação de informações jurídicas e processuais gratuitas, desde que tais limites não restrinjam arbitrariamente o acesso à prestação de informações e ao apoio jurídico. Podem ainda prever que o tratamento concedido não seja mais favorável que o dispensado aos seus nacionais. Por fim, podem determinar que a prestação dos serviços seja feita através de advogados ou outros consultores especificamente designados pela legislação nacional para assistir ou representar os requerentes.

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