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Direito internacional dos direitos humanos

A GARANTIA DE UM PROCEDIMENTO JUSTO NO DIREITO EUROPEU DE ASILO

4. O direito ao procedimento justo como garantia de efetivação do direito de asilo

5.1. Direito internacional dos direitos humanos

No que toca à garantia de recurso judicial efetivo no direito internacional dos direitos humanos, importa ter presente, uma vez mais, como ponto central, a jurisprudência do TEDH, agora sobre aplicação do art. 13.º da CEDH, que prevê o direito a um recurso efetivo em caso de violação de um dos direitos previstos na Convenção58. De facto, o TEDH já tem

58 Note-se que o art. 13.º da CEDH é uma disposição que não dispõe de carácter autónomo, no sentido de que depende da invocação da violação de um direito protegido pela CEDH, mas o TEDH pode considerar que o art. 13.º foi violado ainda que o direito substantivo da CEDH não tenha, em si, sido violado, sendo suficiente, nas palavras de parte da doutrina, que a violação de uma disposição da CEDH seja defensável em concreto. Assim, Jacques Velu & Rusen Ergec, La Convention Européenne des Droits de l’Homme, 2éme edition, Bruylant, 2014, p. 91.

desenvolvido essa jurisprudência no que toca, em específico, à garantia de non refoulement. O já mencionado caso Hirsi Jamaa e outros c. Itália, é, mais uma vez exemplar. Nele o TEDH não só decidiu da já referida violação da proibição de expulsões coletivas, como também considerou ter desrespeito do art. 13.º da CEDH, pelo facto de as autoridades italianas terem afastado imigrantes em situação ilegal sem lhes darem oportunidade de recurso dessa medida59.

Neste contexto, importa atentar em dois aspetos complementares no que toca ao âmbito de proteção do art. 13.º da CEDH: por um lado, o âmbito do recurso e, por outro, os efeitos do mesmo.

No que toca ao primeiro aspeto, o TEDH tem afirmado de forma reiterada que um recurso

efetivo implica a possibilidade de um contencioso de “plena jurisdição”60, em que a instância

de recurso pode proceder a uma nova reapreciação da prova61. No caso Jabari, o TEDH

considerou que o tribunal administrativo de Ancara não havia levado a cabo um recurso efetivo, já que se havia limitado a proceder a uma análise meramente formal do indeferimento do pedido de asilo. A ter analisado o recurso apenas com base na falta de dedução do pedido no prazo fixado para o efeito, o tribunal afastou uma reapreciação fáctica dos receios de perseguição invocados pelo recorrente em relação ao seu regresso ao Irão, pelo que o recurso não tinha respeitado as exigências decorrentes do art. 13.º da CEDH62. Por outro lado, o TEDH

sublinhou também já por diversas vezes que a reanálise do mérito na instância de recurso não se pode deixar de efetuar por estarem em causa medidas destinadas à salvaguarda de interesses públicos considerados prementes. No já mencionado caso Chahal, considerou que o facto de a expulsão se fundamentar na salvaguarda da segurança nacional não limitava, a se, o âmbito do controlo judicial, que sempre exigiria um exame de fundo da medida63. Por outro

lado, da jurisprudência do TEDH decorre ainda a ideia de que, nos casos em que está em causa a violação de um direito absoluto, como é o caso do art. 3.º da CEDH, os requisitos

59 Dec. de 23/02/2012, Hirsi Jamaa e outros c. Itália, queixa n.º 27765/09.

60 Sylvie Sarolèa, op. cit, p. 135, Fréderic Sudre, Droit International et Européen des Droits de l’Homme, PUF, 2011 p. 477.

61 Na dec. de 15/11/1996, Chahal c. Reino Unido, queixa n.º 22414/93, o TEDH considerou que um recurso em que a autoridade competente apenas podia rever a decisão de acordo com juízos de equidade não podia ser considerado um recurso efetivo.

62 Cf. dec. de 11/07/2000, Jabari c. Turquia, queixa n.º 40035/98. Sobre este ponto, v., com detalhe, Sílvia Morgades Gil, “La Protección de los Demandantes de Asilo por Razón de su Vulnerabilidad Especial en la Jurisprudencia del Tribunal Europeo de los Derechos Humanos”, Revista de Derecho Comunitario Europeo, vol. 37, ano 14, 2010, p. 834.

63 No mesmo sentido, a dec. de 20/06/2002, Al-Nashif c. Bulgária, queixa n.º 50963/99.

respeitantes à efetividade de recurso são mais exigentes64. Essa perspetiva decorre, desde

logo, da decisão no caso Klass e outros c. Alemanha65.

Na análise da efetividade do recurso, o TEDH socorre-se, muitas vezes, como auxiliar, de dados fornecidos por organismos como ONGs ou outros66. No referido caso Klass e outros, contou

com os dados fornecidos pela Amnistia Internacional, que interveio no processo na qualidade de Amicus Curiae. A referida ONG alegou que um procedimento em que o requerente de asilo tinha de estar presente sem advogado e não podia aceder ao processo por razões de segurança nacional não salvaguardava devidamente as exigências de recurso efetivo. Em sentido semelhante, na recente decisão no caso Eshonkulov, o TEDH analisou se, num caso de expulsão de um nacional do Uzbequistão, os tribunais haviam tido em consideração as vastas referências feitas pelo recorrente à jurisprudência do TEDH, bem como a relatórios das Nações Unidas e de ONGs sobre a situação no país de destino. Os juízes de Estrasburgo consideraram que os tribunais não tinham ponderado adequadamente a possibilidade de o recorrente sofrer o risco de sujeição a tratamentos contrários ao art. 3.º da CEDH, tendo apenas levado em conta o facto de o recorrente se encontrar em situação ilegal no país67.

O “contencioso de jurisdição pleno” assenta ainda na ideia de que a margem de apreciação dos Estados, que é reconhecida em vários domínios68 – e, em particular em matérias

referentes ao contencioso da imigração –, não deve funcionar quando se trate de apreciar da efetividade de um recurso nos casos em que existe receio de sujeição a tratamentos desumanos ou degradantes69.

Para além da necessidade de se garantir uma “plena jurisdição”, o art. 13.º da CEDH exige ainda que a instância de recurso proceda a uma reavaliação ex nunc. I.e., na reanálise de mérito, deve ter-se em conta os dados existentes à data em que a mesma tem lugar. Este 64 Sylvie Sarolèa, op. cit, p. 139.

65 Dec. 06/09/1978, Klass e outros c. Alemanha, queixa n.º 5029/71.

66 Sobre a importância dada a elementos provenientes de terceiras fontes, como relatórios de organizações internacionais e não governamentais, v. Katayon Sadeghi, “European Court of Human Rights: The Problematic Nature of the Court’s Reliance on Secondary Sources for Fact-Finding”, Connecticut Journal for International Law, n.º 25, 2009-2010, pp. 127-151.

67 Dec. de 15/01/2015, Eshonkulov c. Rússia, queixa n. 68900/13. Note-se, no entanto, que apenas considerou ter existido violação do art. 3.º, e não do art. 13.º da CEDH, tendo considerado não existir «necessidade de avaliar dessa violação». No mesmo sentido, a dec. de 26/02/2015, Khalikov c. Rússia, queixa n. 66373/13.

68 A doutrina da margem de apreciação foi primeiramente enunciada pelo TEDH na dec. de 07/12/1976, Handyside c. Reino Unido, queixa n. 5493/72. Sobre a doutrina da margem de apreciação, v. Rudolf Bernhardt, in AA.VV., Human Rights and Judicial Review – A Comparative Perspective, David M. Beatty (ed.), Martinus Nijhoff Publishers, 1994, p. 308 e ss., Paul Mahoney, “Judicial Activism and Judicial Self-Restraint in the European Court of Human Rights: Two Sides of the Same Coin”, Human Rights Law Journal, vol. 11 (1990), parts 1-2, pp. 60-88, 1989, p. 78 e ss., Olivier De Schutter & Françoise Tulkens, “Rights in Conflict : The European Court of Human Rights as a Pragmatic Institution” in AA.VV. Conflicts Between Fundamental Rights, Intersentia, Oxford, 2008, p. 200 e ss.

69 Assim resulta claramente da dec. no caso Salah Sheek. Cfr. dec. de 11/01/2007, Salah Sheekh c. Holanda, queixa n.º 1948/04. V. ainda a dec. de 10/07/14, Mugenzi c. França, queixa n.º 52701/09.

aspeto afigura-se particularmente importante nos casos em que já decorreu um certo lapso de tempo entre a adoção da medida contestada e a reapreciação judicial e em que, por isso, a situação no país de origem se tenha alterado70. Um contencioso de plena jurisdição exige,

assim, uma competência ampla por parte do juiz nacional, que se vê não só envolvido na tarefa de analisar a legalidade das medidas administrativas tomadas em matéria de asilo, como ainda na apreciação direta da possibilidade de se reconhecer um direito de asilo ou de se proibir o non refoulement71.

Para além da configuração dos seus poderes de análise, ressalta ainda da jurisprudência do TEDH que o órgão responsável pela apreciação do recurso deve oferecer garantias suficientes de independência e imparcialidade72, embora não tenha necessariamente de consistir numa

instância judicial73. No mais, respeitadas as exigências mencionadas, o TEDH tem afirmado que

os Estados dispõem de margem de apreciação no que toca à configuração concreta do recurso74. Assim, a exigência de regras e pressupostos processuais não põe em causa, em

princípio, o respeito pelo direito de acesso a recurso efetivo, desde que as mesmas regras e exigências não sejam aplicadas com tal inflexibilidade que neguem uma oportunidade realista de provar a bondade de um pedido de asilo.

No que toca aos efeitos do recurso, a jurisprudência do TEDH sofreu uma evolução digna de nota. Inicialmente, o TEDH afirmava que a efetividade do recurso exigia que os particulares pudessem impedir efeitos que fossem potencialmente irreversíveis e se traduzissem na violação de um direito protegido pela CEDH. Foi no caso Conka, relativo à aplicação de uma medida de expulsão coletiva que o TEDH afirmou, pela primeira vez, que o art. 13.º se opunha a que medidas contrárias à CEDH cujas consequências fossem potencialmente irreversíveis se executassem antes da decisão final por parte das instâncias de recurso75. No entanto, era seu

entendimento que os Estados possuíam margem de apreciação no que toca a determinar a melhor forma de efetivar essa garantia. Assim, a CEDH não exigiria necessariamente a 70 Trata-se, enfim, do chamado “full e ex nunc assessement”. V. dec. de 01/06/2011, Mawaka c. Holanda, queixa n.º 29031/04 e dec. de 09/03/2010, R.C. c. Suécia, queixa n.º 41827/07.

71 Sobre este ponto, referindo a necessidade específica de um diálogo judicial nesta área, v. Hélène Lambert, “Transnational Judicial Dialogue, Harmonization and the Common European Asylum System”, International & Comparative Law Quarterly, vol. 58, part. 3, July 2009, p. 519 e ss. Note-se, neste contexto, que o TEDH procede, também ele, e em sede de recursos, ao controlo de mérito da medida estadual, incluindo a avaliação dos factos, das provas e da possibilidade de ser poder invocar um receio fundado de sujeição a tratamentos contrários ao art. 3.º da CEDH. Sobre este ponto, v. Marc Bossuyt, “The Court of Strasbourg Acting as an Asylum Court”, European Constitutional Law Review, 2012, vol. 8, issue 2, p. 222.

72 Dec. de 11/07/2000, Jabari c. Turquia, queixa n.º40035/98 e Dec. de 01/03/2010, Abdolkani e Karimnia c. Turquia, queixa n.º 30471/08.

73 Dec. de 25/03/1983, Silver & Outros c. Reino Unido, queixas n.º 5947/72, 6205/73, 7052/75, 7061/75, 7107/75, 7113/75 e 7136/75.

74 Dec. de 30/10/1991, Vilvarajah e outros c. Reino Unido, queixas n.º 13163/87, 13164/87 e 13165/87. 75 Dec. de 05/02/2002, Conka c. Bélgica, queixa n.º 51564/99.

suspensão automática dos efeitos da decisão. A prevenção de “efeitos irreversíveis” podia ser levada a cabo através de outros mecanismos, tendo os Estados margem de apreciação para determinar quais.

Ultimamente, porém, o TEDH tem dado mais relevância à necessidade de atribuição de efeitos suspensivos aos recursos neste contexto, em particular quando se invoca violação do art. 2.º ou 3.º da CEDH. Foi no caso Gebremedhin, de 2007, que o TEDH deu um passo decisivo nesta matéria. Em causa estavam normas francesas que exigiam que os pedidos de asilo apenas se poderiam fazer dentro do território francês, perante a autoridade competente. Na fronteira, os pedidos de asilo poderiam ser logo considerados manifestamente infundados, e, embora pudesse ser interposto recurso da decisão, a mesma não possuía efeito suspensivo, pelo que o requerente passaria imediatamente a poder ser reenviado ao país de origem. O TEDH considerou que, para um recurso ser efetivo num caso de non refoulement, o mesmo teria de produzir efeitos suspensivos76. Essa exigência derivaria, no entender do TEDH, da efetividade

da própria garantia ínsita no art. 3.º da CEDH77.

Num caso recente, apesar de o TEDH considerar não ter existido, in casu, violação do art. 3.º, ainda assim condenou o Estado expulsante por violação do art. 13.º da CEDH, por falta de efeito suspensivo do recurso78. Por seu turno, no caso M.A. c. Chipre, o TEDH considerou que

as medidas cautelares previstas na legislação nacional não salvaguardavam adequadamente as exigências derivadas do art. 3.º da CEDH, uma vez que o próprio pedido de interposição medidas não produzia efeitos suspensivos79.

No decurso do próprio processo perante o TEDH, são inúmeras as situações em que este organismo recorre à adoção de medidas provisórias, nos termos do art. 39.º do regulamento interno do Tribunal, que lhe permite adotar tais medidas em caso de perigo para a vida ou de tortura ou tratamentos desumanos e degradantes80. No presente contexto, tais medidas

traduzem-se, as mais das vezes, na proibição de os Estados executarem as medidas de 76 Dec. de 26/04/2007, Gebremedhin c. França, queixa n.º 25389/05. Esta decisão levou à necessidade de alteração da lei francesa em matéria de asilo. Sobre este ponto, v. Henri Labayle, op. cit., p. 286.

77 Esta decisão levou a uma alteração da lei francesa, que passou a prever que as medidas de recusa não podem ser executadas durante o prazo de 48 h, durante o qual o requerente tem direito a apresentar recurso contra as mesmas, o qual tem efeito suspensivo.

78 Dec. de 29/01/2013, De Souza Ribeiro c. França, queixa n.º 22689/07. V. ainda a dec. de 06/06/2013, Mohammed c. Áustria, queixa n.º 2283/12.

79 Dec. de 23/07/2013, M.A. c. Chipre, queixa n.º 41872/10.

80 Anne Lise Ducroquetz refere que é precisamente no contexto das medidas de expulsão e de extradição que o TEDH toma a maior parte dessas medidas. Cf. L’Expulsion des Étrangers en Droit International et Européen, Université Lille 2, 2007, p. 218. Para uma crítica ao uso destas medidas, v. Marc Bossuyt, op. cit., p. 240. O autor questiona-se da possibilidade conferida a medidas meramente internas do Estado poderem acarretar que um Estado viole obrigações derivadas da sua lei interna e internacional.

expulsão até à decisão final81. O TEDH tem condenado os Estados que não se conformam com

as mesmas, considerando que incorrem em violação do art. 34.º da CEDH, que dispõe que os Estados se comprometem a não criar qualquer entrave ao exercício efetivo do direito de petição individual82. No caso Zokhidov83, o TEDH adotou uma dessas medidas em relação à

extradição feita pela Rússia de um nacional do Uzbequistão, país onde o mesmo era procurado por alegada pertença à organização religiosa Hizb ut-Tahrir. Considerando existir risco sério de tratamentos contrários ao art. 3.º, o TEDH proibiu qualquer medida de afastamento até decisão final do TEDH. A Rússia desrespeitou essa medida cautelar, pelo que foi condenada não só por violação do art. 3.º, como ainda por violação do art. 34.º da CEDH.

Em suma, pode referir-se, de forma generalizada, que resulta da atual jurisprudência do TEDH que o recurso deve produzir efeitos suspensivos quando a medida de expulsão puder provocar efeitos irreversíveis, nomeadamente quando estiver em causa o risco de lesão do bem vida ou de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes.

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