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Conclusão: síntese das políticas de admissão de refugiados em Portugal

A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE ASILO E REGIMES DE PROTEÇÃO A REFUGIADOS EM PORTUGAL

7. Conclusão: síntese das políticas de admissão de refugiados em Portugal

Portugal não possui uma grande tradição de receção de requerentes de asilo. Os fluxos de refugiados mais significativos anteriores a 1974, reportam-se ao período da Segunda Grande Guerra Mundial e, nessa altura, os fluxos que ocorreram ao nosso país tiveram um carácter transitório.

No período em análise, 41 anos entre 1974 e 2015, podemos observar que Portugal recebeu cerca de 19000 pedidos de asilo, um facto que o torna um dos países europeus com menos pedidos de asilo (UNHCR, 2015). Todavia, a evolução que constatamos nas políticas de admissão e receção é similar àquela que Muus (1997) identifica para o contexto holandês. Ainda que as reais condições difiram de país para país, não deixa de ser relevante constatar que de um modelo inicial de inclusão, com um regime de asilo relativamente aberto, se observa um processo de transição conducente a uma situação de exclusão e de um regime de asilo fechado.

A evolução dos regimes de asilo não se associa exclusivamente à evolução dos pedidos e solicitações, mas também às circunstâncias políticas, como refere Milner (2009). No caso de Portugal, esta evolução está estreitamente ligada ao processo de harmonização das políticas nacionais de asilo promovidas pela União Europeia, o qual, em certa medida, procurou criar um regime europeu de admissão de refugiados e estabeleceu importantes limitações, nomeadamente, quanto à possibilidade de apresentar pedidos de asilo. A utilização do conceito de proteção internacional, embora tenha o aspeto positivo de revelar um conceito de refugiado mais amplo no espaço europeu, não pode ser utilizado como uma via para reduzir a proteção conferida às pessoas que devem beneficiar do direito de asilo, nem pode ignorar a sua condição pessoal e a impossibilidade de regressar ao país de origem ou de residência. A evolução das políticas de admissão de refugiados em Portugal pode ser dividida em cinco fases.

Num primeiro momento, após 1974, com a exceção dos refugiados brasileiros e chilenos, é notória a relação entre o processo de descolonização e o fluxo de refugiados das ex-colónias. Assim, podemos dizer que o período entre 1974 e 1983 é tipicamente “doméstico”. Na realidade, a esmagadora maioria dos requerentes de asilo e de refugiados reconhecidos são provenientes dos PALOP, com destaque para Angola e Moçambique.

Quadro 1 - Evolução das políticas de admissão e receção de requerentes de asilo e refugiados em Portugal

Fase Estatutos Políticas de Admissão

1974 - 1983

Requerentes de asilo e desalojados dos PALOP

Postura recetiva

1983 - 1993

Requerentes de asilo e reinstalações

Introdução de medidas restritivas

1993 - 1998

Requerentes de asilo, reinstalações

Postura exclusiva com o objetivo de diminuir os pedidos; diversificação de estatutos

legais

1998-2008 Requerentes de asilo,

reinstalações e “refugiados temporários”

Postura exclusiva; diversificação dos estatutos legais com maior poder discricionário na

concessão

2008-2015 Proteção internacional Crescente harmonização das políticas

nacionais dos Estados da UE; tentativa de criação de um regime europeu de admissão

De 1980 a 1990, assistiu-se ao início da implementação, no terreno, de uma estrutura legal e assistencial dedicada aos refugiados. Uma lei genericamente liberal e uma postura inclusiva caracterizam este período, pelo menos até 1991, ano em que cessam os apoios do ACNUR para os projetos de integração.

A partir de 1990, e sobretudo depois de 1993, a política de requerentes de asilo e de refugiados é claramente a de exclusão. Nesta altura ocorreu uma reação “defensiva” do Estado português perante o aumento de número de pedidos de asilo, com as medidas tomadas a pretenderem desencorajar a vinda e a permanência de requerentes de asilo. Para isso, foram sendo aprovadas sucessivas alterações no regime de asilo, as quais incidiram fundamentalmente sobre questões procedimentais, tendo-se traduzido, no essencial, na adoção de procedimentos mais expeditos na apreciação dos pedidos. O novo regime legal consagra a desconfiança em relação aos refugiados, ao permitir o encaminhamento da grande maioria dos pedidos para o grupo dos “processos acelerados”, com o qual se pretende evitar a pressão dos fluxos e a necessidade de prestar apoios sociais; como os tempos de apreciação são cada vez mais reduzidos, isso reflete-se na qualidade da análise dos pedidos e, nomeadamente, da prova, a qual é cada vez mais dependente de pressupostos gerais

aplicados a todos os refugiados e não da condição individual de cada pessoa e da sua história de vida. Até 1993 ainda permanecem ajudas para todos os requerentes de asilo, mas, a partir desse ano, o Estado investe nos procedimentos de receção e triagem, e deixa as condições de acolhimento para as ONG's, com apoios pontuais que as colocam dependentes do Estado, criando uma pressão estrutural sobre as ONG's.

Nos finais dos anos noventa, Portugal teve dois casos de proteção temporária com refugiados provenientes da Guiné Bissau e da ex-Jugoslávia. Foram dois momentos que, simbolicamente, também marcam a posição e contexto de Portugal perante os refugiados: a herança colonial e a projeção europeia.

Desde o início do século XXI que a aproximação e inserção no contexto europeu são essenciais. Portugal faz parte do processo de instituição de um regime comum de asilo, que procura evitar a apresentação de vários pedidos pelas mesmas pessoas. Isso foi acompanhado pela adoção de sucessivas medidas que visam limitar o acesso ao território europeu, nomeadamente recorrendo-se às cláusulas de países de origem e países terceiros seguros e a acordos de readmissão. Ao mesmo tempo, transferiu-se para os privados, como as companhias áreas, a responsabilidade de controlar a legalidade das condições de entrada das pessoas, sob pena de pesadas multas, e procurou-se fixar os refugiados em territórios tampões, como se viu recentemente com o acordo político-financeiro a que se chegou com a Turquia. Apesar de se procurar instituir um regime comum europeu, a atual crise humanitária mostrou que a pressão gerada nas fronteiras externas de determinados Estados (como a Grécia ou a Itália) não é compensada com mecanismos expeditos de redistribuição dos refugiados e de solidariedade entre Estados.

Face à crise atual, os Estados da Europa Central parecem retrair-se destes mecanismos de asilo comum e (re)instauram medidas nacionais, cessando de facto os princípios de Schengen e (re)desenhando, de novo, as fronteiras, como que a instituir novos limites de inclusão e de exclusão. A solidariedade e a partilha de responsabilidades, princípio invocado à escala global, parece estar em erosão na Europa.

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