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Sumário: 4.1 O ordenamento jurídico anterior a Constituição

4.3. A inadmissibilidade das provas ilícitas.

4.3.2. A inadmissibilidade relativa

A inadmissibilidade das provas ilícitas seria absoluta nos termos do art. 5°, inciso LVI da Constituição Federal de 1988. Assim, toda e qualquer prova que infringisse direitos individuais seria inconstitucional, violadora das garantias básicas.

Contudo, como vimos, hodiernamente, o Poder Judiciário não está vinculado a um sistema preestabelecido de valoração das provas. É livre, mas tem o dever de fundamentar as razões do seu convencimento. A liberdade na valoração da prova de forma alguma pode se confundir com a liberdade de produção da prova, estando limitada a critérios legais e morais da sociedade brasileira.

Isto porque outrora, o bem jurídico relevante era o direito à prova e a defesa social; hoje, os bens jurídicos especialmente protegidos são o direito à intimidade e à preservação das liberdades individuais. Estes são tidos por quase absolutos, levando-se em consideração que a própria Constituição excepcionou no art. 5°, inciso XII, a regra contida no art. 5°, inciso LVI. Somente nestes casos, haverá a possibilidade de admissão destas provas como aptas para influir no convencimento judicial, produzindo os seus efeitos respectivos, desde que observadas as normas constitucionais, bem como as infraconstitucionais contidas na regulamentação dada pela Lei n° 9.296, de 24 de julho de 1996.

Dessa forma, no que tange à inviolabilidade do direito à intimidade, a Carta Magna previu uma exceção na parte final do art. 5°, inciso XII, permitindo que tais provas, consideradas lícitas, possam influir no convencimento judicial, não obstante violem frontalmente o direito à intimidade. A exceção refere-se ao meio pelo qual se

obtém a prova ilícita - violação das comunicações telefônicas, desde que observada a regulamentação legal dada pela Lei n° 9.296, de 1996, qual seja autorização judicial, bem como a finalidade de investigação criminal ou instrução processual penal, não obstante não se intencione proteger o conteúdo da mensagem, neste caso, mas apenas o modo pelo qual esta foi obtida.

Outra exceção se vislumbra na aplicação da prova ilicitamente obtida pro

reo.

Fora desses casos, a Carta Magna é expressa em não admitir tais provas. Tourinho Filho completa que:

A prova oriunda de interceptações telefônicas, ou de gravações clandestinas, é materialmente ilícita. Não pode fundamentar juízos acusatórios ou condenatórios. Os atos de gravar clandestinamente ou de interceptar comunicações telefônicas, além de criminosos, ofendem diretamente a cláusula do devido processo legal. Ninguém pode ser julgado com base em provas ilícitas.218

Em que pese o posicionamento inflexível adotado pelo legislador constituinte, surge nova corrente que admite tais provas fundadas na teoria da proporcionalidade: como a Constituição Federal de 1988 consagra diversos valores individuais, em havendo confronto, cabe ao Poder Judiciário verificar qual desses deverá prevalecer, diante da relevância do valor consagrado.

Diante do conflito de bens jurídicos valorados, a doutrina inclina-se pela adoção da teoria da proporcionalidade, concluindo pela relatividade da vedação das provas ilícitas. Portanto, os direitos da personalidade que incluem o direito à intimidade, à vida privada, à honra, não possuiriam caráter absoluto, devendo ser analisados dentro do contexto geral das liberdades públicas.

Fundamento básico para a adoção desse princípio é o livre convencimento motivado que, primeiro privilegia o Estado Democrático de Direito e, segundo, há necessidade de expressa motivação de todas as decisões judiciais.

Criticando a inadmissibilidade absoluta, Maria Cecília Pontes Carnaúba219 desenvolve o seguinte raciocínio: as provas criminais somente não devem ser aceitas no processo quando se constituem em instrumentos geradores de injustiça, e nunca quando o seu uso for indispensável para o fazimento de justiça, que, sendo

218 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, v. 3, p. 213. 219 CARNAÚBA, Maria Cecília Pontes. Prova ilícita, p. 25.

elemento do Estado de Direito, é um de seus objetivos estruturantes. Caso o uso da prova criminal seja imprescindível para a materialização da justiça, a prova é inafastavelmente lícita.

Tal pensamento lógico deve ser considerado pois no processo penal, como já visto, vigora o princípio da verdade real; assim, o julgador tem liberdade para promover, tanto quanto as partes, meios para esclarecer os fatos. É um empenho legal no sentido de alcançar uma decisão final harmonizada ao ideal de justiça, pois se for atribuído um valor absoluto à inadmissibilidade da prova ilícita no processo, pode-se levar o juiz a decidir de forma totalmente contrária ao seu convencimento, a proferir sentença injusta.

Para a autora220, a inadmissibilidade intransigente também engendra violência, na medida em que legaliza arbitrariedades do individualismo sobre o bem comum. E cita como exemplo, casos como o tráfico internacional de entorpecentes, em que não admitir no processo provas obtidas ilicitamente significa proteger o abuso do direito à privacidade de alguns criminosos, em detrimento do direito dos outros cidadãos a uma existência compatível com a dignidade humana. Tal injustiça é ainda mais gritante quando se sabe que, na maioria desses casos, somente através de meios ilícitos é possível obter provas de tais crimes.

Note-se que a admissibilidade da prova viciada violadora de um direito fundamental, em prol do fim público da justiça e da defesa social, sempre foi um tema divisor de opiniões. De um lado observa-se a predominância do direito coletivo em detrimento do particular e, normalmente, é esta a regra. Entende-se que o direito de todos deve prevalecer sobre o direito individual fundado em razões lógicas de paz social e do bem comum.

Por outro lado, verifica-se, neste particular, o confronto entre o direito à prova e o direito à intimidade, prevalecendo este sobre aquele, de acordo com a opção do legislador constituinte.