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Os frutos da árvore venenosa e o Supremo Tribunal Federal

Sumário: 4.1 O ordenamento jurídico anterior a Constituição

4.4. As teorias sobre a admissibilidade

4.4.1. A teoria dos frutos da árvore venenosa

4.4.1.2. Os frutos da árvore venenosa e o Supremo Tribunal Federal

A teoria dos frutos da árvore venenosa também já suscitou divergência no Supremo Tribunal Federal.

No julgamento do Habeas Corpus n° 69.912-RS238, em que os réus foram

condenados com base em interceptação telefônica, cuja autorização judicial deu-se antes da regulamentação do art. 5°, inciso XII, da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal, na sessão de 30 de junho de 1993, por 6 votos contra 5, primeiramente repeliu a teoria fruits of the poisonous tree, admitindo serem válidas as provas ilícitas por derivação, prevalecendo o voto do Ministro Carlos Velloso, que divergindo do relator Ministro Pertence, denegou a ordem, entendendo que, na hipótese, a prova constituída mediante quebra do sigilo das comunicações não era a única e outros dados probatórios lastreavam o processo penal. Acompanharam o voto divergente, os Ministros Paulo Brossard, Sydney Sanches, Néri da Silveira, Moreira Alves e Luiz Gallotti, compondo a maioria vitoriosa, por mínima diferença de votos.

No entanto, posteriormente, descobriu-se que o filho do Ministro Néri da Silveira, que votou favoravelmente a admissibilidade das provas, atuou no processo como membro do Ministério Público. Atendendo impugnação da defesa em mandado de segurança239, foi realizada nova sessão em 16 de dezembro de 1993, sem a presença do Ministro impedido, modificando-se a votação para 5 votos contra 5, com a conseqüente concessão do habeas corpus, nos termos do art. 146, parágrafo único, do Regimento do STF. Assim, nessa segunda votação, acolhendo a teoria

238 Pleno. Julgado em 30.6.93. Relator para acórdão Carlos Velloso. DJU 26.11.1993. Ementa: Constitucional.

Penal. Prova ilícita: "degravação" de escutas telefônicas. C.F., art. 5., XII. Lei n. 4.117, de 1962, art. 57, II, "e", "habeas corpus": exame da prova. I. - o sigilo das comunicações telefônicas poderá ser quebrado, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (C.F., art. 5., XII). Inexistência da lei que tornara viável a quebra do sigilo, dado que o inciso XII do art. 5. Não recepcionou o art. 57, II, "e", da lei 4.117, de 1962, a dizer que não constitui violação de telecomunicação o conhecimento dado ao juiz competente, mediante requisição ou intimação deste. É que a constituição, no inciso XII do art. 5., subordina a ressalva a uma ordem judicial, nas hipóteses e na forma estabelecida em lei. II. - no caso, a sentença ou o acórdão impugnado não se baseia apenas na "degravação" das escutas telefônicas, não sendo possível, em sede de "habeas corpus", descer ao exame da prova. III. - H.C. indeferido.

norte-americana, o Supremo Tribunal anulou o processo a partir da prisão em flagrante:

Prova ilícita: escuta telefônica mediante autorização judicial: afirmação pela maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que, ‘nas hipóteses e na forma’ por ela estabelecidas, possa o juiz, nos termos do art. 5°, XII, da Constituição, autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal; não obstante, indeferimento inicial do habeas corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do habeas corpus, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento, de Ministro impedido (MS n° 21.750, 24/11/93, Velloso); conseqüente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente.240

O Ministro Sepúlveda Pertence afirmou em seu voto que essa doutrina é a

única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita. Pois vedar que se possa trazer ao processo a própria 'degravação' das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que sem tais afirmações, não colheria, evidentemente, é estimular e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas privadas.

Desse modo, o Ministro não vislumbrou como fugir da nulidade do processo, incluindo o inquérito policial e a prisão em flagrante, tendo deferido a ordem. A esse entendimento aderiram os Ministros Francisco Rezek, Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Celso de Mello.

O Ministro Carlos Velloso concordou com o voto do Ministro Pertence no que diz respeito à escuta telefônica como prova ilícita, mas divergiu do voto por entender que nos autos estão elementos que autorizam a afirmativa no sentido de que a condenação não se baseia exclusivamente na prova ilícita, e porque não seria possível, nos estreitos limites do habeas corpus, analisar a prova para desconsiderar as afirmativas postas nos votos que servem de base para o acórdão impugnado. Assim, indeferiu a ordem.

Em sentido contrário ao Ministro Sepúlveda Pertence, argumentou o Ministro Sydney Sanches com o seguinte exemplo: a polícia, através de uma interceptação ilícita, toma conhecimento de um homicídio e passa a investigá-lo, logrando encontrar o corpo de delito e obter o depoimento de testemunhas presenciais, além da confissão do próprio autor do crime. Considerando que as provas se repetiram em juízo, o Ministro não vê como não se poderia apoiar a condenação nesse conjunto probatório, só porque o fio da meada foi uma prova

ilícita.

O Ministro Moreira Alves utiliza exemplo semelhante para sustentar que o

absurdo da conclusão - que seria a impunidade de poderosa rede de traficantes - demonstra a erronia da premissa - a teoria das provas ilícitas por derivação. Por não

entenderem os demais ministros que a ilicitude da quebra de sigilo possa ter a

conseqüência de nulificar tudo aquilo mais que se venha a obter prova e possa servir à instrução do processo e ao convencimento juiz, como aduziu o Ministro

Octávio Gallotti. O Tribunal, por escassa maioria, rejeitou a aplicação da doutrina nesse caso concreto.

A decisão do Habeas Corpus n° 69.912-RS, firmando o entendimento de que são inadmissíveis as provas ilícitas por contaminação, foi repetida em vários julgados241.

Entretanto, a polêmica não terminou, persistindo no próprio Supremo, que ficou dividido nessa decisão por 5 votos contra 5, ficando implícita, na primeira votação, que a posição do Tribunal era no sentido de repelir a teoria. No entanto, com a aposentadoria do Ministro Paulo Brossard, que era favorável à tese majoritária, assumiu o Ministro Maurício Corrêa, que no julgamento do Habeas

Corpus n° 72.588-PB, votou a favor da aplicação da teoria fruits of the poisonous tree. Desse modo, a partir daí, o STF tem nova posição majoritária, admitindo, por

apertada margem (6 votos contra 5), a inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação.

241 HC n° 73.351, Rel. Min. Ilmar Galvão, RTJ 168/543 - HC n° 72.588-PB, rel Min. Maurício Corrêa,

Informativo do STF n° 35 - HC 74.299, Rel. Min. Marco Aurélio, RTJ 163/683 - HC 73.510, Rel. Min. Marco Aurélio, Informativo do STF n° 96.

Mais recentemente, em um caso envolvendo a apreensão de uma grande quantidade de droga, o Ministro Ilmar Galvão voltou a reafirmar sua sedimentada doutrina:

Habeas corpus. Acusação vazada em flagrante de delito viabilizado exclusivamente por meio de operação de escuta telefônica, mediante autorização judicial. Prova ilícita. Ausência de legislação regulamentadora. Art. 5º, XII, da Constituição Federal. Fruits of the poisonous tree. O Supremo, por maioria de votos, assentou entendimento no sentido de que sem a edição de lei definidora das hipóteses e da forma indicada no art. 5º, inciso XII, da Constituição, não pode o juiz autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal. Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta da lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a disciplina-la e viabilizá-la – contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta. Habeas corpus concedido.242

A jurisprudência tem entendido que a teoria dos frutos da árvore venenosa só se aplica às provas decorrentes, direta ou indiretamente, da prova vedada, não se aplicando às provas sem relação com a contaminação. Desse modo, a presença de prova ilícita não impede o recebimento da denúncia, não havendo que se falar de sua inépcia ou nulidade do seu recebimento ou do processo, se houver outras provas independentes da contaminada243. Também não implica nulidade da condenação se esta tiver se dado com base em provas independentes da ilícita244.

Por fim, não podemos deixar de registrar e concordar com a lição de José Carlos Barbosa Moreira245 no sentido de que existe uma precipitação em importar a

teoria fruits of the poisonous tree, ainda mais em formulação indiscriminada, nua dos matizes que a recobrem no próprio país de origem. A jurisprudência norte- americana, com efeito, não a consagra sem as ponderáveis restrições já mencionadas.

242 HC n° 73.351-4-SP. Julgado em 9.5.96.

243 Nesse sentido: HC n° 74.807-MT, Rel. Min. Maurício Corrêa, RTJ 164/1010; HC n° 74.081-SP, Rel. Min.

Maurício Corrêa, RTJ 164/974 e HC n° 74.114-RJ, Rel. Min. Octavio Gallotti, RTJ 162/366. No Superior Tribunal Justiça também adota a mesma posição: HC n° 5.292-RJ, Rel. Min. Anselmo Santiago, RSTJ 97/389.

244 HC n° 69.209-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, RTJ 141/924; RO em HC n° 72.463, Rel. Min. Carlos velloso,

RT 724/570; HC n° 73.461-SP, Rel. Min. Octavio Gallotti, RTJ 164/950; HC n° 74.559-SP, Rel. Min. Octavio Gallotti, RTJ 163/309 e HC n° 76.641-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, RT 763/496.