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nulidade processual 5.3 O conflito entre o interesse individual e o

Capítulo 5.1. As implicações processuais das provas ilícitas por derivação

5.1.3. A prova ilícita pro reo

A prova ilícita, quando pro reo, vem sendo admitida com tranqüilidade, em homenagem ao direito de defesa e ao princípio do favor rei. Tal posição mitiga o rigor da inadmissão absoluta das provas ilícitas.

Neste caso, quando o acusado obtém a prova de modo ilícito, entende-se que há o confronto do princípio da proibição da prova ilícita com o princípio da ampla defesa do réu, devendo prevalecer este. Além disso, há autores que entendem haver uma excludente de ilicitude, de modo que a prova obtida pelo acusado é lícita283.

Ada Pellegrini Grinover esclarece que:

Aliás, não deixa de ser, em última análise, manifestação do princípio da proporcionalidade, a posição praticamente unânime que reconhece a possibilidade de utilização, no processo penal, da prova favorável ao acusado, ainda que colhida com infringência de seus direitos fundamentais. Trata-se da aplicação do princípio da proporcionalidade na ótica do direito de defesa, também constitucionalmente assegurado, e de forma prioritária no processo penal, informado pelo princípio do favor rei. Mas a justificativa para a aceitação da prova ilícita pro reo também reside em ponderações de caráter político, porquanto sua rejeição poderia estimular investigador desleal, que teria interesse em obtê-la intencionalmente contra as prescrições legais, estabelecendo assim as premissas para a sua exclusão, e quiçá, para a sua condenação.284

A aplicação da teoria da proporcionalidade, também garantido constitucionalmente, e de forma prioritária no processo penal, onde impera o princípio do favor rei, é de aceitação praticamente unânime pela doutrina e pela jurisprudência.285

282 HC n° 3.982, Relator Min. Adhemar Maciel, julgado em 05.12.1995.

283 NERY JUNIOR, Nelson. “Proibição de prova ilícita - novas tendências do direito”, p. 18. 284 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual, p. 62.

Quanto ao assunto, as Mesas de Processo Penal do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, tomaram o seguinte posicionamento:

Súmula 50 - Podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhidas, que beneficiem a defesa.

Até mesmo quando se trata de prova ilícita colhida pelo próprio acusado, tem-se entendido que a ilicitude é eliminada por causas de justificação legais da antijuridicidade, como a legítima defesa.

Apesar do dispositivo constitucional, inadmitindo a prova ilícita no processo, não se aplica ele aos casos em que a obtenção de prova ilícita se constitui numa forma de legítima defesa, que é uma excludente de ilicitude, que admite até o sacrifício do direito à vida.

Concorrendo as circunstâncias caracterizadoras da legítima defesa, qualquer direito pode ser violado sem que haja crime, inclusive o direito à privacidade. É assim porque, mesmo constituindo-se a violação em fato típico, não será fato antijurídico.

Assim, concordamos com Maria Cecília Pontes Carnaúba286, quando afirma que havendo legítima defesa, a prova colhida ilicitamente é admissível no processo, pois a ausência de antijuridicidade, que beneficia a legítima defesa, exclui a ilicitude da coleta da prova. Ademais, seria absurdo entender que, numa situação de defesa legítima, a vítima encontrasse respaldo legal para violar o direito à vida de seu agressor, mas não o direito de privacidade.

Para Alexandre de Moraes287, é possível vislumbrar a possibilidade de utilização de uma gravação realizada pela vítima, sem o conhecimento de um dos interlocutores, que comprovasse a prática de um crime de extorsão, pois o próprio agente do ato criminoso, primeiramente, invadiu a esfera de liberdades públicas da vítima, ao ameaçá-la e coagi-la. Essa, por sua vez, em legítima defesa de suas liberdades públicas, obteve uma prova necessária para responsabilizar o agente.

286 CARNAÚBA, Maria Cecília Pontes. Prova ilícita, p. 79.

Em tais casos, Sergio Demoro Hamilton288 entende que o sujeito estaria em situação de verdadeiro estado de necessidade, outra causa excludente da antijuridicidade, vendo-se obrigado ao uso de prova ilícita em defesa da sua liberdade.

Como exemplo, o autor cita o parágrafo único do art. 233 do Código de Processo Penal, que já previa a possibilidade da exibição em juízo, pelo respectivo destinatário, de carta particular, para a defesa de seu direito, ainda que sem consentimento do signatário. Em tal circunstância, a pessoa estaria ao abrigo de uma causa excludente de ilicitude, pois em verdadeira situação de estado de necessidade.

Assim, para evitar uma condenação, o réu vê-se forçado a exibir correspondência, que a Constituição Federal de 1988 (art. 5°, inciso XII) protege como um valor absoluto, violando o seu sigilo. Entre a inviolabilidade da correspondência e o direito à liberdade prevalece este último. Isto nada mais é do que a aplicação da teoria da proporcionalidade.

Assim, condena-se um inocente ou cumpre-se a determinação constitucional? Deve o juiz condenar um inocente, absolvendo conseqüentemente o verdadeiro culpado por ser a prova, base do seu convencimento, tida por ilícita? Ou deve o juiz não condenar o autor do fato ainda que tenha certeza da autoria e da materialidade do crime?289

Estando a liberdade e a justiça em contraposição com o direito à intimidade, aqueles prevalecem por proteger um bem jurídico mais relevante, pois a defesa social e os direitos individuais devem estar sempre em equilíbrio.

O Estado protege o indivíduo vedando que as penas passem da pessoa do condenado (art. 5°, inciso XLV, CF), garante aos litigantes em processo judicial ou administrativo o contraditório e a ampla defesa (art. 5°, inciso LV, CF), e ordena que ninguém possa ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5°, inciso LVII, CF). Claramente se extrai destes dispositivos o

288 HAMILTON, Sergio Demoro. “As provas ilícitas, a teoria da proporcionalidade e a autofagia do direito”, pp.

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objetivo fundamental da República fundado na justiça e na liberdade, não podendo o Estado se insurgir contra esses valores supremos e condenar alguém que seja reputado inocente, apenas porque o meio de admissão das provas foi considerado ilícito.

Isto porque determinados valores, ínsitos ao Estado Democrático de Direito, especialmente no que tange aos objetivos fundamentais da República, sobrepõem- se em detrimento de outros, ainda que tidos como absolutos, diante da expressa previsão constitucional.

Mesmo que a Constituição tenha afirmado a inadmissibilidade das provas ilícitas como forma de convencimento judicial, diante do valor da justiça e da liberdade consubstanciados neste Estado Democrático, a doutrina é unânime em admitir tais provas. Caso contrário, tal atitude não estaria de acordo com o Estado Democrático de Direito que visa não só resguardar os direitos individuais, mas sobretudo, proteger os objetivos fundamentais da República.290

No que se refere às declarações colhidas mediante violência física, estas não se enquadram na questão da prova ilícita porque não podem ser consideradas prova. Em caso de informações colhidas por esses métodos, o sujeito depoente encontra-se em alterado estado emocional em razão da forma arbitrária e agressiva como se toma o depoimento, de modo que o conteúdo deste resulta inteiramente comprometido e não merece a mínima credibilidade.291

Em caso de tortura, o inocente se acha em posição muito pior do que a do culpado, porque tem tudo contra si: ou será condenado se confessar o crime que não cometeu ou será absolvido mas depois de sofrer tormentos que não mereceu. O culpado, entretanto, tem tudo a seu favor, pois será absolvido se suportar a tortura ou evitará os suplícios de que foi ameaçado sofrendo uma pena mais leve. Assim, o inocente tem tudo a perder e o culpado só pode ganhar.292

A tortura é extremamente proibida no ordenamento jurídico brasileiro, conforme o art. 5°, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Ademais, o inciso XLVII estabelece a proibição de penas cruéis. Ora, se são proibidas as penas cruéis,

290 Id., ibid., p. 35.

291 CARNAÚBA, Maria Cecília Pontes. Prova ilícita, p. 81. 292 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, p. 37.

com muito mais razão são proibidos os meios de investigação cruéis, pois para a aplicação de uma pena pressupõe-se um culpado, e para a investigação é suficiente a existência de um suspeito.293

Nesse sentido posiciona-se Fregapani294, ao afirmar que as provas obtidas com violência física não podem ser valoradas, nem na defesa.

Em síntese, a Constituição Federal de 1988 é bastante exigente e não admite como válida nenhuma prova que, ainda que em circunstâncias normais possa ser válida, tenha sido obtida em razão de uma ilicitude inicial. Ainda que inadvertidamente o juiz as deixe ingressar nos autos, o efeito é a sua absoluta invalidade para fins de condenação. Todavia, em razão do princípio da inocência, admitimos, excepcionalmente, que a prova obtida ilicitamente possa ser utilizada pro

reo.295