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A proibição aparentemente absoluta das provas ilícitas no sistema constitucional vigente

Sumário: 4.1 O ordenamento jurídico anterior a Constituição

4.3. A inadmissibilidade das provas ilícitas.

4.3.1. A proibição aparentemente absoluta das provas ilícitas no sistema constitucional vigente

Atualmente, no Brasil, prevalece a posição da inadmissibilidade das provas ilícitas, consagrando a idéia de que o direito à prova não é absoluto, devendo haver um limite para a sua obtenção e postulação em juízo, conforme regulado no art. 5°, inciso LVI, da Constituição Federal de 1988, vedação que, na opinião de Marco Antonio de Barros, coloca uma pá de cal no tema212. Portanto, nos termos do legislador constituinte, as provas que infringem o direito material e processual consagrado em normas materiais e princípios gerais do direito não são admissíveis no processo.

O processo visa a projetar a verdade real. Admissível, por isso, qualquer prova. A Constituição da República registra apenas uma ressalva: quando obtida por meios ilícitos (art. 5°, LVI).213

Ressalte-se que igualmente protegido está o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, sendo inconstitucional qualquer atividade violadora desta garantia máxima do homem no Estado Democrático de Direito.

Sobre o assunto, Tourinho Filho esclarece que:

Não se admitem as provas conseguidas mediante torturas, tais como interrogatórios fatigantes, exaustivos, mesmo porque obtidos com preterição ao artigo 5°, III da Lei Maior. Metem-se a rol, entre as provas não permitidas, àquelas objeto de captação clandestina de conversações telefônicas (art. 5°, XII, CRFB/88), de microfones dissimulados para captar conversações íntimas, o diário onde

212 BARROS, Marco Antonio de. “Sigilo profissional reflexos da violação no âmbito das provas ilícitas”, p. 145. 213 Resp nº 55.165-0/GO. Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 12.12.94, p. 34.384.

algumas pessoas registram, com indisfarçável nota de segredo, os acontecimentos mais importantes do seu dia-a-dia. Tais provas não podem ser permitidas porque violatórias da vida íntima da pessoa, e, como se sabe, a Constituição confere privacidade, como se constata pelo artigo 5°, X e XII, CRFB/88.214

Assim, a produção da prova ilegal é um não-ato, tendo por fim desestimular a violação das liberdades públicas para se provar a todo custo a verdade processual desejada. A Constituição Federal de 1988 impôs tais limites. Tais documentos são desprovidos de qualquer força probatória, sendo apenas simples papéis destituídos de conteúdo material capazes de influir no convencimento judicial. Não produzem, então, a eficácia de um documento comprobatório, devendo ser desentranhados e reduzidos a um nada jurídico, pelo simples fato de estarem contaminados pelo vício da ilegalidade, na modalidade de ilicitude pela violação de normas e princípios materiais, tidos por relevantes no sistema.

A causa deve ser julgada como se estas provas não existissem ou seja, seria um vácuo processual, produzindo os efeitos da inexistência, sendo repudiada do contexto processual.215

Isto porque, optou o legislador constituinte, influenciado pelo ideal democrático da Nova República, pela inadmissibilidade absoluta das provas ilícitas no processo judicial. Portanto, como a Constituição Federal de 1988 vedou a liberdade na admissão da prova, não pode o magistrado utilizar qualquer elemento dotado de força persuasiva, se colhido com infringência à legislação, quando adotada a interpretação literal.

Ada Pellegrini Grinover confirma que pela Carta Magna:

Toda vez que uma prova for colhida em desrespeito aos princípios constitucionais, expressos ou implícitos, no que concerne à tutela do direito à intimidade e de seus desdobramentos, a referida prova não poderá ser admitida no processo, por subsumir-se no conceito de inconstitucionalidade.216

Também Heleno Fragoso ensina ser:

... indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária

idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em

214 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, v. 3, p. 208.

215 MENDONÇA, Rachel Pinheiro de Andrade. Provas ilícitas: limites à licitude probatória, p. 167. 216 GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal, p. 206.

muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade numa eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em Estado de Direito Democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores muito mais altos que não podem ser violados.217

Nesse sentido, vejamos o seguinte trecho do voto ditado pelo Ministro Celso de Mello, famoso pela profundidade com que abordou o tema:

O fato irrecusável, Sr. Presidente, é que a prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por essa explícita razão, de qualquer aptidão jurídico-material. Prova ilícita, sendo providência instrutória eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica. A “Exclusionary Rule” - considerada essencial pela Jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos na definição do limites da atividade probatória desenvolvida pela Polícia e pelo Ministério Público – destina-se, na abrangência de seu conteúdo, a proteger, pelo banimento processual de evidências ilicitamente coligidas, os réus criminais contra a ilegítima produção ou a ilegal colheita de prova incriminadora.

Assim, aceitas as provas por serem lícitas na sua essência e forma, ou por se enquadrarem na exceção constitucional, a conseqüência será a sua admissibilidade, produzindo efeitos para o órgão julgador, ao lado do conjunto probatório processual; todavia, se inadmissíveis as provas por estarem inquinadas de ilegalidade, tanto substancial - previsão constitucional acarretadora da ilicitude; quanto processual - previsão infraconstitucional acarretadora da ilegitimidade, a conseqüência lógica será a sua inadmissibilidade, a não produção de efeitos, e por fim o seu desentranhamento.

Entendemos que o legislador constituinte adotou uma posição radical quando não conferiu valor algum às provas admitidas ilicitamente. De acordo com o sistema atual de provas, estas deverão ser desentranhadas dos autos e consideradas como inexistentes, impedindo com isto que o órgão julgador as leve em consideração no exercício do seu livre convencimento, se aplicado na íntegra o dispositivo constitucional.

Tal solução, apresentada pelo constituinte de 1988, traz sérios problemas na prática, pois o ideal de justiça deve buscar um equilíbrio entre a legalidade e a liberdade da prova respeitadas, obviamente, as liberdades individuais.

Em síntese, prevalece a priori, a posição que acata a inadmissibilidade absoluta das provas ilícitas, não obstante, pouco a pouco, a jurisprudência venha cedendo espaço para sua relatividade, tendo em vista os valores contrapostos.