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Sumário: 2.1 O conceito e a finalidade da prova 2.1.1 O direito

2.1. O conceito e a finalidade da prova

2.1.2. Os limites à prova

Em função do direito de ação, do direito à prova dele decorrente e do sistema do livre convencimento motivado, adotados no ordenamento jurídico brasileiro, franquearam-se aos jurisdicionados todos os meios de prova, como hábeis a provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa, nos termos do art. 332 do Código de Processo Civil e art. 157 do Código de Processo Penal. Quanto ao processo castrense, em face do art. 295 do Código de Processo Penal Militar, admite-se qualquer espécie de prova, desde que não atente contra a

moral, a saúde ou a segurança individual ou coletiva.

Observe-se que no sistema processual brasileiro, por força das disposições insertas nos Códigos de Processo Civil e Processo Penal, bem como daquelas expressas ou implícitas no ordenamento constitucional, há liberdade probatória (admissão de todos os meios de prova), salvo as vedações consignadas do próprio sistema93. Isso, como já foi estudado, representa a filiação brasileira ao sistema da persuasão racional do juiz.

93 Estas compreendem: os meios probatórios de invocação do sobrenatural e os meios probatórios que sejam

incompatíveis com os princípios de respeito ao direito de defesa e à dignidade da pessoa humana. Sobre o último ponto acrescenta: Limitações várias, decorrentes dos princípios constitucionais de proteção e garantia da

pessoa humana, impedem que para a procura da verdade lance-se mão de meios condenáveis e iníquos de investigação e prova, além de outros fundados em superstições, crendices ou práticas não consagradas pela ciência processual. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, pp. 275, 293-4.

Os instrumentos ou processos pelos quais procura-se demonstrar determinado fato são denominados meios de prova94. Para Pontes de Miranda95, meios de prova são as fontes probantes, os meios pelos quais o juiz recebe os

elementos ou motivos de prova. A prova dos fatos faz-se por meios adequados a

fixá-los em juízo. Por esses meios ou instrumentos, os fatos deverão ser transportados para o processo, por sua reconstrução histórica, representação ou reprodução objetiva.

Estes meios de prova devem ser idôneos e juridicamente admissíveis, isto é, a prova dos fatos deve fazer-se por meios que o Direito considere hábeis para fixá- los no processo. O meio de prova, como ato jurídico que é, subordina-se aos critérios gerais de validade esculpidos no art. 82 do Código Civil Brasileiro: pessoa capaz, objeto lícito e forma prescrita em lei.

Portanto, meios de prova são as coisas ou ações utilizadas para pesquisar ou demonstrar a verdade que se busca no processo. Como no processo penal vige o princípio da verdade real, em tese não haveria limitação dos meios de prova. A busca da verdade real, que preside a atividade probatória do juiz, exigiria que os requisitos da prova se reduzissem ao mínimo, de modo que as partes pudessem utilizar-se dos meios de prova com ampla liberdade.

Visando o processo penal o interesse público de repressão ao crime, qualquer limitação à prova prejudicaria a obtenção da verdade real e, portanto, a justa aplicação da lei. Assim, a investigação deve ser a mais ampla possível, já que tem como objetivo alcançar a verdade do fato, da autoria e das circunstâncias do crime.

Barbosa Moreira reforça que o direito à prova implica no plano conceptual na

ampla possibilidade de utilizar quaisquer meios probatórios disponíveis. A regra é a admissibilidade das provas e as exceções precisam ser cumpridamente justificadas.96

94 Ada Pellegrini Grinover oferece elucidativa distinção entre fonte de prova (os fatos percebidos pelo juiz); meio

de prova (instrumentos pelos quais os mesmos se fixam em juízo) e objeto da prova (o fato a ser provado, que se deduz da fonte e se introduz no processo pelo meio de prova). GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no

processo penal, p. 118.

95 apud MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, p. 274.

Isto porque a limitação absoluta do direito à prova viola indiretamente a garantia constitucional do direito de ação.97 Em função disso, há necessidade de se delinearem pormenorizadamente os limites da licitude probatória, para que se possa preservar as liberdades individuais.

Por outro lado, não obstante a adoção irrestrita das provas corresponda plenamente à garantia do efetivo acesso à jurisdição, o princípio da liberdade probatória não é absoluto, há outros direitos que igualmente reclamam a proteção estatal, estando inseridos no mesmo ideal democrático. O ordenamento jurídico brasileiro estabeleceu limites à prova, seja restringindo que quanto ao estado das pessoas será observada a lei civil (art. 155 do Código de Processo Penal), seja vedando a admissibilidade de provas obtidas ilicitamente (inciso LVI do art. 5° da Constituição Federal de 1988).

Por isso, hodiernamente, o limite ao direito à prova é objeto de imensa discussão na doutrina e na jurisprudência, que ora tende a ampliá-lo, ora a restringi- lo.

Inserido no âmbito do devido processo legal, o direito à prova deverá ser regularmente exercido, sob pena de violar a garantia do efetivo acesso à justiça. Entretanto, há limites ao exercício deste direito balizando a atividade persecutória do Estado. O direito à prova não está só. Ao lado dele, existem outros direitos igualmente resguardados pela ordem constitucional.98

Os direitos constitucionalmente consagrados devem ser interpretados harmônica e teleologicamente, por constituírem um sistema. Nesse sentido, o direito à intimidade, à vida privada, à dignidade humana, à honra, à imagem das pessoas, entre outros, constituem o limite de atuação do Estado no exercício de sua atividade persecutória e probatória.99

Tais direitos, ante as inúmeras garantias constitucionais, não podem ser considerados em termos absolutos, pois freqüentemente seus valores são contrapostos, relativizando-os.

97 MENDONÇA, Rachel Pinheiro de Andrade. Provas ilícitas: limites à licitude probatória, p. 2. 98 Id., ibid., p. 5.

Assim, os limites da licitude probatória tenderiam à preservação dos direitos e garantias individuais, ora tenderiam à proteção do processo e da defesa social.

Confrontando com os direitos individuais, surge a questão da admissibilidade das provas ilícitas dentro do processo com o fim de fundamentar a decisão judicial de acordo com o princípio do livre convencimento, aliados aos valores da personalidade, dignidade humana e proteção da intimidade, resultando em um complexo problema que precisa ter seus limites delineados.

Segundo Barbosa Moreira:

O problema das provas ilícitas inclui-se entre os mais árduos que a ciência processual e política legislativa têm precisado enfrentar, dada a singular relevância dos valores eventualmente em conflito. De um lado, é natural que suscite escrúpulos sérios a possibilidade de que alguém tire proveito de uma ação antijurídica e, em não poucos casos, antiética; de outro lado, há o interesse público de assegurar ao processo resultado justo, o qual normalmente se impõe que não se despreze elemento algum capaz de contribuir para o descobrimento da verdade. É sumamente difícil, quiçá impossível, descobrir o ponto de perfeito equilíbrio entre as duas exigências contrapostas. 100

Como na visão de Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça101, o sistema de

liberdades públicas e a atividade instrutória do Estado são pratos de uma balança que estão em permanente conflito. O equilíbrio é a meta. Deve-se carrear o processo com provas suficientes que promovam o livre convencimento judicial, ao mesmo tempo em que não violem o exercício das liberdades individuais.

Nesse sentido, concordamos com Ada Pellegrini Grinover acerca dos efeitos devastadores da compreensão do livre convencimento como dogma absoluto, especialmente quando agregado às idéias de defesa social e do Estado como objetivos primários do processo penal e justificadores da incondicionada busca da verdade material, acima inclusive dos direitos individuais que deveriam tutelar:

Assim é que os grandes temas do processo penal, no Estado de Direito, devem ser enquadrados na teoria jurídica das liberdades públicas. Daí porque o interesse comunitário na prevenção e repressão da criminalidade tenha de pôr-se limites - como ensina Figueiredo Dias - inultrapassáveis, quando aquele interesse ponha em jogo a “dignitas” humana; ultrapassáveis, mas só depois de cuidadosa

100 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “A constituição e as provas ilicitamente adquiridas”, p. 22. 101 MENDONÇA, Rachel Pinheiro de Andrade. Provas ilícitas: limites à licitude probatória, p. 9.

ponderação da situação, quando assim não seja, mas jamais para além do que seja absolutamente indispensável à consecução do interesse comum.102