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Sumário: 2.1 O conceito e a finalidade da prova 2.1.1 O direito

2.1. O conceito e a finalidade da prova

2.1.1. O direito à prova no processo penal

Diante da garantia de se aduzir uma pretensão em juízo e obter uma resposta estatal, é conferido às partes o direito ao amplo acesso à justiça, e, ao Estado, o dever da correta prestação jurisdicional, sendo-lhe vedado excluir da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça de direito nos termos do art. 5°, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988.

81 apud GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 194.

82 AMARAL SANTOS, Moacyr apud COLUCCI, Maria da Glória Lins da Silva e SILVA, Maria Regina

Caffaro. “Provas ilícitas no processo penal”, pp. 238-9.

Tal pretensão é o mérito da causa, são as questões de fato que justificam o direito de ação e o direito à prova dele decorrente.

O direito de ação, previsto constitucionalmente, confere aos jurisdicionados a possibilidade de provocar o exercício da jurisdição, obtendo com isto, a apreciação, a valoração e o julgamento da pretensão postulada. Assim, o conceito de ação, em seu caráter abstrato, não deve ser reduzido à possibilidade de se instaurar um processo. Ele envolve uma série de passos que devem ser respeitados, a fim de que seja assegurado às partes o efetivo acesso à justiça. Dessa forma, para o seu exercício, necessário se faz garantir o direito à prova, que embora não esteja expressamente previsto, decorre diretamente do direito de ação, uma vez que vige no Brasil o sistema do livre convencimento motivado.

A instrução probatória é o momento mais importante do processo, de modo que, para dar cumprimento aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, torna-se indispensável assegurar às partes o direito de produzir provas, com a finalidade de demonstrar a procedência dos argumentos da acusação ou da defesa.

Para Antonio Magalhães Gomes Filho84, a introdução do material probatório no processo e a participação em todas as fases do procedimento caracteriza um verdadeiro direito subjetivo, que possui a mesma natureza constitucional e o mesmo fundamento dos direitos de ação e de defesa: o direito de ser ouvido em juízo não significa apenas poder apresentar ao órgão jurisdicional as próprias pretensões, mas também inclui a garantia do exercício de todos os poderes para influir positivamente sobre o convencimento do juiz.

Tratando-se de um aspecto dos próprios direitos de ação e de defesa, seus titulares serão os mesmos aos quais o ordenamento reconhece tais direitos: o acusado e os titulares da ação penal – Ministério Público na pública e ofendido ou seu representante legal na privada -, pois se a Constituição e a lei85 lhes confere a

iniciativa da persecução penal, obviamente também lhes está atribuindo os poderes de participar em todas as atividades processuais, sobretudo aquelas destinadas à demonstração dos fatos em que se funda a acusação.

84 Id., ibid., p. 84.

Da mesma forma que os direitos mencionados, o direito subjetivo à prova é também um direito público, na medida que tem como sujeito o Estado, representado pela figura do órgão jurisdicional, o qual está obrigado a tornar efetivas as postulações das partes em relação às atividades probatórias, desde que legítimas.

Esse reconhecimento de um verdadeiro direito subjetivo à prova86, cujos

titulares são as partes no processo penal, supõe considerar que as mesmas devem estar em condições de influir ativamente em todos os atos praticados para constituição do material probatório que irá servir de base à decisão.87

Assim, o exercício desse direito deve ser possível em todas aquelas tarefas de procura e colheita dos dados, que permitirão ao juiz verificar a ocorrência ou não dos acontecimentos históricos afirmados pelas partes e sobre os quais irá versar a sentença final.

A partir daí podemos constatar, num primeiro momento, um direito à investigação, pois a faculdade de procurar e descobrir provas é condição indispensável para que se possa exercer o direito à prova.

Barbosa Moreira ensina que no processo contemporâneo, ao incremento

dos poderes do juiz na investigação da verdade, inegavelmente subsiste a necessidade de assegurar aos litigantes a iniciativa – que, em regra, costuma predominar – no que tange à busca e apresentação de elementos capazes de

contribuir para a formação do convencimento do órgão judicial.88

Num segundo momento, o direito à prova compreende a iniciativa em relação à introdução do material probatório no processo: trata-se do direito de proposição de provas, que é geralmente reconhecido nas legislações não só às partes, mas também a outros interessados, como o ofendido, quando se habilita como assistente de acusação.

Ressalte-se que o direito das partes à introdução, no processo, das provas que entendam úteis e necessárias à demonstração dos fatos em que assentam suas pretensões, embora de índole constitucional, não é, entretanto, absoluto. Ao

86 E, porque não, integrante do direito à liberdade, e dessa forma, um direito de primeira geração ou dimensão. 87 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal, p. 85.

contrário, como qualquer direito, também está sujeito a limitações decorrentes da tutela que o ordenamento confere a outros valores e interesses igualmente dignos de proteção.89

Observe-se que a faculdade de introduzir provas será ilusória se não estiver acompanhada de um concreto direito à admissão das provas requeridas.

Isto porque, é no pronunciamento judicial relativo à admissão das provas que se encontra o núcleo do direito: é a efetiva permissão para o ingresso dos elementos pretendidos pelos interessados que caracteriza a observância do direito à prova. Por isso, somente através de uma disciplina legal das hipóteses de rejeição das provas, acompanhada da exigência de decisões fundamentadas e adotadas sob o crivo do contraditório, pode estar satisfeita a garantia.

Daí o especial interesse que assumem, nessa matéria, as questões da admissibilidade, pertinência e relevância da prova, até porque, num processo de partes, as restrições do direito à prova de uma delas asseguram, em última análise, o direito da parte contrária a uma prova corretamente obtida, produzida e valorada.

Dessa forma, correlato ao direito à prova, existiria também um direito à exclusão das provas inadmissíveis, impertinentes ou irrelevantes, conforme detalharemos mais adiante.

O direito à prova também se manifesta no procedimento de sua formação no processo, através do qual é assegurada a participação dos interessados nos atos de produção da prova, seja através de impugnações, perguntas e eventual oferecimento de contra-prova, quando se realiza efetivamente o contraditório na instrução criminal.

E, por fim, coroando esses poderes inerentes aos direitos das partes à prova, existe o direito à valoração das provas existentes no processo. Os meios de prova visam à formação e justificação do convencimento judicial. Assim, reconhecida a essencialidade da iniciativa e participação dos interessados na tarefa de constituição do material probatório, seria um verdadeiro contra-senso admitir que pudesse o juiz desconhecer qualquer elemento informativo trazido ao processo:

somente a concreta apreciação da prova, verificável pela motivação da sentença, assegura a efetividade do direito à prova.90

Em sendo a prova um ônus91 e, sobretudo, um direito das partes, o entendimento inicial vedaria qualquer limitação ou restrição à admissibilidade dos variados meios de produção das provas.

Isto porque no processo penal, a esse direito à prova soma-se o princípio da verdade real ou material, que impõe sempre que se procure conhecer o mais fielmente possível os fatos que motivaram a acusação, de forma que a atividade probatória não encontra limites na forma, não sendo desejável apenas a verdade formal.

Juntos, o direito à prova e o princípio da verdade real tornam a atividade probatória, no processo penal, mais livre do que no processo civil e também menos sujeita a limitações.

Mas essa maior liberdade não significa que, no processo penal, a prova é absolutamente livre, insuscetível de limitações. Em outras palavras, a verdade real não justifica a produção de toda e qualquer prova, já que o processo só pode desenvolver-se dentro de regras morais e existe, precipuamente, como instrumento de garantia do acusado.

Por fim, o direito à prova implica a possibilidade de utilizar quaisquer meios probatórios à disposição das partes, são as chamadas provas atípicas.92 Esse é o

90 Id., ibid., p. 89.

91 Onus probandi é a faculdade ou encargo que tem a parte de demonstrar no processo a real ocorrência de um

fato que alegou em seu interesse, o qual se apresenta como relevante para o julgamento da pretensão deduzida pelo autor da ação penal. A prova não constitui uma obrigação processual e sim um ônus, ou seja, a posição jurídica cujo exercício conduz seu titular a uma condição mais favorável. A principal diferença entre obrigação e ônus reside na obrigatoriedade. Enquanto na obrigação a parte tem o dever de praticar o ato, sob pena de violar a lei, no ônus o adimplemento é facultativo, de modo que o seu não-cumprimento não significa atuação contrária ao direito. Neste último caso, contudo, embora não tendo afrontado o ordenamento legal, a parte arcará com o prejuízo decorrente de sua inação ou deixará de obter a vantagem que adviria de sua atuação.

Como vimos, determina o art. 156 do Código de Processo Penal que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer. Tal dispositivo decorre não só de uma razão de oportunidade e no interesse à afirmação, mas na eqüidade, na paridade de tratamento das partes. Litigando estas, é justo não impor a uma só o ônus da prova: do autor não se pode exigir senão a prova dos fatos que criam especificamente o direito; do réu apenas aqueles em que se funda a defesa.

A regra de que o ônus da prova da alegação incumbe a quem a fizer não é absoluta, pois o juiz pode ordenar diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante ou suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade, conforme os arts. 156 e 502 do Código de Processo Penal. Essa possibilidade de o magistrado perquirir sobre a verdade reduz consideravelmente o campo das incertezas no processo penal e facilita a busca da verdade real.

princípio fundamental, que se reflete na propensão das modernas legislações processuais de abandonar, nesta matéria, a técnica da enumeração taxativa e admitir que se recorra, também, a expedientes não previstos expressamente, porém eventualmente idôneos para fornecer ao magistrado informações úteis para a reconstrução dos fatos.