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A Indústria Cultural e a Globalização

2.2 “Caixas pretas e cubos brancos”: manutenção de um paradigma Em meados do século XX surgem

2.3 A questão social do acesso à cultura

2.3.1 A Indústria Cultural e a Globalização

Embora o conceito de indústria cultural tenha sido explorado por Adorno e Horkheimer de maneira incisiva em “A Dialética do Esclarecimento” escrito na década de 1940, é na década de 1990, com o fim do socialismo e o processo de globalização86, marcada pelas políticas neoliberais e pelo afastamento do

Estado do provimento de diversos serviços, que a disponibilização privada de cultura encontra campo aberto para a “popularização” do museu.

Na mesma lógica, em seu ensaio Images in the New Media, (Imagens na Nova Mídia), de 1989, Flusser aponta que, ao longo do tempo, a atitude do homem em relação à sociedade mudou muito e cita três momentos da história para exemplificar seu argumento.

Os caçadores paleolíticos utilizavam as imagens como uma referência de seu mundo, isto é, as imagens os orientavam, assim como as imagens desenhadas na caverna os transformavam em caçadores, e, por isso, eram sagradas87.

Em um segundo momento, o cidadão partiu rumo ao espaço público (a praça do mercado ou a igreja) para participar da história. Ao procurar imagens e Capítulo 2

47 83 Alguns autores nomeiam esta cultura telemática como cultura pós-massiva, como André Lemos e David

E. Pearson.

84 HANKE, Michael. Vilém Flusser: A cultura dos media e mediações, 2009. p.86 85 FLUSSER, Vilém, Nosso Programa,1983, p. 31.

86 DUARTE, R. A celebração da virtualidade real, 2002. vol.1, p. 98-107. 87 FLUSSER, Vilém. Images in the new media, 1989, p.72

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publicações, o homem passou a se informar historicamente e passou a processar a informação em seu espaço privado88.

Já o funcionário pós-industrial e seus filhos, deixam-se expor às imagens em uma tela:

Por causa do assim chamado tempo livre - tempo sem aparente função - estar crescendo, esta exposição ganha dimensões maiores e eventualmente evidencia sua funcionalidade. O funcionário, que aparentemente não está “trabalhando” [functioning] - por exemplo, o trabalhador objetificado relaxando em uma cadeira confortável - é programado por imagens. Ele deve operar [function] de uma maneira específica, porque ele deve ser tanto produtor quanto consumidor de coisas e pontos de vista. As imagens são programadas de forma que o criticismo do receptor se reduza ao mínimo89.

Para Arthur e Marilouse Kroker90, a década de 1990 instaura a hegemonia da

mídia de massa por não possuir meio e com certeza nenhuma mensagem. Tal crítica se baseia na constatação que os meios de massa

substituem reciprocidade com falsa informação, troca com a tirania do excesso de informação que produz uma cultura anestesiada que se fecha para auto-proteção, interação com uma rede operacional densa que substitui solidariedade humana genuína com votações e grupos focais e campanhas de marketing de alta intensidade, comunicação por dados e significado por velocidade91.

No cenário internacional, principalmente na Europa, as mudanças políticas e econômicas intensificaram a necessidade de os museus acompanharem as tendências da lógica de mercado. A diminuição de incentivos por parte dos governos leva os museus a buscarem cada vez mais atividades comerciais sob O museu no contexto do século XXI

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88FLUSSER, Vilém. Images in the new media, 1989, p.72

89 FLUSSER, Vilém. Images in the new media, 1989, p.72. Because of the so-called free-time – time without any apparent function – is increasing, this exposure takes on greater dimensions and eventually gives evidence of its functionality. The functionary who appears not to be functioning – for example, the objectified office worker relaxing in a comfortable chair – is programmed by images. He is to function in a particular manner, because he is to be both producer and consumer of things and points of view. The images are programmed so that they reduce the addressee´s criticism to a minimum.

90 KROKER, Arthur; KROKER, Marilouise. Introduction, 1997, pp. XIII.

91 KROKER, Arthur; KROKER, Marilouise. Introduction, 1997, pp. XIV. They replace reciprocity with false simulation, exchange with the tyranny of information overload producing a numbed culture that shuts down for self- protection, interaction with a dense operational network substituting polls and focus groups and high-intensity marketing warfare for genuine human solidarity, data for communication, and speed for meaning.

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sua direção, assim como parcerias com empresas privadas92. Acompanhando

esta mudança, mesmo os museus mais tradicionais incorporam tecnologias de informação e comunicação de maneira enfática, buscando satisfazer duas demandas iminentes: o desejo do público e a necessidade de angariar fundos. No Brasil, museus como o da Língua Portuguesa e o do Futebol, seguindo a tendência de mudança no funcionamento dos museus na Europa e nos Estados Unidos principalmente, apontam para uma questão relevante: o avanço da ideia de que “ʻo museu tradicionalʼ já está obsoleto e deve ceder o passo ao ʻmuseu virtualʼ”93. Meneses aponta que, ao invés de entendermos o

valor das ferramentas digitais e toda a sua virtualidade, o que está sendo proposto é a total substituição do conceito de museu tradicional. O autor alerta que a proposta de substituição dos museus tradicionais pelos virtuais precisa ser analisada mais profundamente em relação às mudanças proporcionadas pelo museu virtual94.

Se estes “novos” museus propusessem uma relação diferente entre obra e visitante, isto é, promovessem uma interação real, e por isto, rica, então tal substituição poderia ser vista como possível e até desejável. Mas se retornarmos ao problema levantado por Flusser, de que as imagens são programadas para controlar o seu receptor, isto é, programá-lo, e de que os destinatários das imagens não podem simplesmente desligar-se delas, então temos que tal abordagem pode não estabelecer a relação de interação desejada, ou ainda retirar do usuário o direito de escolha de participação.

Ainda segundo Flusser, tais receptores não conseguem se transformar de objetos a sujeito, porque para fazê-lo, precisam retirar-se da sociedade tal como está. O homem pós-industrial tem seu comportamento programado e a relevância de tal constatação está relacionada à existência futura em geral95.

“Na sociedade contemporânea, novos mídias estão preparados para Capítulo 2

49 92 ROTTENBERG, B. Los Museus, la información y la esfera pública, 2003, p. 24 – 33.

93 MENESES, Ulpiano. O museu Virtual: é o museu do Futuro?, 2009. 94 MENESES, Ulpiano. O museu Virtual: é o museu do Futuro?, 2009. 95 FLUSSER, Vilém. Images in the new media, 1989.

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transformar imagens em modelos de comportamento e pessoas em objetos. Mas eles podem ser conectados diferentemente. As novas mídias podem se tornar carregadores de significados e transformar pessoas em construtores [designers] de significado em um processo participativo.”96