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Cibernética e arte Uma abordagem tecnicista?

Cibernética Social

4.7 As virtualidades no processo criativo e projetos mais responsáveis

4.7.3 Cibernética e arte Uma abordagem tecnicista?

De fato, Jack Burnham213 também critica o caráter tecnicista da arte produzida

com o auxilio de aparatos tecnológicos, entre eles, e principalmente, o computador. Em seu artigo de 1980 “Art and Technology, the panacea that failed” (“Arte e Tecnologia, a panacéia que falhou”) o autor argumenta:

Algumas formas de tecnologia parecem se emprestar às artes que ganharam o status de museu, mas com a ajuda de milhões de dólares em concessões e doações privadas (e a assistência de alguns dos maiores nomes da arte contemporânea americana [...]), os resultados variam de medíocre a desastrosos quando artistas tentaram usar o que tem sido eufemisticamente chamado de “a tecnologia eletrônica da ‘cultura pós-

Capítulo 4

210 ASCOTT, Roy. Is there Love in the Telematic Embrace?, 1990. p. 241.

211 USSELMANN, R. The Dilemma of Media Art... 2003.. p. 394. “Here, then, we have the "happy" ingredients

of Cyberneti cSerendipity's success: funny-sounding robots, interactive computer graphics, simulators and systems that react to the environment; in a word, a re-packaged and sanitized arsenal of high technology, straight from the laboratories of the American military industrial complex.”

212 USSELMANN, R. The Dilemma of Media Art... 2003.. p. 394. 213 BURHAM, Jack, Art and Technology: The Panacea that failed... 1980.

126 industrial’”214.

Para exemplificar seu ponto de vista, o autor se baseia em cinco experiências que aconteceram nas décadas de 1960 e 1970, das quais “Software” demonstra de maneira crua a sua crítica. “Software” seria a primeira exibição de computer art a ser instalada em um museu. Mas como aponta Burnham pelo menos dois terços do conteúdo de ʻcomputer artʼ consistia de programas de computador que simulavam estilos de arte não existentes215. No início da

década de 1970, Michael Noll, artista que criou uma série de variações lineares em peças modernistas usando uma plotter, admitiu:

O computador tem sido usado somente para copiar efeitos estéticos facilmente obtidos com o uso de mídias convencionais, embora o computador faça esse trabalho com velocidade fenomenal e tenha eliminado trabalho tedioso considerável. O uso de computadores nas artes ainda tem que produzir qualquer coisa que aborde inteiramente uma nova experiência estética.216

Claus Pias217 aponta outra confusão relacionada ao uso das tecnologias: a

“sensação de libertação” proporcionada pela evolução dos mecanismos de controle. Segundo ele, a crença de que “apertar um botão é menos livre que simplesmente mover e ser registrado por reconhecimento de gestos”218 reforça que embora a vigilância tenha se tornado maior, por ser mais sutil, não é percebida. E neste contexto, somos levados a acreditar que estamos vivendo em um mundo mais livre, quando na verdade, não estamos.

Ainda assim, no espaço dos museus, há quem acredite que a possibilidade de A Cibernética como arcabouço para a avaliação dos museus

214 BURHAM, Jack, Art and Technology... 1980. parágrafo 1. “Some forms of technology seem to lend themselves

to art which has gained museum status, yet even with the aid of millions of dollars in grants and private donations (plus the assistance of some of the biggest names in contemporary American art, [...]), the results have fared from mediocre to disastrous when artists have tried to use what has euphemistically been referred to as the electronic technology of "post- industrial culture."

215 BURHAM, Jack, Art and Technology... 1980. parágrafo 14.

216 BURHAM, Jack, Art and Technology... 1980, parag. 14, “The computer has only been used to copy aesthetic

effects easily obtained with the use of conventional media, although the computer does its work with phenomenal speed and eliminated considerable drudgery. The use of computers in the arts has yet to produce anything approaching entirely new aesthetic experience”.

217 PIAS. C. Zombies of the ... 2005.

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FIGURA 17 – Bicicleta utilizada para visita à exposição sobre Einstein no Museu de Ciências em Londres

FONTE: ALL OF US, [2005]

FIGURA 18 – Caminho “virtual” pedalado pelos visitantes

FONTE: ALL OF US [2005]

“interagir” de outras maneiras que não por botões seja um avanço dentro do museu. Lucy Bullivan219 por exemplo, ao citar uma exposição itinerante de física

(FIG. 17 e 18) projetada por All of Us para o museu de Ciências e para o Instituto de Física de Londres em 2005, questiona: “Porque colocar um videogame manipulável somente apertando um botão? Por que não fazê-lo manipulável ao pedalar uma bicicleta?”220

Mas agora, somente seis anos após esta exposição, a difusão rápida de videogames como Wii (que possui inclusive sua bicicleta) ou XBOX 360 Kynectic, que reconhece o movimento do seu corpo (e não requer nenhuma nenhum acessório conectado ao corpo) a questão parece ser outra: Por que uma exposição deve tomar a forma de um videogame? O que pode ser apreendido no espaço do museu a partir de tal abordagem?

Todo esse cenário é alimentado por uma visão limitada da cibernética e da aplicação não crítica da tecnologia. Pias questiona se a arte interativa atual, a media art

[...] mantém aquele estado experimental que desapareceu da cibernética, ou usa somente os seus restos? E quais condições essa herança que deveria ser tão efetiva e livre de ideologia impõe? Ela irá se tornar ‘uma arte dinâmica que irá radicalmente perturbar e transformar Capítulo 4

219 BULLIVAN, Lucy, Playing with Art, 2007.

220 BULLIVAN, Lucy, Playing with Art... 2007. p 33. “Why make a video game playable just by pressing a button?

128 os parâmetros da arte clássica’ (Peter Weibel), ou ela pode se transformar somente em ‘demo-design’ (Peter Lunenfeld)?221

Na década de 1960, certamente o militarismo se encontra no cerne da discussão. Porém não podemos ignorar outras questões relacionadas aos benefícios do desenvolvimento tecnológico que também circulavam no meio acadêmico e que começavam a influenciar outros campos da sociedade, como a própria produção artística. Da mesma maneira, a cibernética se diversificou e seus cibernetas olharam além e buscaram aplicar, em seus campos, esta nova linha de pensamento que surgia.

Uma primeira aplicação da cibernética no campo das artes acontece no escopo do desenvolvimento da cibernética de primeira ordem, refletindo a importância de quantificar as qualidades das obras de arte222.

É facilmente reconhecido que tanto a medida de criatividade como a de inovação é dada na quantidade de informação, enquanto a medida da comunicação como o valor de ordem é utilmente determinada pela medida de redundância. Além disso, a medida da criação equivale ao que foi expresso no termo histórico da arte clássica ‘originalidade’, enquanto a medida da comunicabilidade ou reconhecimento de uma obra de arte é uma questão de sua ordem identificável, de uma redundância, grosseiramente correlacionada com o conceito histórico da arte clássica de ‘estilo’223.

Abraham Moles acredita que a aplicação da epistemologia da cibernética não só é possível na arte por meio de cálculos, como representa a chance de liberar a arte de sua metafísica. O autor argumenta que percepção estética e A Cibernética como arcabouço para a avaliação dos museus

221 PIAS. C. Zombies of the... 2005, par. 13. “ [...] maintain that experimental status which disappears from

cybernetics, or does it just use its ready leftovers? And what conditions does this heritage impose that was supposed to be so highly effective and free of ideology? Will it turn into "a dynamic art that will radically overturn and transform the parameters of classical art"24 (Peter Weibel), or can it only become "Demo-Design"25 (Peter Lunenfeld)?”

222 Para uma avaliação mais ampla da relação entre arte, cibernética seu desenvolvimento especialmente na

década de 1960, referir PIAS, Claus. Hollerith ‘Feathered Crystal’: Art, Science, and Computing in the Era of Cybernetics, 2008.

223 BENSE, Max em PIAS, Claus. Hollerith ‘Feathered Crystal’... 2008 p. 119, “It is easily recognized that the

measure of creativity as that of innovation is given in the amount of information, while the measure of communication as amount of order is usefully determined by the amount of redundancy. Furthermore, the measure of creation amounts to what was expressed in the classical art historical term “originality,” while the measure of communicability or

recognizability of a work of art is a question of its identifiable order, which is to say of a redundancy, roughly correlated to the classical art historical concept of style”.

129 produção artística devem ser moldados com a ajuda do computador, e desta maneira, a deve ser produzida em laboratórios, onde pesquisa, criação, teste e comercialização poderiam acontecer224.

Desta maneira, Moles desenvolve um organograma para um centro de arte, no qual o computador possuía papel central (Zentraleinheit Computer) para unir os diferentes laboratórios: música, imagem, línguas, texto, dança, arte e filme. Além disso, a distribuição dos trabalhos seria feita em massa (FIG. 19).

Mas a cibernética de segunda ordem, por sua vez, foca na posição do observador e sua função dentro da observação do s i s t e m a , i s t o é , s u a participação e engloba c o n c e i t o s c o m o participação, interação, responsividade e diálogo, e não sua quantificação. Atualmente, mais que q u e s t i o n a r o d e s e n v o l v i m e n t o d a s media art e a aplicação de ferramentas digitais no e s p a ç o c o n s t r u í d o , devemos questionar como e s t e s p o d e m s e r promovidos de maneira mais responsável (para usar o termo de Flusser). Com a tecnologia tão presente no cotidiano das pessoas, não podemos questionar estes campos e Capítulo 4

224 PIAS, Claus. Hollerith ‘Feathered Crystal’... 2008. Pp. 124

pu or th sen m me bi ut an na futu to tr

FIGURA 19 – Organograma para um centro de arte Fonte: MOLES in PIAS, 2008

130 sugerir que eles sejam “poupados” de tal desenvolvimento. Tal atitude seria irresponsável.

Isto sugere um olhar crítico e cuidadoso para a aplicação da tecnologia na arte. Responsabilizar a Cibernética pelo uso empobrecido das tecnologias é ignorar o seu potencial de mudança de postura profissional e a possível inserção do indivíduo participante e desejante na co-produção de sua experiência (seja com o espaço, seja com a obra de arte, seja com outras pessoas).

Contra argumentando o ponto de vista de Usselmann, sugiro que a possibilidade de ação proposta na junção entre arte e cibernética seja sim uma das possíveis respostas à demanda social de mais inclusão e participação, latente na década de 1960 e ainda presente atualmente. Muitos dos profissionais influenciados pela cibernética requeriam autonomia e o reconhecimento do cidadão como agente ativo e não receptor passivo da sociedade.

Pask, por exemplo, devotou sua carreira para compreender a importância da conversação e da relação entre os elementos do sistema, sejam eles humanos, máquinas ou o espaço. Ele acreditava no potencial da cibernética em promover o desenvolvimento mais harmônico da sociedade. Para isso, ele descreve a importância de pensarmos em “espaços esteticamente potentes”, isto é ,“ambientes projetados para encorajar ou nutrir o tipo de interação que (por hipótese) é agradável”.225 Por mais importante que seja a variedade em um

sistema, a sua virtualidade e a capacidade de ação (agency), é importante observar um último ponto estabelecido por Pask, e que, segundo ele, é o mais complexo de ser atingido. Segundo ele:

Moles já apontou que sua estrutura de informação [da obra de arte] é pensada para servir a, b ou c.[...]. A condição d é satisfeita implicitamente e geralmente de maneira complexa, que depende da modalidade de sentidos usada pelo trabalho. Desta maneira, uma A Cibernética como arcabouço para a avaliação dos museus

225 PASK, Gordon. A comment, a case history and a Plan, 1971. p. 76. “1. Organizing a bit of symbolic

environment by constructing a tangible work of art (e.g. painting a picture). 2 Writing a prescription which is interpretable as a work o f art (e.g. composing music and writing the score). 3. 'Performing a work of art or, strictly, 'interpreting a work of art prescription, such as a piece of music'. 4. Appreciating or enjoying some work of art.”

131 pintura não se move. Mas a nossa interação com ela é dinâmica, porque a escaneamos com nossos olhos, nós a observamos seletivamente e nossos processos perceptivos constroem imagens de partes dela. [...] Claro, uma pintura não nos responde tampouco. Então, novamente, ela parece ser deficiente quanto ao ponto d. Mas a nossa representação interna da pintura, nossa percepção ativa dela, responde e se engaja em uma “conversação” interna com a parte da nossa mente responsável pela consciência imediata [...]226.

A partir desta afirmação, Pask se pergunta se esse discurso externo é mais benéfico que o discurso interno que criamos em relações como a descrita acima.

Se eu olho para uma pintura, eu tendo a ser um espectador, embora de certa forma eu possa e realmente repinto minha representação interna. Se eu brinco com um ambiente reativo e adaptativo, eu posso alternar os papéis de espectador e pintor da maneira que quiser. Se existe uma virtude nisso, não sei. Mas deve existir227.

Seu trabalho exibido na Cybernetic Serendipity chamado de Colloquy of Mobiles (FIG. 20), foi desenvolvido como um sistema social e consistia de cinco robôs de fibra de vidro que dançavam um com os outros e qualquer outro membro do público que entrasse no seu espaço228. Fixados no teto, existiam

dois “machos” e três “fêmeas”. Depois de um período de inatividade, as fêmeas começavam a brilhar mais intensamente, enquanto os dois machos emitiam raios de luz.

Capítulo 4

226 PASK, Gordon. A comment, a case history and a Plan... p. 77. Moles has pointed out that its information

structure is tailored to suit a, b and c [...]. Condition d is satisfied implicitly and often in a complex fashion that depends upon the sense modality used by the work. Thus, a painting does not move. But our interaction with it is dynamic for we scan it with our eyes, we attend to it selectively and our perceptual processes build up images of parts of it.[...]. Of course, a painting does not respond to us either. So, once again, it seems deficient with reference to d. But our internal representation of the picture, our active perception of it, does respond and does engage in an internal 'conversation' with the part of our mind responsible for immediate awareness [...]. “a”, “b” e “c” correspondem a atributos do que Pask

chama de Ambientes esteticamente potentes (aesthetically potent environments). “a” se refere à importância da existência de variedade para engajar o visitante; “b” às formas criativas que estimulem níveis de abstração; “c” às dicas e instruções para guiar os processos criativo e de aprendizado e “d” à importância de engajar o homem em uma conversação e se adaptar ao modo predominante de discurso.

227 PASK, Gordon. A comment, a case history and a Plan... p. 76. “If I look at a picture, I am biased to be a

viewer, though in a sense I can and do repaint my internal representation. If I play with a reactive and adaptive environment, I can alternate the roles of painter and viewer at will. Whether there is virtue in this, I do not know. But there might be”.

132 Quando este raio atingia o espelho no interior do corpo da fêmea, esta girava o espelho de forma a atingir os sensores de luz acima e abaixo do corpo de a l u m í n i o d o s m a c h o s . O s espectadores poderiam, a partir do uso de lâmpadas e espelhos, interferir no processo ao assumir o papel dos móbiles229.

Ao avaliar o papel da tecnologia na produção de espaços e obras de arte ditos interativos, a discussão se volta para a responsabilidade no design: de e s p a ç o s f í s i c o s , d i g i t a i s , híbridos e das possibilidades de interação (no sentido da conversação de Gordon Pask). Presenciamos uma explosão de interfaces muito limitadas, que não exploram as possibilidades do computador para nos libertar para o diálogo, mas ainda assim são chamadas de interativas. A importância deste espaços responsivos deve ser constantemente avaliada. Como contraponto, nota-se o surgimento de experimentos que questionam o papel da tecnologia na sociedade e mais importante, o papel do indivíduo nesta sociedade. 

Por um lado, a arte foi ingênua ou incompetente ao tentar introduzir a tecnologia na década de 1970 (como afirma Burnham), e tal fato alimentou o desejo dos defensores de uma arte elitista de "limpar" a arte pura do tecnicismo que foi apresentado no período. Hoje, porém, não podemos nos basear na mesma premissa. Independente dos motivos pelos quais a tecnologia tenha se difundido, o fato é que ela permeou as casas, ganhou o espaço urbano e A Cibernética como arcabouço para a avaliação dos museus

229 ROSEN, Margit, em descrição da obra de Pask em http://www.medienkunstnetz.de/works/colloquy-

of-mobiles/, acesso em 26/03/2011.

FIGURA 20 – Colloquy of Mobiles de Gordon Pask, 1968 Fonte: MEDIENKUNSTNETZ [2010] http:// www.medienkunstnetz.de/works/colloquy-of-mobiles/

133 influencia hoje todas as esferas do espaço do homem. Estranho seria se ela também não refletisse sua ubiqüidade na arte e seu espaço de exposição, como expressão da sociedade em que vivemos e que devemos questionar. Como questiona Pias, a mídia arte contemporânea ainda mantém fortes laços com a computer art da década de 1960, mesmo que não utilize o mesmo termo230. Mas com os constantes desenvolvimentos tecnológicos, este campo

pode avançar muito para além do computador, ganhando sua autonomia, isto é, se livrando do conceito do computador e da tecnologia como fim e aproximando dos mesmos como meios para atingir a conversação.

As novas possibilidades propiciadas pelo desenvolvimento das TICs devem ser exploradas nos campos artísticos porque podem abrir novos canais de negociação e formação da comunidade. As artes suportadas por tais tecnologias não podem ser vistas somente como experimentos científicos sem qualidade artística.

4.8 Apontamentos da cibernética rumo a ambientes interativos de