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1.3 C ONCEITUAÇÃO DE C ULTURA P OPULAR

1.4.2 A INDA OS PRIMEIROS : CASAMENTO , EMPREGO

Após um namoro com muitas idas e vindas, Tom se casa em 1949, com Thereza Hermanny, amiga de Helena, sua irmã e companheira de praia. Ele tinha 22 anos, ela apenas dezenove. Esse casamento lhe deu dois filhos: Paulo (nascido em 1950) e Elizabeth Hermanny Jobim (nascida em 1956).

Como ganhava muito pouco, aceitou as condições impostas pela família da noiva, e assinou um contrato pré-nupcial, abrindo mão de qualquer participação nos bens da esposa. Embora não fossem abastados, o Sr. Arthur Hermanny (o Alemãozão) não quis arriscar suas economias com um menos estudante de Arquitetura20 e mais aspirante a músico. Foi por isso que seu padrasto, Celso Frota Pessoa, preferiu ele mesmo garantir o sustento da nova família, e estimulou-o a dedicar-se à música, ainda que isso significasse que, por algum tempo, tivesse de sustentar o enteado e sua mulher. No entanto, exatos nove meses depois do casamento, nasceu Paulo; e Tom se aflige comsua situação financeira.

Através de um pedido do seu padrinho Marcello Brasileiro de Almeida, emprega-se como pianista na Rádio Clube e depois em casas noturnas. Essa situação era desconfortante, pois desconsiderava sua formação clássica. Poucas pessoas, evidentemente, prestavam atenção às músicas que ele tocava, e muito menos ainda ele tinha chance de apresentar suas composições. Como gostava do que fazia e queria aprender cada vez mais, passou a se dedicar aos estudos de orquestração e harmonia. Logo percebeu que sua sobrevivência econômica dependia do seu desenvolvimento como músico, e que não poderia permanecer por muito tempo na rotina de notívago. Além de pôr em risco sua saúde, já afetada pelas noites mal dormidas, pela bebida e pelo cigarro, essa rotina o irritava profundamente: era sempre obrigado a cantar o que

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Tom Jobim cursou apenas um ano de Arquitetura, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e abandonou a faculdade e o emprego no escritório do famoso Lucio Costa pela música.

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o público e o dono do bar queriam ouvir. Já nessa época, Tom costumava andar com uma pastinha debaixo do braço, cheia de suas composições, e de vez em quando mostrava para um ou outro amigo. Sempre recebia comentários elogiosos, mas não tinha coragem nem chance de gravá-las. “Ia todo dia à avenida Rio Branco, com aquela pastinha. Ia ao Veloso com aquela pastinha. O pessoal me gozava: ‘o que é que você tem aí dentro da pastinha?’ Tinha arranjos... Lembro que uma vez eu fiquei ali no Veloso com a pastinha. Tomei uns vinte chopes. Quando fui para casa, senti a maleta pesada. Os caras tinham enchido de pedra e de terra, a pasta com os arranjos! Eu pensei: ‘Esse pessoal não presta mesmo...’”21.

Ciente de que precisava de um emprego regular, e cada vez mais amargurado por depender excessivamente da boa vontade do padrasto, em 1954 emprega-se na gravadora Discos Continental. Uma casa que seria fundamental para sua trajetória, pois tinha entre seus contratados, músicos do naipe de Dorival Caymmi, Pixinguinha, Ary Barroso e Jacob do Bandolim — todos nomes consagrados nacionalmente. Este seria um período de intenso aprendizado. Encanta- se com o fato de grandes peças musicais serem compostas por artistas que não sabiam ler uma partitura, mas que eram capazes de produzir pequenas jóias musicais. Na Continental, inclusive, torna-se o responsável por colocar nos pentagramas as músicas dos autores que não conheciam teoria musical. De certa forma, Tom tem a experiência de escrever a melodia/vida dos “outros”, de ser um mediador para esse tipo de registro e arquivamento. Não casualmente, torna-se um músico preocupado em “escrever e guardar”. É desse tempo sua parceria com Billy Blanco22, com quem dividiu seus primeiros grandes sucessos “Thereza da praia” e a “Sinfonia do Rio de Janeiro”.

Em 1956, aceita um convite para ser diretor artístico da gravadora Odeon, mas permanece por pouco tempo no cargo. Reclama que as atribuições diárias lhe roubam o tempo para compor. Aposta que pode obter reconhecimento e sucesso com sua música23, e decide não ter mais nenhum emprego formal. Quando desiste do

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Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi possível localizar a fonte inicial.

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William Blanco Abrunhosa Trindade nasceu em Belém do Pará, a 8 de maio de 1924 e reside no Rio de Janeiro. É arquiteto, músico, compositor e escritor. Foi parceiro de Tom e lançou com ele o primeiro disco de suas carreiras em 1956, Sinfonia do Rio de Janeiro.

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cargo da Odeon, anuncia o fato ao seu superior, Harold Morris, que tenta demovê-lo da idéia.

Eu disse: “Mr. Morris, não dá para ficar aqui, quero escrever arranjos”. Mr. Morris disse assim: “Quando você quiser um arranjo, você pega o telefone. Tem aqui quatro telefones na sua mesa”. Naquele tempo, o cara que tinha quatro telefones era um assombro. Eu me lembro que meu ordenado era um absurdo de 15 mil cruzeiros. Era tanto dinheiro que me mudei logo para um apartamento maior. Quando saí do cargo de diretor artístico da Odeon, Mr. Morris disse que não se podiam mudar as pintas do leopardo. Eu me senti maravilhoso – me senti “O Leopardo”24.

Produzir sua obra — compô-la, pensá-la, executá-la — torna-se então seu único trabalho. Embora com um início difícil e conflituoso, Tom conseguiu gravar algumas músicas no início dos anos 1950:

Algumas das minhas primeiras músicas foram gravadas pelo Ernani Filho, que era o cantor do Ary Barroso. Eu não tinha coragem de escrever uma música e entregar para um cantor. Certamente, ele jogaria fora, não valeria a pena... Mas a primeira música gravada foi “Incerteza”, pelo Mauricy Moura, um santista que morou em São Paulo. Ele gostou e gravou. Sempre me convidaram para gravar. Paulo Serrano, lá da Sinter, queria que eu fizesse um disco meu. Eu fugia do Paulo, apavorado: “Esse cara quer que eu seja cantor!”. Ernani gravou duas músicas minhas: “Pensando em você” e “Faz uma semana”, num mesmo 78 rotações, com arranjos muito bonitos do Lírio Panicalli. Eu fiz um foxtrote que está perdido por aí, chamado “Manhattan” em parceria com o Aloísio de Oliveira, num disco que ele mandou para os Estados Unidos. (Acervo ACJ, E14)