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Não há como determinar uma única maneira de trabalhar um documento de arquivo. Entretanto, podem-se demonstrar os fundamentos que orientaram a maneira correta para cada arquivo em particular, de modo que a mesma metodologia possa ser empregada em outros arquivos, desde que se levem em conta as especificidades do acervo em questão, de seu uso, das “respostas” que buscamos nos documentos. Essa quantidade de opções não é muito comum em outras carreiras, mas é o que confere dificuldade, desafio e maior satisfação na organização desse tipo de documento: “o curador de arquivos pessoais tem total liberdade para organizá-los de forma a atender às demandas da pesquisa (CAMARGO, 2007, p.10).

Embora ainda esteja em processo de organização, o plano de arranjo arquivístico para o acervo do IACJ foi definido e está dividido em três grandes categorias: Documentos Iconográficos, Audiovisuais e Textuais. Essas categorias subdividem-se em séries e subséries. Essa subdivisão, considerando os diferentes gêneros musicais e literários produzidos pelo titular do arquivo, vem sendo feita nas seguintes séries, por categoria:

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77 Documentos Textuais: Correspondência Pessoal, Correspondência Familiar,

Correspondência de Terceiros, Produção Intelectual de Terceiros, Produção Intelectual do Titular, Documentação Pessoal, Diversos, Publicação na Imprensa e Documentação Complementar.

Documentos Iconográficos: Desenhos, Fotos e Cartazes.

Documentos Audiovisuais: Fitas magnéticas, Álbuns (CDs e LPs) e Vídeos.

Na categoria Documentos Textuais, a série Correspondência (pessoal, familiar e de terceiros) é constituída de 890 documentos, num total de 1.371 folhas, totalizando 2.752 páginas. São cartas, cartões, bilhetes e telegramas enviados para e por Tom Jobim. Todos os documentos foram arquivados em ordem alfabética por remetente, formando a menor unidade no arquivo (dossiê) e, dentro deste, os documentos foram ordenados cronologicamente, ficando os sem data no final. Toda essa série já se encontra ordenada, medida, classificada e revisada, mas ainda não foram consideradas as cartas de e para os advogados de Tom31. Algumas cartas foram escritas rapidamente, à saída do correio, com rasuras e breves informações; e outras escritas detalhadamente, por dois ou três dias, merecendo até revisão da datilografia.

A respeito, concordamos que a correspondência não é mais apenas “um texto de onde se podiam simplesmente extrair informações, mas as cartas analisadas a partir de seu suporte material, dos códigos sociais utilizados e das formas lingüísticas empregadas” podem nos revelar pontos pouco contemplados em pesquisa. (VENANCIO, 2004, p. 113). Isso quer dizer que o suporte, articulado com o conteúdo e a forma como foi escrita, torna a correspondência uma fonte rica para a investigação histórica. Angela de Castro Gomes, no seu prólogo do livro Escrita de si; escrita da história, lembra-nos que o uso das fontes primárias (como objetos de estudo) está em franco pós-descobrimento. Elas estão situadas em “um novo espaço de investigação histórica — aquele do privado, de onde deriva a presença das mulheres e dos chamados homens ‘comuns’ — e os novos objetos, metodologias e fontes que se descortinam diante dele” (GOMES, 2004, p.9)

A série Produção Intelectual do Titular reúne 2.431 documentos com 9.586 folhas, totalizando 22.502 páginas, cobrindo o período que vai de 1948 a 1994. Os

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documentos foram agrupados em subséries, levando-se em consideração os diferentes gêneros produzidos por Antonio Carlos Jobim: Artigo, Contracapa de disco, Letra de música, Memórias, Orelha de livro, Partitura, Poema32. Dentro de cada subsérie os documentos estão ordenados em ordem alfabética de título, destacando-se seus 33 cadernos de anotações. Esse material será trabalhado, mais à frente, no capítulo 3.

A série Produção Intelectual de Terceiros agrupa 161 trabalhos de outras pessoas, que foram reunidos por Antonio Carlos Jobim, contendo 1.093 folhas, totalizando 2.186 páginas. Os documentos estão arquivados em ordem alfabética pelo último sobrenome do autor, seguido do prenome e do nome. Nessa coleção não estão apenas os documentos que mencionam o maestro, mas também os documentos que foram dados, como presentes, por amigos poetas e músicos. Tom anotava tudo o que achava interessante, principalmente sobre o que produzia, mas, com a mesma atenção, acumulava tudo o que conseguia reunir das obras de outros compositores. Como exemplo: há o roteiro para Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes, e outros 92 documentos que estão no fundo ACJ, só desse autor. Há onze letras de música de Chico Buarque, artigos de Lucio Costa e Sérgio Cabral, esboços de Johnny Alf, a inesquecível “Teresa da praia”, do parceiro Billy Blanco, além de documentos de Luis Bonfá, Cacaso, Lucio Cardoso, Eumir Deodato, Cacá Diegues, entre outros. Aqui estão: o poema “Time present and time past”, de T. S. Elliot, título propício para figurar no seu arquivo pessoal; Hamlet, de Shakespeare; “Clea”, letra de música de Alberto de Oliveira e outros.

A série Produção Intelectual Não-identificada possui 22 documentos com 92 folhas, totalizando 184 páginas. São poemas e extratos de textos que não puderam ter sua autoria identificada seguramente, e que só poderiam ter, e assim ganhar significado maior, na presença do autor. Várias elocubrações podem ser feitas, comparando caligrafias, datas, sentidos etc., mas não há meios seguros de identificação de alguns documentos.

A série Diversos possui 122 documentos contendo 613 folhas, totalizando 1.226 páginas. São outros tipos documentais, diferentes dos mencionados

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Definimos a subsérie como “Poema” e não Poesia, pois, de acordo com Gilberto Mendonça Telles, esta é um estado de emoção, real, espiritual, imaginária ou onírica; e poema é o resultado físico dessa emoção, é essa emoção posta em linguagem. (Essa informação foi aprendida com o próprio, em conversas pessoais, mas esse discurso pode ser aprendido em seus livros.)

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anteriormente, sem que sejam destituídos de importância. Ou seja, mesmo que os fôlderes de peças, convites a eventos, listas dos prêmios recebidos pelo titular, crachás de seus shows e abaixo-assinados configurem uma documentação um pouco mais esparsa, são considerados fundamentais para uma pesquisa histórica.

A série Documentação Complementar constitui-se de 280 documentos recebidos pelos familiares imediatamente após a morte do titular até um ano posterior, contendo 499 folhas, perfazendo um total de 998 páginas. Aqui encontram-se, por exemplo, os numerosos telegramas de pêsames à família Jobim, os livros de presença do velório e o registro das homenagens póstumas.

A série Documentação Pessoal é integrada por trinta documentos relacionados à vida civil de Antonio Carlos Jobim, contendo 597 folhas, num total de 1.194 páginas. Entre outros, encontram-se: carteiras de identificação, passaporte e contratos de edição de várias músicas e discos seus.

A série Publicação na Imprensa abriga a seleção de jornais e revistas que Tom e suas esposas tiveram o cuidado de manter. Essa hemeroteca é composta por 6.432 recortes de jornal, com tamanhos diferenciados, abrangendo um período que vai de 1952 a 1994, e possuem, em maior quantidade, recortes do Jornal do Brasil, O Globo, O Cruzeiro e da revista Manchete. O primeiro recorte de jornal é um anúncio para o concurso de pianista do Coro do Teatro Municipal (provavelmente, uma sugestão de sua professora, Lucia Branco), e os últimos noticiam seu falecimento.

O conjunto Documentos Iconográficos possui cerca de 10.000 fotografias e cromos, desenhos e esboços e cartazes de seus principais shows. Esta categoria abrange o período que vai de 191633, com fotografias dos pais de Antonio Carlos Jobim ainda solteiros, passando por toda sua infância, até 1995, homenagens póstumas. Os desenhos são, na maioria, do próprio Tom e seus temas prediletos são os pássaros e as mulheres. Aparecem também esboços, desenhos e cálculos arquitetônicos feitos junto com seu filho Paulo Jobim, exercitando a outra carreira que ambos tinham em comum, a Arquitetura34. Entre os cartazes destaco, não pelo ineditismo, mas pelo carinho, o do show Antonio Carlos Jobim em Viena, de 1986 —

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Data estimada.

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Esses desenhos, cálculos e esboços são das duas casas de Tom, projetadas por pai e filho e serão melhores descritas no capítulo 3.

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que foi o primeiro grande show de gala da Banda Nova com a formação que perdurou até a morte de seu idealizador35.

Os Documentos Audiovisuais abrangem várias de suas músicas, os filmes e os documentários para os quais o maestro compôs trilha sonora, e que foram guardados em VHS, K7, Beta, fitas de rolo e LPs. Além desses, o principal material guardado nas 126 fitas cassetes é o que diz respeito às composições feitas pelo próprio Tom, em sua casa. Diz Paulo Jobim à Camila Pires sobre o processo de criação de Tom:

Meu pai ficava ao piano praticamente o dia todo. Ele ficava várias horas tocando e mudando de tom. Experimentando melodias, modulações, ligações de uma parte com a outra... Para mim, isso fazia parte do dia. Eu saía de casa, voltava e estavam aquelas músicas acontecendo, entrando pelo ouvido. No princípio, as músicas eram um rascunho meio aberto. Mas, ele escrevia a partitura na hora, ainda que só a melodia, para não esquecer. De vez em quando, a gente acha [no acervo guardado no IACJ] umas fitas de ele ainda fazendo a música e partituras incompletas, só com a melodia. Era um lembrete para ele, mas não conseguimos saber qual era a harmonia. (PIRES, 2007)

E, nesta categoria também está previsto espaço de armazenamento e trabalho de descrição de toda sua musicografia atualizada, incluindo as versões e reedições de sua obra em CDs e DVDs e as milhares de gravações de outros músicos — ou seja, um trabalho hercúleo. Para que se tenha uma idéia, foram digitalizadas do acervo de Jobim cerca de trezentas horas de gravação (entre elas, 120 fitas cassetes com exercícios de composição), e ainda restam outras trezentas horas divididas em LPs, VHS e incontáveis regravações e versões de suas músicas, além dos produtos que foram fabricados através de pesquisa no acervo, sem terem sido exatamente feitos por Tom, mas que partiram de sua “outra obra”: seu arquivo. É o caso dos CD e DVD Jobim Sinfônico, de 2003; do CD Antonio Carlos Jobim em Minas, ao vivo, piano e voz, de 2005; e, mais recentemente, do DVD A casa do Tom, isso para citar apenas os que têm sua autoria direta.

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Devo mencionar também que durante muito tempo esse cartaz esteve na minha sala, sobre minha mesa, como que fazendo parte do meu trabalho.

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Fonte de grande discussão, incluindo as fronteiras da carreira de arquivista, o acervo de Tom possui ainda cerca de 120 Documentos Museológicos doados até o início desta pesquisa, em 2007, e aceitos por se constituírem também em documentos da vida do titular. Entre os mais curiosos estão 37 óculos, duas caixas de charutos, que serviam para guardar, por exemplo, as notas fiscais da Churrascaria Plataforma assinadas (com a conta de toda a mesa) e uma maleta de luxo encomendada para acondicionar a coleção de apitos de passarinhos, além das 55 estátuas, medalhas de prêmios e homenagens. Mesmo se sentindo a ausência de alguns prêmios, quase todos estão lá.

Algumas planilhas eletrônicas36 foram confeccionadas para o trabalho de descrição, por conta da especificidade dos documentos, divididas pelas categorias do plano de arranjo: Documentos Textuais, Documentos Iconográficos e Documentos Audiovisuais. Vale ainda observar o rigor com a descrição dos documentos em cada planilha eletrônica do banco de dados: