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A Independência Financeira dos Municípios Portugueses e a Descentralização

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

V.X A Independência Financeira dos Municípios Portugueses e a Descentralização

e a Descentralização

A independência financeira respeita à capacidade de cada Município, para suportar com receitas próprias, as suas despesas, sendo importante avaliar o peso das receitas fiscais no total da receita. Contudo, para além da natural evolução que este indicador possa ter, fruto de uma eventual variação socioeconómica, há a considerar também a variável “competências”, uma vez que quanto maior for a amplitude das competências atribuídas aos Municípios, será necessário reforçar proporcionalmente a sua capacidade fiscal própria, por forma a que estes mantenham a sua independência financeira, pois caso a opção de financiamento das novas competências seja

Página 132 qualquer outra, poderão estar assegurados os recursos, mas perder-se-á independência e autonomia.

Nesse sentido, apontam as conclusões do Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses 2007, no qual os autores referem:

“…é bem demonstrativa da necessidade de se reforçar a percentagem de recursos públicos a repartir entre Estado e municípios, residindo nesta opção o reforço da autonomia financeira local e a promoção da coesão territorial, em consonância com o princípio da solidariedade recíproca entre as diferentes formas de administrações públicas. Será, ainda, uma forma de tornar os municípios menos dependentes das receitas oriundas da construção civil.”200

No contexto político-administrativo e da gestão pública, “descentralizar” significa o processo através do qual os entes públicos da Administração Central, decidem/negoceiam a transferência de competências que lhes estavam atribuídas, para passarem a ser desempenhadas por órgãos da Administração ao nível sub-nacional. A este propósito convém alertar para a necessidade de estabelecer a clara distinção entre este conceito e o conceito de “desconcentrar”, o qual significa a delegação de competências num outro órgão (normalmente pertencente à mesma estrutura orgânica/tutela) sem que se verifique perda do poder de decisão.

Diversos têm sido os esforços no sentido de melhorar a vida do poder local, desde a assunção da Associação Nacional de Municípios como representante dos interesses do Poder Local, até às últimas alterações legislativas no âmbito do financiamento das Autarquias Locais e no âmbito da transferência de competências para estas. Todavia, e tal como refere Bilhim (2004) “…apesar de

todos os esforços empreendidos no sentido de melhorar a vida do poder local, o que se pode observar é que a carência de recursos próprios e consequente necessidade de financiamentos centrais têm-se mantido até aos nossos dias”. 201

A este propósito o mesmo autor refere:

“O grau de dependência das receitas da Administração Central parece estar relacionado com o nível de desenvolvimento económico dos concelhos. A autonomia financeira dos Municípios advém fundamentalmente de receitas fiscais próprias que possibilitam uma menor dependência das verbas da Administração Central.”202

200 Ver [50]: Carvalho, João, Fernandes Maria J., Camões, Pedro, Jorge, Susana, (2007), Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses

2007, p. 67.

201 Ver [6]: Bilhim, João, (2004), A Governação nas Autarquias Locais, p. 12. 202 Ver [6]: Op. Cit., p. 12.

Página 133 Após a tensão entre o centro e a periferia vivida pelos Municípios portugueses durante o Estado Novo, de um âmbito restrito e taxativo de competências passámos para um leque alargado de âmbito geral e em que se verifica um certo espartilho financeiro. Mesmo com um âmbito já alargado de competências, os Municípios ambicionam inúmeras outras, que o Estado ainda reserva para si.

“Enfim, a descentralização de competências (o que fazer) parece ser mais polémica do que a financeira (como pagar). Há quem afirme que os Municípios possuem competências a mais e quem afirme que as têm a menos, uns e outros não se cansam de ilustrar com exemplos que lhes são favoráveis. Talvez esta seja a nossa condição de vida, na caminhada dinâmica para o aperfeiçoamento do sistema.”203

O nível de independência no exercício das suas atribuições e competências por parte das Autarquias Locais, está relacionado com a forma com que cada Estado aplica a Carta Europeia de Autonomia Local, designadamente no que respeita ao conceito de Autonomia Local, entendendo- -se como “…o direito e a capacidade efectiva de as autarquias locais regulamentarem e gerirem,

nos termos da lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos”204.

Assim compete a cada Estado estabelecer os termos e os limites de tais competências, bem como da afectação dos respectivos meios necessários à sua execução. Logo compete ao Estado definir e afinar o modelo que garanta a Autonomia Local e assegure uma verdadeira independência da Administração Central, salvaguardando a necessária correcção de desigualdades entre Autarquias do mesmo grau.

Fazendo jus à capacidade efectiva referida no parágrafo anterior e transcrita da Carta Europeia de Autonomia Local, também este documento, dedica o seu art.º 9º aos recursos financeiros das Autarquias Locais, designadamente:

1. As autarquias locais têm direito, no âmbito da política económica nacional, a recursos próprios adequados, dos quais podem dispor livremente no exercício das suas atribuições.

2. Os recursos financeiros das autarquias locais devem ser proporcionais às atribuições previstas pela Constituição ou por lei.

3. Pelo menos uma parte dos recursos financeiros das autarquias locais deve provir de rendimentos e de impostos locais, tendo estas o poder de fixar a taxa dentro dos limites da lei.

203 Ver [6]: Bilhim, João, (2004), A Governação nas Autarquias Locais, p. 12.

Página 134 4. Os sistemas financeiros nos quais se baseiam os recursos de que dispõem as autarquias locais devem ser de natureza suficientemente diversificada e evolutiva de modo a permitir-lhes seguir, tanto quanto possível na prática, a evolução real dos custos do exercício das suas atribuições.

5. A protecção das autarquias locais financeiramente mais fracas exige a implementação de processos de perequação financeira ou de medidas equivalentes destinadas a corrigir os efeitos da repartição desigual das fontes potenciais de financiamento, bem como dos encargos que lhes incumbem. Tais processos ou medidas não devem reduzir a liberdade de opção das autarquias locais no seu próprio domínio de responsabilidade.

6. As autarquias locais devem ser consultadas, de maneira adequada, sobre as modalidades de atribuição dos recursos que lhes são redistribuídos.

7. Na medida do possível os subsídios concedidos às autarquias locais não devem ser destinados ao financiamento de projectos específicos. A concessão de subsídios não deve prejudicar a liberdade fundamental da política das autarquias locais no seu próprio domínio de atribuições.

8. A fim de financiar as suas próprias despesas de investimento as autarquias locais devem ter acesso, nos termos da lei, ao mercado nacional de capitais.

Como se pode constatar, a Carta Europeia de Autonomia Local procura salvaguardar o equilíbrio na distribuição dos recursos em função da repartição das competências, acautelando um adequado nível de recursos próprios (de gestão livre), uma natureza diversificada e evolutiva dos recursos, a protecção das Autarquias Locais financeiramente com menor capacidade para gerar receitas, a consulta sobre assuntos do seu interesse, designadamente em matéria de atribuição e redistribuição de recursos, o princípio da não especificidade em matéria de atribuição de subsídios a favor destas e ainda a sua possibilidade de acesso ao mercado nacional de capitais.

Ao nível dos Municípios a descentralização revela-se também ao nível político, pela autonomia que lhe é conferida pela CRP e que se materializa no facto de ter órgãos executivo e legislativo que são eleitos democraticamente e autonomamente em relação ao poder central.205

Também a aproximação jurídico-política ao nível municipal é superior, na medida em que o munícipe participa no exercício do poder municipal, seja através do sufrágio, elegendo e podendo ser eleito,206 seja nos referendos locais sobre as matérias incluídas nas competências dos órgãos

municipais, seja ainda através do exercício de direitos políticos, como os de petição, de representação e de reclamação.

205 Ver [79]: Constituição da República Portuguesa – Sétima revisão – Lei Constitucional n.º 1/2005 de 12 de Agosto, art.os 239º & 250º. 206 Ver [79]: Idem, art.os 49º & 240.

Página 135 Por outro lado o munícipe é, enquanto tal, tributado em favor do município, seja por via das receitas liquidadas como impostos directos do Estado, seja por outras receitas tributárias municipais previstas na lei.207

A realidade que os Municípios portugueses nos apresentam208, mostra que apesar de melhorias

mínimas no que respeita à independência financeira, os grandes Municípios e boa parte dos de média dimensão (essencialmente os localizados junto ao litoral) são os que apresentam maior independência financeira, fruto essencialmente do aumento dos impostos directos e indirectos, mas também do volume da receita proveniente das taxas e licenças que cobram, concluindo-se portanto que tal independência estará associada aos movimentos populacionais, ficando assim prejudicados os Municípios localizados mais no interior, com menor população, menor capacidade fiscal e maiores desigualdades, logo mais dependentes das transferências do OE.

No Algarve, em 2007 os Municípios de Loulé, Albufeira, Lagoa, Lagos, Portimão, Tavira, Vila Real de Santo António, Faro e Silves encontravam-se entre os 40 com maior independência financeira a nível nacional. Já Alcoutim, era o único Município algarvio que nesse ano figurava entre os 50 com pior independência financeira, ocupando a 27ª posição a nível nacional.

Os movimentos descentralizadores dominam cada vez mais a acção da governação pública, particularmente nas designadas sociedades ocidentais, os modelos seguidos é que nem sempre são coincidentes.

Como ficou claro, a aplicação do princípio constitucional da descentralização, tem implícito um sentido de justiça na repartição do poder e dos recursos entre o estado e o Municípios em função da melhor capacidade para o exercício das atribuições e competências (transferência de poderes, competências, legitimidade democrática e orçamentos próprios), sendo portanto um exercício de avaliação quase constante, para aferir quem estará melhor habilitado para desempenhar melhor determinada competência e preferencialmente com menos recursos.

207 Ver [79]: Constituição da República Portuguesa – Sétima revisão – Lei Constitucional n.º 1/2005 de 12 de Agosto, art.º 254º, n.º 1. 208 Ver [72]: Carvalho, João, Fernandes Maria J., Camões, Pedro, Jorge, Susana, (2007), Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses

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