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A Descentralização – Uma questão de eficiência e o efeito flypaper nas transferências para os

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

V.XI Descentralização ou Centralização – Diferentes Correntes de Opinião

V.XI.II A Descentralização – Uma questão de eficiência e o efeito flypaper nas transferências para os

flypaper nas transferências para os municípios portugueses

O debate sobre a reforma do Estado tem constantemente a descentralização como um de seus pontos centrais de discussão, afinal esse é um dos pilares da nossa Constituição, desde a sua primeira versão.

O princípio da subsidiariedade, como já vimos, tem subjacente a descentralização administrativa e, implicitamente, a necessidade de meios para a efectiva descentralização e garantia de maior aproximação às populações e o respeito pelos princípios da autonomia e da solidariedade.

Assim, a descentralização prevista na CRP, visa essencialmente reconhecer a capacidade e devolver o poder aos actores locais para exercerem competências em áreas que lhes dizem directamente respeito, com maior eficiência. Por outro lado, o exercício de tais competências, no respeito do princípio da autonomia, pressupõe para além de uma descentralização administrativa, também uma efectiva descentralização de recursos, designadamente uma maior descentralização fiscal, por forma a uma melhor aproximação às populações (que serão o elemento fiscalizador por excelência da actuação dos governos sub-nacionais), tal parece revelar-se essencial à melhoria no que respeita à partilha e gestão dos recursos públicos, bem como à concretização do princípio da autonomia.

A este respeito e para além do já enunciado nos capítulos anteriores, ainda que enquadrado num capítulo sobre as finanças regionais, Rocha (2005) escreve:

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“Para uma mais saudável relação entre a Administração Central e a Local, é aconselhável que não seja a Administração Central a arrecadar os recursos, principalmente os impostos, e a Administração Local, e no caso, as regiões administrativas, a gastá-los. Caso contrário, a autonomia sairá, mais cedo ou mais tarde, diminuída. Mais: não seria compatível a configuração jurídico-constitucional das Autarquias Locais, com a sua absoluta dependência económica e financeira da Administração Central. A autonomia local manifesta-se, também, pela capacidade de as autarquias automaticamente arrecadarem as suas receitas e aplicá-las em favor das respectivas populações. (…) Por outro lado não podemos fechar os olhos às relações existentes entre o poder central e os municípios. Todos sabemos que a par das transferências financeiras legalmente previstas, existem outros mecanismos de financiamento de projectos, com importância relevante a nível local, e que a decisão do seu destino não escapa muitas vezes a uma “vertente de latência e de subterraneidade, presente naquilo que acreditamos serem labirintos inerentes aos procedimentos políticos.”249250

Para além do suporte constitucional para o princípio da descentralização, por muitos defendido, o princípio de que quem não é taxado não é representado, surge também assim para justificar um maior peso das receitas fiscais municipais, no bolo das suas receitas, e para demonstrar a sua necessidade desde logo para aproximar os cidadãos por estes se sentirem mais representados ao nível local, logo com mais direito a participar e a exigir.

A transferência massificada de competências enquanto forma de descentralização, não é necessariamente um tema objecto de consensos, desde logo porque os interesses, apesar de aparentemente coincidentes, na realidade podem conter algumas divergências, designadamente enquanto alguns organismos absorvem novas competências, outros vêm o seu âmbito esvaziar-se e em alguns casos poderão mesmo temer pela perda de fundamento orgânico, motivando a sua extinção (esquecendo o interesse social), mas para além disso, há a ter em conta que o território não é homogéneo e que em cada território poderão observar-se necessidades de intervenção de diversa ordem, completamente distintas de outro território.

Para Zbyszewski (2006), o importante será desde logo, encontrar a forma mais eficiente para exercer a “função de afectação”251, a qual na sua opinião “…é pois exercida em larga medida pelos

249 O autor cita Ruivo, Fernando, (2000), O Estado Labiríntico, p.24.

250 Ver [31]: Rocha, José António (2005), Regionalização no Âmbito da Gestão Autárquica, pp. 233-234.

251 O autor remete para a definição de Musgrave, Robert A. & Peggy Musgrave (1989), Public Finance in Theory and Pratice. Assim define a

função de afectação ou alocação como o processo pelo qual os recursos orçamentais são divididos entre bens sociais e bens privados e é escolhido o conjunto de bens sociais a fornecer. As políticas reguladoras podem também ser incluídas no conceito de afectação, segundo o mesmo autor.

Página 153 municípios, tendo em conta a sua proximidade dos destinatários da provisão pública que teoricamente lhes permite conhecer melhor as suas preferências.”252

Para este autor:

“a provisão eficiente de bens e serviços varia conforme a sua natureza pública ou privada. Considera-se público, um bem ou serviço em que não existe rivalidade no consumo ou utilização, isto é em que a sua utilização ou consumo não impede a utilização ou consumo por outro indivíduo e em que não é possível a exclusão do consumidor ou utilizador. Se o consumo for rival e for possível a exclusão, o bem ou serviço terá características de bem ou serviço privado.”

O autor refere uma terceira categoria de bens (mistos) para os quais se verifica um grau imperfeito de rivalidade, traduzida pela não existência de impossibilidade de utilização e pela possibilidade de existir degradação da provisão, mantendo-se a capacidade de exclusão.

Assim é necessário primeiro aferir a natureza dos bens ou serviços por forma a determinar a provisão mais eficiente. No caso dos bens privados, “o preço de mercado, formado em mercados abertos e competitivos, tenderá a ser eficiente” e para que se verifique eficiência na afectação, “as

taxas marginais de substituição no consumo devem ser as mesmas para todos os consumidores (todos devem valorizar da mesma forma os bens em presença no mercado) e iguais à taxa de transformação da produção do mercado (a capacidade de absorção do mercado deve estar próxima da capacidade de produção)”, já no caso dos bens públicos, “uma vez que as preferências individuais não são reveladas, embora existam”, não pode recorrer ao mercado como

instrumento regulador, pelo que estes são fornecidos em “determinada quantidade, sendo igual

para todos os cidadãos e financiado por todos (…). O preço pode nestes casos ser determinado, considerando a proporção de imposto pago por cada unidade adicional de bem ou serviço fornecida” e para que se verifique eficiência na afectação é necessário que “a soma das taxas marginais de substituição no consumo iguale a taxa marginal de substituição na produção, tendo presente que os bens são não rivais no consumo e que a mesma quantidade é consumida por cada um.” 253

O autor prossegue apresentando uma classificação de um conjunto de bens e serviços dos Municípios, efectuando de seguida uma análise às funções de distribuição, estabilização e coordenação.254

252 Ver [40]: Zbyszewski, João Paulo, (2006), O Financiamento das Autarquias Locais Portuguesas: Um Estudo Sobre a Provisão Pública

Municipal, p. 146.

253 Ver [40]: Zbyszewski, João Paulo, (2006), O Financiamento das Autarquias Locais Portuguesas: Um Estudo Sobre a Provisão Pública

Municipal, p. 147.

Página 154 Após a análise que acabamos de reportar, o autor inicia o estudo à racionalidade da descentralização da despesa pública, o que nas suas palavras, interessa “entender quais as

funções económicas que são descentralizáveis. Trata-se de estabelecer a escala ou o nível da Administração que maximiza o bem-estar social, isto é, que melhor conjuga o bem-estar e a utilização económica dos recursos.”255

O autor centra a análise na descentralização ao nível da realidade municipal e baseia-se na classificação de funções efectuada anteriormente, aplicando-lhe a teoria económica, referindo que os Municípios fornecem em geral bens e serviços de natureza predominantemente pública, ainda que forneçam também bens cujo consumo é rival e onde a exclusão é possível, podendo então ser encarados como privados. Contudo esta fronteira nem sempre é clara e existem bens com características mistas, públicas e privadas, o que leva o autor a questionar se “será que a

descentralização da provisão pública é aplicável, independentemente da natureza dos bens e serviços?” O autor chama ainda a atenção para a potencial existência de externalidades que

possam influenciar o processo e ainda que qualquer balanço deve ser feito no seu conjunto e não em função de uma ou outra competência.256

Para explicar a opção por descentralizar ou não, o autor começa então por colocar a questão se “será que as diversas funções exercidas pelo Estado são descentralizáveis?”

A eficácia e a eficiência são precisamente os conceitos chave que poderão ajudar a decidir racionalmente qualquer opção política de descentralização ou não descentralização, uma vez que a par do princípio em sentido descentralizador defendido constitucionalmente, há que avaliar a eficiência e a eficácia na afectação da provisão pública, se a afectação descentralizada mantém ou não homogeneidade na provisão, se seria ou não previsível a existência de maior variedade no que respeita à função de distribuição, e ainda efectuar uma análise cuidada quanto à existência ou não de externalidades, uma vez que tal poderá ser determinante para a decisão política de descentralizar ou não, pois apesar de tecnicamente possível, tal poderá não ser aconselhável, ou então necessitar de outros instrumentos de regulamentação que reduzam ou mesmo as eliminem.

A este propósito Zbyszewski (2006) escreve:

“A busca da eficiência na afectação conduz-nos a múltiplas jurisdições fiscais responsáveis pelo financiamento da provisão pública, o que nos leva a concluir pela

heterogeneidade da provisão pública na dimensão das jurisdições. Algumas

distorções devem ser levadas em conta, como por exemplo, o facto do modelo de

255 Ver [40]: Op. Cit., p. 161.

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Musgrave considerar as preferências iguais, quando não o são e existirem perdas de economias de escala” 257

Este autor continua apontando ainda outras dificuldades para a descentralização da afectação, designadamente um potencial congestionamento da provisão por sobreutilização (podendo degradar o serviço), a possibilidade da provisão ultrapassar os limites geográficos da jurisdição, tornando-a ineficiente ou exigindo correcções entre jurisdições, apontando soluções como o associativismo autárquico para ultrapassar tal constrangimento.

O autor adianta também que Tiebout considera: “a mobilidade pode apresentar

também dificuldades para uma provisão descentralizada e eficiente quando o processo e a revelação a escolha por parte dos residentes se manifeste na mudança de uma jurisdição para outra mais favorável – é o que denominou de “votação com os pés” (voting by feet).” 258

“No que concerne à função de distribuição, a sua descentralização conduziria teoricamente a uma maior variedade na provisão pública, desde que os bens ou serviços fossem de âmbito local. Musgrave no entanto considera que a existência de mobilidade entre jurisdições anularia o efeito de redistribuição ou reduziria consideravelmente a equidade do sistema, permitindo a “fuga” de residentes para outra jurisdição mais favorável. Embora considerando a mobilidade como um factor decisivo Musgrave não parece atribuir-lhe a importância que a sua ausência tem nos países que integram a União Europeia.” 259

“No que concerne à função de estabilização, a sua intervenção centra-se sobretudo ao nível do controlo da inflação (portanto dos preços e salários) e do emprego (fomento das políticas de emprego). A existência de externalidades é evidente nos dois casos, o que faz crer que a centralização é a melhor opção.” 260

Visando devolver maior liberdade de escolha à sociedade e promover maior vitalidade social às instituições, em 2002, Moreira defendia a urgência de reequacionar o papel do Estado na sociedade, no sentido de a libertar de um intervencionismo que o autor considera de efeitos perversos, por forma a evitar os danos provocados por uma situação em que "…ao tentar fazer de

mais, o Estado acaba por não fazer bem aquilo que é essencial e prioritário."261

257 Ver [40]: Zbyszewski, João Paulo, (2006), O Financiamento das Autarquias Locais Portuguesas: Um Estudo Sobre a Provisão Pública

Municipal, p. 162.

258 Ver [40]: Op. Cit., p. 163. 259 Ver [40]: Op. Cit., pp. 163-164.

260 Ver [40]: Zbyszewski, João Paulo, (2006), O Financiamento das Autarquias Locais Portuguesas: Um Estudo Sobre a Provisão Pública

Municipal, p. 164.

Página 156 Para este autor, é fundamental uma avaliação rigorosa dos serviços governamentais, quer quanto à sua efectiva necessidade (tendo por base o princípio da subsidiariedade), quer quanto aos critérios de eficiência, uma vez que é fundamental avaliar o nível de rigor praticado na sua prestação, por forma a verificar se os mesmos não poderão ser fornecidos de forma mais vantajosa pelo sector privado, ou ainda quando existe um argumento forte a favor da provisão pública, deve ser ponderada a eventual provisão pelos poderes e administrações locais.262

Crítico do actual Estado-Providência, o autor entende que o Estado deve ser menos fornecedor e mais regulador, assim defende um "Estado mais regulador e fiscalizador e menos prestador de

serviços."263 Adianta ainda que apenas dessa forma será possível que "…a máquina política e

administrativa tenha uma função ordenadora e não perturbadora ou entorpecedora da vitalidade da vida económica, social ou cultural".264

O autor destaca também a relação entre democracia e liberdade, acentuando em primeiro lugar que "…o liberalismo requer que todo o poder, e por isso também o da maioria, seja limitado."265

Depois, porque apresenta uma incompatibilidade entre a igualdade formal pela qual “combatem” os liberais e a noção, de concretização impossível numa sociedade livre, segundo a qual uma ordem só seria justa se as oportunidades iniciais de todos os indivíduos fossem à partida iguais.266

O autor defende assim uma sociedade livre, para a qual é essencial uma "ordem abstracta e independente dos objectivos, que esteja assegurada pela obediência a regras abstractas de conduta justa".267

Sempre orientado pelo princípio de uma sociedade livre, o autor desenvolve a crítica ao denominado Estado de Bem-Estar, o qual, na sua opinião, para além de ter efeitos contraproducentes, gera uma economia de interesses que vai minando quer o Estado, quer o livre mercado, defendendo antes uma sociedade de Bem-Estar, assente nas ideias já referidas.268

Assim, a descentralização é, cada vez mais, um instrumento mais ou menos consensual no que respeita à melhor promoção da eficiência na gestão dos recursos públicos, na medida em que devolve aos locais a responsabilidade pela gestão dos seus próprios recursos e na medida do possível, tal deverá desenvolver-se para além da orgânica do Estado, reconhecendo e respeitando

262 Ver [20]: Op. Cit., pp. 27-28.

263 Ver [20]: Op. Cit., p. 29. 264 Ver [20]: Op. Cit., p. 73. 265 Ver [20]: Op. Cit., p. 137. 266 Ver [20]: Op. Cit., pp. 135-140. 267 Ver [20]: Op. Cit., p. 140.

Página 157 a capacidade própria da pessoa humana em gerir melhor, por si ou em associações, os recursos para os fins que lhe são vitais.269

Parece assim assistir-se a uma opinião claramente favorável à descentralização270, pelo que este

deverá ser um processo a continuar, contudo, deverá ser realizado segundo regras que permitam simultaneamente manter um padrão de identidade e alguma coesão nacional entre os vários Municípios, mas permitindo-lhes alguma flexibilidade, a suficiente e necessária para adaptarem a sua aplicação às condições particulares e aos interesses da população local e indutora de alguma competitividade económico-social junto das estruturas de governo sub-nacionais, salvaguardando o não acréscimo no custo marginal por forma a, no mínimo, manter, mas preferencialmente, aumentar a eficácia e a eficiência na respectiva provisão.

Simultaneamente a Administração Central deverá assumir um reforço do seu papel regulador, definindo regras claras e fiscalizando a sua aplicação, pelo que se ressalva que qualquer movimento tendo em vista o reforço do princípio da subsidiariedade, deverá conduzir a um reforço da Administração Central, não no seu papel de prestador de serviços, mas antes no que respeita aos poderes de tutela271 e superintendência, ainda que salvaguardando o princípio da autonomia da Administração Local e Regional.

O Efeito Flypaper nas Transferências para os Municípios Portugueses:

Como vimos, uma política de descentralização administrativa, sem ser acompanhada pela correspondente descentralização fiscal, tenderá a revelar-se ineficiente, também nesse sentido aponta um estudo sobre o Efeito Flypaper272 nos Municípios Portugueses, de Rios & Costa

(2005)273, no qual os autores assumindo que as transferências inter-governamentais constituem a principal fonte de receita da generalidade dos municípios portugueses, partem para o estudo da possibilidade de existir um Efeito Flypaper nas despesas públicas locais. Assim, estudam as transferências inter-governamentais do tipo lump-sum274 para o caso português e os respectivos

269 Ver [20]: Op. Cit., p. 142.

270 Já o modo de a operar, não parece reunir tanto consenso, um bom exemplo foi a reprovação em referendo, no passado, da tentativa de

implementação do modelo regionalista, que aparentemente agora acolhe mais apoiantes, alguns dos quais, figuras públicas, que já declararam publicamente ser actualmente favoráveis ao modelo, mesmo tendo-o reprovado anteriormente.

271 De acordo com a Lei n.º 27/96, de 01de Agosto, actualmente esta tutela é exercida através da Inspecção-Geral de Finanças, que tem

competência para averiguar toda a matéria relacionada com a gestão patrimonial e financeira, e da Inspecção-Geral da Administração Local, que tem competência ao nível de toda a restante actividade administrativa.

272 O Efeito Flypaper baseia-se na teoria da ilusão fiscal por parte dos eleitores e reflecte a noção de que o montante transferido para um

governo tende a “fixar-se” no sector público, ou seja, uma unidade monetária adicional da transferência lump-sum tem um efeito maior na despesa do governo local do que um aumento de uma unidade monetária no rendimento dos residentes, quando optando pela via da baixa de impostos.

273 Ver [45]: Rios, Maria Emília & Costa, José da Silva, (2005), O Efeito Flypaper nas Transferências para os Municípios Portugueses, p. 106. 274 Caracteriza o tipo de transferências da Administração Central para as jurisdições de nível Local, em que o montante é fixo e entregue de

uma só vez, as quais alteram os recursos disponíveis nas respectivas jurisdições (efeito rendimento) sem alterar o preço relativo dos bens fornecidos pelo governo local.

Página 158 efeitos ao nível da despesa pública local e do rendimento disponível dos indivíduos da comunidade.

Neste estudo os autores concluem que resultados obtidos, aplicado ao caso português:

“…confirmam a existência do efeito flypaper nas transferências inter-governamentais para os municípios portugueses. Este efeito tem uma magnitude mais elevada nas despesas de capital do que nas despesas correntes. Confirma-se que as transferências gerais/incondicionais do tipo lump-sum estimulam mais as despesas públicas locais do que o rendimento da comunidade local, contrariando a teoria tradicional de que esses efeitos deveriam ser iguais em virtude das transferências do tipo lump-sum resultarem num “efeito-rendimento”. Incluindo no modelo as transferências específicas/condicionais combinadas, os resultados indicam que o efeito flypaper continua a verificar-se, apresentando uma magnitude menor nas despesas correntes e maior nas despesas de capital. No entanto, os resultados não confirmam a previsão teórica de que as transferências específicas/condicionais combinadas estimulam mais as despesas públicas locais do que as transferências gerais/incondicionais do tipo lump-sum. É possível que os resultados obtidos estejam relacionados com o fraco peso das transferências condicionais relativamente ao total das transferências, principalmente nas transferências correntes. Neste estudo, também se tomou em consideração a potencial endogeneidade das transferências, utilizando o método de estimação TSLS275 adicionalmente ao OLS276. Os resultados obtidos mostraram que o efeito flypaper é sensível à especificação econométrica das transferências, sendo substancialmente maior quando estimado por TSLS.

Relativamente às outras fontes de ilusão fiscal aqui analisadas (ilusão do inquilino/imposto-preço, complexidade fiscal e visibilidade fiscal), os resultados obtidos também fornecem uma forte sustentação empírica à teoria da ilusão fiscal, mas apenas em relação às despesas correntes.

Quanto à explicação do efeito flypaper, os resultados obtidos permitiram reconhecer a presença de ilusão fiscal por parte dos cidadãos. Também permitiram relacionar o efeito flypaper com a influência dos políticos no controle orçamental, em particular dos representantes da esquerda na Assembleia Municipal. Mas esta influência apenas se notou em relação às despesas correntes, o que faz sentido dado que as despesas correntes possuem uma enorme incidência redistributiva. Os resultados obtidos não permitem reconhecer a influência dos burocratas no efeito flypaper. Este

275 Método de estimação utilizado para analisar a endogeneidade ou exogeneidade das variáveis (do inglês Two-stage Least Squares ) 276 Método de estimação que assume que todas as variáveis explicativas são exógenas, incluindo as transferências (do inglês Ordinary Least

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resultado é curioso dada a importância que as transferências gerais/incondicionais do tipo lump-sum têm no financiamento dos municípios portugueses, sabendo que estas, por definição, interferem muito pouco na autonomia dos governos locais beneficiários.” 277

Como vemos, também este estudo acaba por ser um contributo para a busca de maior eficiência na gestão dos recursos públicos, pois ao demonstrar a existência do Efeito Flypaper nos municípios portugueses, está a ir mais além, seguindo a linha de pensamento de Moreira, apresentada anteriormente. Este estudo serve de desafio para as Administrações (Central e Local) ponderarem sobre a forma como implementar a descentralização e em alguns casos decidirem mesmo quem deve assumir determinadas competências, se deve continuar a ser uma provisão pública ou se estão reunidas as condições para que a provisão seja efectuada pelo sector privado.