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Condicionantes/Determinantes para a Governação Local

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

IV.II Condicionantes/Determinantes para a Governação Local

São diversos os condicionantes ou factores determinantes para a governação local, desde logo o facto de o Município ser uma unidade político-administrativa cujo executivo municipal é eleito e logo tendo a legitimidade (política e legal) para governar. Assim, o presidente da Autarquia tem uma importância fundamental dado que lhe cabe efectivamente a governação municipal, mas para quem é impossível dissociar, no contexto municipal, a função de gestão da função política, pois tanto na gestão municipal, como na gestão pública em geral, governar ou gerir é optar e decidir sobre políticas públicas, no pressuposto de que tais actos têm sempre em vista o benefício colectivo, ainda que a maior aproximação aos destinatários da governação, possa eventualmente favorecer uma maior permeabilidade/influência na tomada de decisões.

Outro factor determinante para a governação local, respeita à complexidade das organizações municipais, com lógicas diferenciadas, diversos “stakeholders” com interesses divergentes (os eleitos, os funcionários autárquicos, a população em geral, os contribuintes, os eleitores, os clientes, os consumidores, os residentes, ou simplesmente os visitantes). A complexidade de uma organização caracterizada por tal tipologia, diversidade e com necessidade de estabelecer constantemente múltiplas relações quer com inúmeras entidades quer com os cidadãos, onde a sedimentação cultural e o peso da história local agudizam os vectores já tradicionalmente complexos, bem como o desempenho cada vez mais abrangente de novas funções e com a necessidade que se exige de maior rigor na qualidade do seu desempenho e na eficiência da gestão dos recursos disponíveis, requerem cada vez mais a capacidade para organizar livremente os seus órgãos de gestão, sem terem de se acomodar às regras homogéneas impostas pelo poder central.94

Página 78 Assim, apesar de aparentemente existirem múltiplos territórios à escala municipal com características aparentemente homogéneas, (Ex: dimensões geográficas, populacionais, etc.) na realidade e dada a amplitude da intervenção municipal, bem como a diversidade territorial e sociocultural que caracterizam o território nacional, torna-se difícil estereotipar qualquer modelo de uniformização organizativa, pelo que deve a organização municipal surgir como resultado da inter- -relação com o meio envolvente e da capacidade de inovação do próprio Município, no sentido de encontrar a estrutura organizativa que melhor seja capaz de responder às solicitações e anseios dos diversos “stakeholders”.

Com autonomia administrativa e financeira, orçamento e património próprios, cada autarquia assume a sua própria identidade, onde a inter-relação com a sociedade de forma individual ou organizada, desempenha um papel relevante.

Num Estado marcadamente social, as autarquias têm que assumir funções tradicionalmente desempenhadas pelo Estado, o qual cada vez mais transfere competências suas para a Administração Local, designadamente em áreas como a educação, a saúde, a protecção social, a segurança, entre outras. Não se pretende de qualquer forma repudiar o que se tem vindo a verificar, ao nível da transferência de competências da Administração Central para a Administração Local, mas apenas constactar, salientar esse facto e realçar que, como veremos no próximo capítulo, tal mais não é do que a aplicação do princípio da subsidiariedade defendido na Constituição95.

Tais funções podem ser desempenhadas directamente pela estrutura administrativa e técnica municipal, por recurso ao sector cooperativo, a organizações não governamentais, a associações com fins de solidariedade social, à contratação externa (incluindo as empresas municipais ou quaisquer outras entidades empresariais ou particulares) ou ainda ao estabelecimento de parcerias com os designados grupos de interesses. O papel do município, relativamente às matérias cujo exercício é externo é o de mera coordenação, regulação e controlo, promovendo a competitividade interna do município, tendo em vista oferecer maior eficiência e qualidade pelos serviços prestados.

O insustentável crescimento dos custos associados ao Estado Providência tradicional, levou a que a partir dos finais da década de 70 e inícios da década de 80, principalmente com a chegada em 1979, de Margaret Thatcher ao poder, se acolhesse o aparecimento de uma corrente neo-liberal, a qual reúne cada vez mais apoiantes para as suas propostas de reforma do Estado e de modernização da sua administração, centradas nos vectores da gestão e organização.

Página 79 A desintegração do Estado Providência é assim consequência das várias medidas que essa reforma tem provocado, isto é, a ruptura da sua anterior homogeneidade e centralização.

Esta ruptura manifestou-se por duas formas clássicas96: a nível orgânico, através da criação de

serviços desconcentrados do Estado e de novas entidades de direito público e de direito privado exteriores à Administração Pública; e a nível territorial, por via dos processos de regionalização e de descentralização municipal.

Assim, o sistema globalizado que motivou a adaptabilidade às novas tecnologias de informação e comunicação, as mudanças culturais e sociais que se introduziram nos cidadãos, a natural exigência de um melhor sector público e o cenário dos défices públicos elevados, agravado por um ciclo de crise económica mundial, traz mais uma vez a questão das finanças públicas em geral e das locais em particular para a actualidade.

Tal situação tem motivado um conjunto de acções por parte do poder central, com vista à reforma da Administração Pública, como foi referido.

Entre estas acções destacam-se:

• A necessidade de reforçar as medidas tendentes à desconcentração dos serviços públicos, designadamente através do reforço da transferência de competências, anteriormente pertencentes à Administração Central, para as Autarquias Locais;

• O estabelecimento de restrições legais ao endividamento da Administração Autónoma, particularmente dos Municípios e a adopção de mecanismos de controlo mais eficazes tendo em vista evitar o sobre-endividamento;

• A aprovação da nova Lei das Finanças Locais e algumas posições dos Municípios contra ela.

De entre as principais áreas, cada vez mais alvo do interesse na transferência de competências para as Autarquias Locais, anteriormente pertencentes à Administração Central, podemos encontrar as áreas da Saúde (com participação na gestão das unidades de saúde locais e nos programas de prevenção da saúde), a Educação (envolvendo toda a componente do ensino básico), a Acção Social (creches, apoio à infância, combate à exclusão social e rede social de apoio aos idosos), entre outras. Haverá outras áreas como o Ambiente e Ordenamento do Território, o Emprego entre outras, que não se tratam de áreas de prestação de serviços básicos às populações e com um nível de dispersão territorial muito elevado, não têm interesse prioritário

Página 80 na perspectiva da Administração Central, mas que perante a actual crise sócio-económica, começam a ser encaradas como de potencial interesse para a descentralização, pelo menos numa óptica de colaboração mais estreita com os Municípios.

A crise actual poderá ou tenderá assim a ser mais um contributo, para acelerar o processo da tão ambicionada passagem de competências da Administração Central para as Autarquias Locais e, quem sabe, para retomar o movimento da regionalização.

Parece pois chegado o momento em que ambas as partes estão interessadas. A Administração Central, porque desta forma transfere uma boa parte das suas responsabilidades, em matérias chave, difíceis de controlar para um nível próximo dos cidadãos, para a competência das Autarquias, passando-lhes em simultâneo, parte da responsabilidade no que à execução orçamental diz respeito.

As Autarquias, por sua vez, há muito que reclamam um aumento das suas competências em diversas áreas uma vez que sentem mais próximo as necessidades da sociedade.

O problema coloca-se quando se tenta conjugar os interesses de ambas as partes, nomeadamente no que respeita aos aspectos financeiros, pois são estes que têm gerado maior controvérsia em torno desta questão.

Questões como: os limites à descentralização (por forma a não pôr em causa o princípio da unidade do estado, da homogeneidade na provisão, as externalidades ou outros impedimentos legais) ou os princípios da suficiência e da solidariedade financeira97, são alvo de preocupação e

discussão entre as autarquias e que estas manifestam necessidade de ver discutidas e renegociadas com o Governo.

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V

A GESTÃO DAS NECESSIDADES COLECTIVAS E A PARTILHA E GESTÃO

DOS RECURSOS PÚBLICOS AS AUTARQUIAS LOCAIS EM PORTUGAL E

AS

SUAS

COMPETÊNCIAS,

RESPONSABILIDADES,

FINANÇAS,

AUTONOMIA, ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO

Esta matéria traduz, em poucas palavras, a política que a Administração define e segue, quer para “gerar” receita, quer para partilhar essa mesma receita (executar despesa), optando por uma política mais ou menos centralizadora dos poderes do Estado, privilegiando a optimização e a promoção dos ganhos para todos (jogos de soma positiva) ou por seu turno, limitando-se à mera redistribuição da receita “gerada” por alguns (jogos de soma nula).

No livro Finanças Públicas e Política Macroeconómica, Silva & Neves (1992) referem que “As finanças públicas exercem uma influência considerável na economia, podendo a sua acção ser dirigida para alcançar objectivos desejados. A utilização deliberada de receitas e despesas do sector público para alcançar objectivos específicos designa-se por política orçamental”98.

Os autores destacam como objectivos da política orçamental a eficiência na utilização dos recursos e correcção na distribuição do rendimento.

No que respeita à definição de sector público, estes autores afirmam que “O sector público administrativo inclui os serviços e organismos da Administração Central, da Administração Local e da Segurança Social, com exclusão das empresas as quais formam o chamado sector público produtivo ou sector empresarial do Estado” 99.

A Constituição da Républica Portuguesa (CRP) refere que “O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da Administração Pública”100.

O Título VIII da CRP (que será abordado detalhadamente mais adiante) é integralmente dedicado aos assuntos do Poder Local, reconhece também a autonomia das autarquias locais, bem como as suas competências próprias e a sua integração/relação no contexto do sector público administrativo.

98 Ver [35]: Silva, Aníbal António Cavaco & Neves, João Luís César das, (1992), “Finanças Públicas e Política Macroeconómica”, p. 24. 99 Ver [35]: Op. Cit., p. 28.

Página 82 Assim, a Administração Local faz parte do designado sector público administrativo, logo todas as opções ao nível da política de gestão por qualquer um dos órgãos que integram este sector, determinam não apenas o seu desempenho individual, mas também o desempenho de todo o sector.

Outro aspecto focado, diz respeito ao que os autores designam por sector público produtivo ou sector empresarial do Estado, mesmo considerando-o fora do sector público administrativo, convém salientar algumas particularidades, as quais são relevantes no âmbito do presente trabalho, desde logo, e focando apenas a Administração Local, importa salientar que com a publicação da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro - que aprova o regime jurídico do sector empresarial local e da Lei n.º 2/2007 - Lei das Finanças Locais (LFL), o panorama empresarial local modificou-se bastante, quer funcionalmente, dando maior abertura às entidades locais para constituírem ou participarem em pessoas colectivas do tipo empresarial, que melhor prossigam o interesse público e cujos fins devem estar estatutariamente consagrados, mas também gerou implicações na relação financeira entre as entidades locais (accionista) e a respectiva empresa, impedindo a título de exemplo, que estas sirvam de instrumento paralelo para aumentar o endividamento do município, uma vez que a consolidação financeira legalmente prevista não o permite101.

Para Amaral (1992) “…num Estado de Direito, as duas realidades (prossecução do interesse

público e protecção dos direitos dos cidadãos) encontram-se indissociavelmente ligadas, não sendo possível, sob pena de ilegalidade, a realização do interesse público sem a devida consideração dos direitos e interesses dos particulares”.102 É também de salientar o dever imposto aos órgãos da Administração Pública de actuar em estreita colaboração com os particulares, procurando assegurar a sua adequada participação no desempenho da função administrativa.

Este autor salienta ainda quatro elementos (Território, População, Interesses comuns e Órgãos representativos) essenciais, que sustentam a definição de Autarquia Local enquanto entidade pública, dotada de órgãos próprios, representativos da respectiva jurisdição e que prossegue interesses comuns dos seus habitantes.

Um dos aspectos essenciais para a definição de qualquer política de administração, é a definição de uma política fiscal, pois é esta que estabelece os critérios que permitem ao Estado gerar a receita fiscal, essencial à prossecução da sua política de administração. Nos países ocidentais esta é a principal fonte de receita da administração, uma vez que estes progressivamente têm alienado as suas participações empresariais, a favor de uma economia de mercado.

101 Ver [80]: Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, Capítulo VI, art.os n.os 31º & 32º.

102 Ver [2]: Amaral, Diogo Freitas do, & outros, (1992), “Código do Procedimento Administrativo Anotado”, p. 33. Referindo-se a uma

Página 83 Como já foi apresentado no Ponto III.I, desde o início do Séc. XII que estão previstos impostos como contrapartida pela cedência das terras aos povoadores, logo como fonte de receita para a administração de quem as tutela103.

Esta parece pois ser a génese do princípio da autonomia económico-financeira e patrimonial das autarquias, é esse o princípio que ainda hoje se mantém e que vem consagrado no art.º 238º da CRP104. O mesmo artigo prevê ainda que o regime das finanças locais será estabelecido por lei

(actualmente em vigor a Lei n.º 2/2007 (LFL), alterada pelas Leis n.o 22 -A/2007, de 29 de Junho, e n.o 67 -A/2007, de 31 de Dezembro) e visará a justa repartição dos recursos públicos entre o Estado e as autarquias, em função da repartição das competências (equilíbrio financeiro vertical) e a necessária correcção de desigualdades entre as autarquias do mesmo grau em função da diferente capacidade para arrecadar receita (equilíbrio financeiro horizontal).105

Tal como as regiões autónomas, também as autarquias locais, compõem a administração autónoma, uma vez que têm competências próprias, que exercem o seu poder, tendo em vista a satisfação das necessidades sentidas pela população que integra a respectiva circunscrição administrativa. Por outro lado, a tutela que está prevista, poder/dever ser exercida por parte da Administração Central é meramente de legalidade, não sendo permitida qualquer sobreposição revogação ou impugnação hierárquica das deliberações praticadas ao nível local, apenas com o fundamento da discórdia, uma vez que apenas o é (recorrendo aos instrumentos legais previstos) em caso de incumprimento ou de violação (por acção ou omissão) de uma disposição legal.106