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4.1.4.4 | A INFAME QUINTA SECÇÃO

No documento A política ferroviária nacional (1845-1899) (páginas 168-172)

A parte final da quinta secção era a mais difícil de realizar: a grandeza e dificuldade de cons- trução da ponte, a impossibilidade de fixar apoios no leito do rio, o problema da localização da estação que servisse a cidade e o Douro e permitisse a continuação da linha pelo Minho, Douro e até Leixões foram factores que fizeram com que a travessia demorasse 13 anos a ser realizada82.

Anteriormente, Sousa Brandão e Watier haviam proposto que o término da linha se fizesse em Campanhã e de facto o primeiro projecto de travessia (que a colocava sensivelmente onde hoje se ergue a ponte do Freixo) terminava naquele lugar (Poço das Patas, perto do Prado do Repouso), começando no lugar do Areinho. Foi apresentado por Eusébio Page da CRCFP ao governo em 11-2- 1862. O CGOP concorda em parte com a proposta e as obras começam, chegando a ser aberto um túnel na serra do Pilar em Gaia83.

Mais tarde verificou-se que o local da encosta de Campanhã sugerido pela CRCFP era impró- prio para a estação, pois ficava colocada em curva, num espaço acanhado e sem ligação com a cida-

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DINIS, 1915-1919, vol. 4: 175. ABRAGÃO, 1956a. COMÍN COMÍN et al, 1998, vol. 1: 79-80, 149 e ss. e 176. SALGUEIRO, 2008: 39-40. WAIS, 1974: 144-147, 182-183, 200-205 e 378-380. Ver mapas 30-13.

79 FINO, 1883-1903, vol. 1: 126, 132, 147. GCF, a. 60, n.º 1453 (1-7-1948): 362; a. 62, n.º 1475 (1-6-1949): 381; n.º 1485 (1-11-1948): 656. CALIXTO, 1966d. 80 BMOP, 1864, n.º 8: 168. 81 BCP, a. 12, n.º 135 (9-1940): 169-172; a. 27, n.º 311 (5-1955): 9. GCF, a. 62, n.º 1473 (1-5-1949): 289. ABRAGÃO, 1965. ARAÚJO, 1939: 17-18. CALIXTO, 1965e. ROSÁRIO, 1965.

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AHMOP. COPM. Liv. 20 (1864): 256-260. ABRAGÃO, 1958a. C., 1927. PEREIRA, 2012g.

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AHMOP. COPM. Liv. 14 (1862): 115v-118v. BMOP, 1865, n.º 7: 50-52. MOLARD, 1863. GCF, a. 20, n.º 466 (16- 5-1907): 150. ABRAGÃO, 1953b. MARTINS, 1970. PEREIRA, 2012g.

de, com o Douro e com Leixões. Além disso, no Porto levantaram-se também vozes contra esta localização. Por portaria de 6-3-1862 à companhia é ordenada a reformulação do projecto. Em 30-7- 1864 Angel Arribas y Ugarte apresenta nova solução, que não inclui, porém a ponte (detalhe que o engenheiro achava desnecessário enquanto se não fixasse o traçado). O governo apontou precisa- mente esta pecha e indicou ainda que a estação terminal ficasse colocada ou no campo do Cirne (prado do Repouso) ou nas Fontainhas, iniciando-se a ponte no lugar da Pedra Salgada (portaria de 24-11-1864). A primeira daquelas localizações foi recusada por Salamanca e Gómez Roldán (ofí- cios de 18-11-1864, 18-12-1864 e 29-5-1865), em virtude das avultadas despesas que implicava (seriam necessários mais 8 km de linha em terreno difícil e caro de expropriar), a não ser que o governo assumisse os custos das expropriações e dos quilómetros em excesso. Neste caso, a com- panhia não só faria o trabalho como se prontificava a construir um caminho-de-ferro do Porto a Braga e daqui a Espanha mediante o mesmo subsídio que obtivera para a linha do norte, mas com condições técnicas mais permissivas e mediante autorização para nova emissão de obrigações garantidas e reembolsáveis pelo estado (proposta recuperada de 1862 e renovada uma segunda vez em Abril de 1865). Esta proposta foi recusada pelo CGOP (que preferia a garantia de juro e pedia mais estudos para ligação à rede espanhola pelo Minho), mas terá sido aceite pelo governo, embora não se concretizasse84.

Entretanto, Sousa Brandão, ao estudar a linha do Douro, baralhava ainda mais a questão, con- firmando ao CGOP a pertinência da colocação da estação nas Fontainhas por se adaptar melhor a uma linha até à Régua pela margem do Douro. Em Julho de 1865 nada estava resolvido e as obras mantinham-se paradas, o que para a CRCFP se ficava a dever à inépcia do governo85.

A 27-11-1865 as duas partes chegariam a novo acordo, que por implicar uma alteração contra- tual obrigou à audição do parlamento. Durante o debate Sousa Brandão sugere que a estação se colocasse entre as Fontainhas e a Batalha, de preferência na Praça Nova (onde se desalojariam as freiras bentas), construindo-se um túnel sob a Batalha, o que facilitava também a ligação férrea ao Douro. Apesar do esforço da oposição o acordo acaba sancionado por lei de 2-3-1866: a estação ficaria colocada no campo do Cirne (prevendo-se a possibilidade de uma gare intermédia entre a ponte e o Cirne) e o estado assumia os encargos das expropriações. Simultaneamente, resolvia-se a questão dos segundos tabuleiros com um adiamento da sua colocação até à altura em que os movi- mentos de terra para segunda via fossem realizados. Em troca, a CRCFP tinha de construir sem qualquer apoio do governo um ramal desde a estação de Valadares até um ponto na margem esquerda do Douro (no vale da Piedade, segundo Sousa Brandão, onde o fundeadouro para os bar-

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AHMOP. COPM. Liv. 19 (1864): 366-370; liv. 20 (1864): 256-260; liv. 21 (1865): 186v-193v. BMOP, 1865, n.º 1: 5-6. DINIS, 1915-1919, vol. 3: 474-475, 480-481 e 537-539. GCF, a. 20, n.º 472 (16-8-1907): 244; a. 79, n.º 1 1899 (1- 2-1967): 417. ABRAGÃO, 1953b. ABRAGÃO,1955-1960:555.PEREIRA,2011a.PEREIRA,2012g.TEIXEIRA,1938.

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cos era de melhor qualidade e onde existiam várias fábricas de cerâmica), onde se levantaria uma estação e cais de mercadorias86.

Todavia, no segundo lustro da década de 1860, a CRCFP passou por uma grave crise financeira que a forçou a suspender os pagamentos aos seus accionistas e obrigacionistas (1866). O governo nomeou uma comissão de inquérito (portaria de 12-7-1866), que concluiu que a desgraça da CRCFP tinha sido trazida por ela própria. A má situação financeira da companhia aliada a desen- tendimentos com Salamanca e com o estado redundou num jogo do empurra de responsabilidades entre os três e num atraso da construção da quinta secção87.

Entretanto, os estudos continuavam e um projecto, apresentado ainda em 1866, previa uma tra- vessia entre a Pedra Salgada, a quinta do Freixo e o campo do Cirne. Teria merecido a aprovação do CGOP se tivesse incluído o plano da ponte88. Numa segunda tentativa, apresentada no ano seguinte, a estação do Cirne estava mal colocada para servir de ligação às linhas do Minho e Douro, enquanto que o acordado ramal de Valadares poderia ser melhorado89. Só ao terceiro ensaio o projecto da ponte era aprovado, juntamente com a directriz do troço, após parecer favorável da JCOPM, apesar de os pilares da ponte só estarem preparados para via única (portaria de 8-11-1869)90.

Contudo, os trabalhos não arrancavam, pois a situação financeira da CRCFP agravara-se com a crise de 1868, o governo não avançava com as expropriações e as relações com Salamanca eram cada vez mais tensas. Já se ventilava a possibilidade de se construir a estação do Porto junto ao rio, defronte da que se deveria construir em Gaia, e fazer a baldeação das mercadorias por via fluvial91. O governo intima a CRCFP a construir imediatamente a quinta secção e a estação do Porto, o que levou ao rompimento de relações entre a companhia e Salamanca por este se recusar a aceitar o tra- balho92. A CRCFP assume então o compromisso de construir a quinta secção em dois anos e meio em troca da dispensa do ramal de Valadares, da manutenção do adiamento da colocação dos segun- dos tabuleiros, da construção de obras de arte para apenas uma via, da divisão com o estado da des- pesa com a construção da estação do Porto (que deveria também servir as linhas públicas do Minho e Douro) e da abolição do imposto de trânsito93.

Pedro Inácio Lopes é encarregue do projecto, o qual apresenta ao governo em 31-12-1872. Estabelecia a estação no lugar de Pinheiro (em Campanhã) e a ponte no segmento onde o rio era

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COLP, 1866: 76-77. DL, sessão da câmara dos deputados de 6-2-1866: 396-397. ABRAGÃO, 1953b. LEÃO, 2007: 79, 171, 241.

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BMOP, 1866, N.º 8: 102-103. DINIS, 1915-1919, vol. 4: 393-490. LARCHER, 1883: 30-36. ABRAGÃO, 1953b. SALGUEIRO, 2008: 36 e 47-55. SILVA & GOMES, 2003: 1-2. TORRES, 1985: 44.

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AHMOP. COPM. Liv. 24 (1866): 64-65.

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AHMOP. COPM. Liv. 25 (1867): 200-205.

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AHMOP. JCOPM. Liv. 30 (1869): 52-62v e 62-65. CNDF(AD). Correspondência recebida de 1869. CCFP- CP/D/1/042, docs. 41-43. DINIS, 1915-1919, vol. 4: 308.

91 FONSECA, 1975. 92 SALGUEIRO, 2008: 37. 93 DINIS, 1915-1919, vol. 5: 166-181.

mais estreito, mas onde tinha as margens mais escarpadas (em Quebrantões entre a serra do Pilar e o monte do Seminário, possibilitando o assentamento dos pilares fora do leito do rio). Era a solução com o menor percurso, melhores condições de tracção, menores custos em termos de expropriações, mais prática ligação para as linhas do Minho e Douro (evitava a necessidade de reversão de marcha por parte dos comboios) e que terminava no espaço mais amplo. As únicas desvantagens eram o custo da ponte (o mais alto das três possibilidades: Campanhã/Areinho, Cirne/Pedra Salgada e Pinheiro/Seminário) e a pior colocação da estação em relação ao Porto (a solução Cirne era a melhor). Tirando alguns detalhes menores, toda a JCOPM aprovava o projecto, excepto o vogal Belchior Garcês que levantava a sua voz contra a moda das pontes arrojadas, que pelo seu arrojo eram também inseguras, e contra a colocação da estação94.

Em Março de 1873 o governo pede autorização ao parlamento para negociar um novo contrato com a CRCFP (com base nas condições anteriormente pedidas pela companhia) que permitisse a conclusão da linha do norte. A companhia por seu lado iniciara a construção da estação e, após pressão dos principais obrigacionistas, conseguiria em Julho de 1874 um acordo com a Société

Général de Crédit Industriel et Commercial de Paris para regularizar o pagamento do juro das

obrigações (em troca da delegação àquela instituição da isenção do imposto de trânsito negociado com o governo) o que, aliado a um aumento das receitas de exploração, aliviou a sua situação eco- nómica95. O acordo final entre governo e CRCFP seria sancionado por lei de 26-2-1875, contrato e portaria de 6-3-1875, projecto e decreto de 8-3-1875 (aprovado a 6-5-1875) e portaria de 7-6- 187596. Ficava estipulada a isenção da construção do ramal de Valadares (que em 1875 cativaria o interesse de Maximiliano Schrek e de Eduardo Moser num projecto para a construção de um porto em Lavadores, na margem esquerda do Douro97) e do imposto de trânsito em pequena velocidade (por um prazo de 36 anos). Em contrapartida, a CRCFP nenhum outro apoio recebia pela constru- ção da ligação ao Porto e abdicava de qualquer reclamação a que julgasse ter direito. Por esta altura, já o encargo da construção da estação tinha passado também para o governo por receios de que a CRCFP não fosse capaz de a ter concluído quando da abertura da linha. O projecto de Pedro Inácio Lopes é remodelado e a empreitada é entregue ao director das linhas do Minho e Douro, engenheiro João Joaquim de Matos, que inaugura a gare em 2-5-187598.

Depois de o projecto final ter sido aprovado pela JCOPM (e pelo governo), que apenas lamen- tava que a ponte não incluísse viação ordinária, os trabalhos foram iniciados. A construção da ponte

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AHMOP. JCOPM. Liv. 34 (1873): 201-205. LOPES, 1875: 427 e ss. ABRAGÃO, 1933. Ver mapas 30-22.

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PINHEIRO, 1986: 472-476. SILVA & GOMES, 2003: 2. TORRES, 1985: 47-48.

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COLP, 1875: 20-21 e 24. DINIS, 1915-1919, vol. 5: 470. FINO, 1883-1903, vol. 1: 289.

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DINIS, 1915-1919, vol. 5: 489. MOSER, 1879.

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ficou a cargo de Espregueira, Pedro Inácio Lopes, Alexandre Eiffel e Seyrig (da casa Eiffel)99. Em 30-10-1877, os trabalhos de construção da ponte eram concluídos numa obra que, para O Comércio

do Porto, mais parecia de fantasia que de realidade100. A ligação directa por caminho-de-ferro entre Porto e Lisboa seria inaugurada dias depois, a 5-11-1877. No mês seguinte, a CRCFP e o governo assinavam um acordo para a exploração comum da estação101.

No documento A política ferroviária nacional (1845-1899) (páginas 168-172)