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3.2.2 | A INOPERÂNCIA DOS HISTÓRICOS

Em substituição de Fontes, o rei chamaria o marquês de Loulé. Os avilistas rapidamente se prontificaram a apoiá-lo na ânsia de chegar ao poder, apoio aceite por Loulé na medida em que não dispunha de uma força disciplinada para formar uma maioria no parlamento72. De igual modo, os pares mostraram-se cooperantes na condição de o governo não cometer os erros do passado e “quando houver de escolher entre Mr. Hislop, e Mr. Petto, se escolha Mr. Petto, e não Mr. His-

lop”73. De Londres, o conde de Lavradio perdia a frieza diplomática e recordava vivamente a Loulé os erros passados com “o contracto, que ficará na Historia como um monumento de eterna vergo-

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Para a cronologia dos debates e das propostas apresentadas ao parlamento, ver anexos 22 e 25.

66 DCD, 21-4-1856: 277 (Xavier da Silva) 67 DCD, 8-4-1856: 122. 68 DCD, 31-3-1856: 273. 69

PEREIRA,2012f.PINHEIRO,1986:404e445-446.SANTOS,2011a:128.VIEIRA,1983:181-196.VIEIRA,1988: 733.

70

DG, sessões da câmara dos pares de 10-3-1856, 26-3-1856 e 7-4-1856: 326-327, 388 e 482.

71

SANTOS, 1884, Parecer n.º 345.

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SARDICA, 2005a: 326 e ss.

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nha para quem o fez” e pedia-lhe que “não faça contracto algum com pessoas de cuja moralidade e intelligencia não esteja certo”74.

Loulé preferiu ensaiar uma retórica apartidária, afirmando pretender continuar a política ante- rior, mas por métodos diferentes, procurando cativar ambos os lados do parlamento e sobretudo um monarca como D. Pedro V, que “havia viajado de comboio, havia percorrido vários condados de

Inglaterra, pátria da máquina a vapor”75, mas que se desiludira com a “muita precipitação, ou mui-

tas illusões, ou um desejo inconsiderado de lançar poeira aos olhos”76 por parte dos regeneradores. No entanto, à excepção de Sá da Bandeira e do próprio Loulé, o governo era composto por figuras desprovidas de prestígio político, o que o fragilizou logo desde início. Tornou-se óbvio que o pro- jecto apartidário de Loulé não era possível, pelo que nas eleições de 9-11-1856 o governo confia apenas nos históricos e nos avilistas para obter uma maioria na câmara. Porém, esta base de apoio estava longe de ser homogénea e o próprio governo era composto por setembristas, radicais de esquerda e independentes e, pior ainda, não contava com nenhum dos signatários do manifesto da comissão eleitoral histórica77.

Cumprindo a promessa de continuar os melhoramentos materiais, o governo contraiu um empréstimo de 1 500 contos e entregou cerca de 450 contos à CCP para continuar os trabalhos na linha até Santarém. Em ambas as situações, o parlamento anuiu sem grande oposição (excepção feita ao sempre adverso visconde de Fonte Arcada que achava que o contrato já devia estar rescin- dido), destacando-se a mudança de posição dos avilistas que agora davam um voto de confiança (o mesmo que tinham rejeitado a Fontes) a este projecto e ao novo governo. Este mantinha a crença de que “vias ferreas, e outras communicações que hão de cortar o paiz, resolverão as principais diffi-

culdades, desenvolvendo-se, a par do desapparecimento destas, a nossa riquesa publica”78, apesar de alguns pares cabralistas e também esquerdistas (de novo o visconde de Fonte Arcada) lembrarem que a educação e sobretudo economias e fortalecimento do crédito eram também necessidades urgentes. Simultaneamente desvalorizava-se a obra dos regeneradores com um lacónico “a camara

avalia como lhe cumpre a abertura à circulação pública da primeira secção do caminho de ferro de Lisboa ao Carregado”79, perante os protestos de Fontes. A bem dizer, na inauguração havia mais a lamentar que a louvar.

Entretanto, a heterogeneidade do executivo tornava a governação cada vez mais difícil e Loulé pede a demissão a D. Pedro, que recusa e lhe concede em Março de 1857 poderes para reformular o

74

AHD. Livro da embaixada de Londres, n.º 7, docs. 100 e 105: 505-506 e 520.

75

LEITÃO, 1965: 96. Ver também MÓNICA, 2005.

76

D. PEDRO V, 1903: 296-297.

77

SARDICA, 2001a.

78

DG, sessão da câmara dos pares de 19-5-1857: 676 (Carlos Bento).

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gabinete. Loulé abre as portas do ministério da fazenda a Ávila, o seu único apoiante com experiên- cia para a função e que, dada a dependência das obras públicas face à fazenda, escolhe Carlos Bento para aquela pasta. Só a presença de Ferrer na justiça garantia o apoio da esquerda, mas quando este se demite é Ávila quem o substitui. Os avilistas tornaram-se assim os homens fortes do gabinete, tendo em conta a importância das pastas que ocupavam. Esta viragem à direita garantia ao governo o apoio dos pares, mas indispunha os históricos na câmara electiva80.

É com este elenco renovado que o governo continua a sua política ferroviária que necessaria- mente tinha de se distanciar da dos regeneradores para continuar a justificar a mudança governa- mental. Daí a viragem do caminho-de-ferro a norte para uma linha interna, a escolha da subvenção quilométrica em vez da garantia de juro, a opção de não lançar impostos para angariar os emprést i- mos enquanto se não esgotassem as possibilidades de economias, uma maior importância dada às estradas de acesso às estações e – seguindo a recomendação do conde da Taipa – a escolha (sem concurso) de um homem com prestígio (Sir Morton Peto, “cavalleiro em que todos punham as

melhores esperanças como se fosse um Messias”) em vez de um aventureiro (proposta de lei de 25-

4-1857)81. Também a necessidade de se encetarem negociações com o governo espanhol (para o entroncamento na fronteira e para alteração da directriz da linha em Espanha, segundo alertava o engenheiro Nunes de Aguiar) e a suspeição de D. Pedro de que Espanha pretendia isolar Portugal foram factores tidos em conta pelo novo executivo para aquela escolha82. Alguns autores adiantam ainda que Inglaterra também influenciou a decisão, pois temia que a linha do leste pusesse em causa o lucrativo tráfego marítimo que mantinha com Lisboa e não tinha interesse em financiar a constru- ção ferroviária em Portugal83. Outros discordam, pois por um lado a via-férrea de leste traria ainda mais mercadorias a Lisboa para os ingleses transportarem; por outro lado, o interesse dos britânicos não se esgotava na construção de caminhos-de-ferro, estendendo-se à manutenção e fornecimento de combustível e material; finalmente, com uma ligação ferroviária a França, Portugal e Inglaterra ficavam a umas meras 48 horas de distância, contra as 95 gastas pelo vapor84.

De qualquer modo, o governo não deixou de ter um olho sobre a linha internacional, incumbin- do Nunes de Aguiar do estudo de uma directriz que, continuando a ferrovia de Santarém, fosse a mais curta ligação entre Lisboa e Madrid, guardadas as boas condições técnicas e económicas, e Conrado de Chelmicki do estudo de um caminho-de-ferro pela Beira85. Mas já que a solução de leste exigia negociações com o governo vizinho e a linha pela Beira não estava tão estudada (Chel-

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SOUSA & MARQUES, 2004.

81

GOMES, 1907: 122. Ver também PEREIRA, 2008b: 103-104.

82

AGUIAR, 1859. PINHEIRO et al., 2011: 43.

83

PINHEIRO, 1979: 267. TORRES, 1985: 14-15.

84

DOUGHERTY, 2007: 3. VIEIRA, 1983: 196-204. VIEIRA, 1988: 729-731.

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micki acreditava que exigia poucas obras de arte quando na verdade foram necessários construir dezenas de pontes e túneis86) como a linha do norte (para a qual havia os projectos de Watier e de Sousa Brandão, Couceiro e Aguiar), esta tornou-se a escolha mais racional.

No parlamento, Loulé esperava conciliar as suas bases de apoio, mas como não conseguisse, pede a D. Pedro em Março de 1858 a dissolução parlamentar. O rei aceita porque não queria Fontes de volta, mas a inoperância do governo na resolução da questão ferroviária desgastava a sua posi- ção. O contrato Peto teimava em não sair do papel (mesmo com a nova lei de expropriações de 17- 9-185787), o abandono da ligação férrea a Espanha não foi bem vista e os pecados do governo ante- rior eram novamente cometidos (desvio de verbas para despesas correntes, recurso aos impostos, obras não autorizadas), o que estimulava o criticismo regenerador88. Nas eleições de 2-5-1858, os regeneradores aliam-se a cartistas e legitimistas ao passo que os avilistas se juntam definitivamente aos históricos. O elenco ministerial manteve-se, o que indispôs ainda mais os membros mais radi- cais dos históricos (a unha preta, que emerge nesta altura) contra os mais moderados (unha branca) e particularmente contra os avilistas. A juntar a esta constestação interna, outros casos foram divi- dindo o grupo histórico (as Irmãs de Caridade, o Charles et Georges, a questão dos cereais).

Com Peto, o governo mostrava uma enorme complacência e secretismo: os prazos para consti- tuição da companhia expiravam e corriam boatos sobre negociações secretas para alterações ao con- trato, mas da boca dos ministros quase nenhuma explicação saía, receando-se “ver n’este negocio

uma segunda edição do contrato Hislop, não obstante a tão apregoada respeitabilidade do cava- lheiro com quem se contratou”89, não faltando obviamente as comparações com a CCP, que “ainda

não foi das peiores, porque ao menos ainda vemos o caminho de ferro até Santarém, mas a do sr. Peto é uma tremenda peta”90. A oposição atacava (ventilava-se a rescisão contratual que decerto significaria o fim do governo) e a solução encontrada pelo governo para se defender quando não tinha argumentos nem sempre era a mais airosa: propunha-se a passagem à ordem do dia e a maio- ria faria calar as vozes dos oposicionistas91.

Por outro lado, o executivo demonstrava uma enorme incapacidade em gerir o negócio da linha do sul (a CCFST ameaçava parar a construção por falta de madeira) e em conseguir atrair interessa- dos no seu prolongamento, enquanto que mais a norte a via até Santarém se encontrava em más condições e o contrato do caminho-de-ferro de Sintra não avançava mas também não era rescindido. A aliança forjada por Loulé entre históricos e avilistas com o apoio régio não era capaz de garantir

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SILVA & RIBEIRO, 2007-2009: 16, 19.

87 COLP, 1857: 414-415. 88 PEREIRA, 2008b: 103-105 e 111. 89 DCD, 25-6-1858: 135 (Paulo Romeiro). 90 DCD, 14-7-1858: 152 (D. Rodrigo de Meneses). 91 PEREIRA, 2008b: 114-116.

os tão desejados caminhos-de-ferro, ao passo que “Fontes queria construir caminhos-de-ferro, não

tratar de freirinhas e, felizmente para ele, podia fazê-lo, porque ao contrário de Loulé, não tinha, a seu lado, uma ala plebeia pronta a sair para a rua à menor oportunidade”92.

Em Agosto de 1858 (depois de uma animada discussão durante dois dias proporcionada por uma interpelação de Afonso de Castro sobre a questão) Peto apresenta nova solução em muito pio- res condições que a original. Não só deixava a linha do norte truncada entre Tomar e Pombal, como a quedava por Gaia, fazendo “uma completa alteração na nossa geographia, o Porto não é onde os

nossos mapas geographicos indicam; o Porto é onde o mapa geographico do sr. Peto marca”93. A câmara ficou perplexa com esta proposta, sobretudo Lobo de Ávila que como membro do CGOPM de nada sabia. Em 20-10-1858, nova tentativa de alteração ao contrato é encetada, novamente a favor do concessionário e em prejuízo do estado.

Entrementes, surgiam outros interessados na construção ferroviária em Portugal. Em 7-10-1858 B. Parent, A. Gaussard, Pulyette e Vitali apresentam uma proposta pela qual se encarregavam da construção de caminhos-de-ferro, entregando-os depois à exploração estatal, partilhando os lucros. Era o modelo a que chamavam de regie-enterprise. O CGOPM não o aceitava, mas também não o rejeitava, pedindo esclarecimentos94. Duas semanas depois o barão de Lagos propõe-se construir duas linhas até Espanha (pelo Minho e Alentejo) e assumir o compromisso de Peto. Em Janeiro de 1859, ainda antes da apresentação à câmara do novo acordo com o britânico, Parent volta à carga propondo a exploração das linhas-férreas de Lisboa ao Porto, a Badajoz e a Almeida, que seriam construídas pelo estado, dividindo-se o produto da exploração. A mera existência destas propostas já deixava o governo e Peto em cheque; a indecisão em relação a elas fragilizava-os ainda mais95.

Parte da oposição exigia explicações; outra parte exigia a rescisão do contrato e a colocação da concessão em hasta pública. Em 21-2-1859 interpelação de Lobo de Ávila convidando Loulé a res- cindir o contrato motiva novo e violento debate (durante três dias 14 deputados trocam argumentos entre si) e antecipa a rejeição pela maioria das comissões de fazenda e obras públicas das alterações de Peto, o que ocorreria em Abril, dias depois da queda do governo.