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2.3.4 | A S SOLUÇÕES DO PENSAMENTO ECONÓMICO NACIONAL

Já desde o século XVIII que a elite intelectual portuguesa e os estrangeiros que visitavam Por- tugal alvitravam sobre o modo de desenvolver o país, numa altura em que a economia política era cada vez mais vista como o braço direito da governação. Eram várias as questões debatidas: situa- ção da agricultura e mito da decadência devida ao abandono da terra, situação da indústria e mito da dependência provocada pelo domínio inglês, dificuldades na área dos transportes, deficiente funcio- namento da estrutura financeira do estado, questão aduaneira, enquadramento económico e político das colónias…. Em todo o caso, os horizontes teóricos dos economistas portugueses de fins do século XVIII e inícios do século XIX eram limitados, o que aliado ao fraco conhecimento estatístico do reino, fazia com que surgissem mais palpites que teorias148.

Embora um ou outro autor ainda faça assentar a riqueza de um país na sua capacidade de gerar saldos comerciais positivos, a maioria dos alvitres apontava noutras direcções. Acúrcio das Neves apostava no desenvolvimento da educação, em melhoramentos técnicos e no afastar de barreiras ao progresso, enquanto que Silva Lisboa defendia a liberalização do comércio e o valor do trabalho. Porém, a sensibilidade às transformações técnicas ocorridas na Europa direccionava-se sobretudo para o transporte e para a agricultura, surgindo entre 1789 e 1815 nas Memórias da Academia uns trabalhos que afirmavam que a agricultura é a única e verdadeira riqueza. O desenvolvimento por

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PINHEIRO, 1983: 52.

147

ALEGRIA, 1990. PINHEIRO, 1983: 53 e ss. VALÉRIO, 2001b: 361-363.

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que estava passando a indústria europeia parece ter passado ao lado destes homens, mas na análise a este sector apontava-se a falta de transportes como um dos vários entraves ao seu fomento149.

D. Luís da Cunha (Testamento Político), Alexandre de Gusmão (Cálculo sobre a perda de

Dinheiro no Reino no Ano de 1748), Severim de Faria, Domingos Vandelli, Luís Ferrari Mordau,

José Diogo de Mascarenhas, Miguel Pereira Pinto Teixeira, José Joaquim Soares de Barros e José Correia da Serra (Memórias Económicas da Academia das Ciências de Lisboa), José Inácio da Cos- ta (Memória agronómica relativa ao concelho de Chaves), Balbi (Essai Statistique sur le Royaume

du Portugal et d’Algarve), M. Link (Voyage en Portugal depuis 1797 jusqu’en 1799), D. Rodrigo

da Sousa Coutinho, Manuel Fernandes Tomás (Relatório sobre o estado e administração do reino

durante o tempo de Junta Provisional do Supremo Governo), Acúrcio das Neves ou Castilho

(Revista Universal Lisbonense) evidenciavam a fraca qualidade dos meios de transporte de Portugal e defendiam a realização de investimentos para os melhorar (abertura de estradas, encanamento de rios, desobstrução das barras dos rios, construção de faróis), como forma de desenvolver o país. Vandelli, Acúrcio das Neves e Manuel de Almeida iam tão longe a ponto de afirmar a primazia do transporte interno sobre o externo e que sem transportes de nada valia tentar a extrair a riqueza agrí- cola que se acreditava existir em Portugal150. Para José Maria Grande, a agricultura nacional pade- cia de pouca difusão da instrução agrícola, carestia de capitais, falta de segurança, insuficiente legislação agrária, sistemas de cultura impróprios, desaproveitamento das águas, falta de prados, gados e estrumes, curto prazo dos arrendamentos, mas “a contribuição que a nossa agricultura

paga ás más estradas, é duas ou três vezes superior á que paga ao estado”151. No fundo, “a preca-

riedade das vias e meios de comunicação é, com efeito, um dos problemas que encontra grande ressonância nos escritos da época”152 sobretudo entre os pensadores que conheciam os benefícios do comércio externo para todas as nações aduzidos por David Ricardo e Adam Smith. Num exem- plo mais local, várias eram as questões que afectavam as diferentes localidades da Beira, mas a questão transversal a toda a província era a que se referia às deficiências de transporte e vias de comunicação153. Numa toada mais leiga, em 1837 lia-se n’O Panorama que “os meios de fácil trân-

sito no interior de qualquer país são o elemento indispensável para a prosperidade do povo e para o progresso da indústria (…). Os carros movidos por vapor sobre caminhos de ferro porão algum dia os povos em contacto a bem dizer imediato, posto que habitem em distâncias uns dos outros que dantes, e ainda hoje, se chamam remotas, ficando deste modo sendo as estradas de ferro para os

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ALMODÔVAR & CARDOSO, 1998: 59-62. CASTRO, 1980. MACEDO, 1982: 217-229.

150

ALEGRIA, 1990. CARDOSO, 1989: 59-60 e 77. CARDOSO, 1998: 85, 96 e 108. CASTRO, 1980. GASPAR, 1970: 154. LAINS & SILVA, 2005. QUARESMA, 1988: 37.

151 GRANDE, 1853: 7-8. 152 CARDOSO, 1998: 94-95. 153 PEREIRA, 2002b: 43.

objectos físicos o que a tipografia foi para o pensamento” de tal modo que “de futuro, a Europa, cortada em todas as direcções por semelhantes vias de comunicação, constituirá um só país, e os seus habitantes um único povo”154.

Após a revolução liberal, pouco mudou em termos de ideologia económica e a presença dos cânones clássicos saiu reforçada. Continuou-se a acreditar que o progresso devia assentar na agri- cultura, sua liberalização e modernização, de modo que o país pudesse trocar os produtos agrícolas por aquilo de que necessitava (Borges Carneiro, Soares Franco, Silveira Pinto). Tinha-se consciên- cia de que Portugal era essencialmente um país agrícola e exportador de produtos primários. Olivei- ra Marreca chamava a atenção para a necessidade de apressar a divisão do trabalho e a concentração de capital de modo a animar o mercado interno155, também se lamentando o incipiente grau de industrialização da economia nacional. Mas era a falta de transportes eficazes que mais tolhia o res- gate do país, de acordo com as frequentes referências encontradas nas décadas de 1830 e 1840: “three Napoleonic invasions, the independence of colonial Brazil in 1822 and the 1832-1834 civil

war brought great disarray to businesses, making cultural and social elites conscious of Portugal’s late industrialisation in comparison to other countries, and the need for technical progress and transport facilities to catch up with Europe”156. Teoria semelhante era defendida em Espanha157.

Quanto ao papel do estado nesta questão, a maioria era da opinião que este devia dar liberdade ao trabalho e à iniciativa privada e apenas tomar acções no sentido de favorecer e premiar os agen- tes económicos. Afirmava-o Manuel Joaquim Rebelo em 1795, afirmaram-no mais tarde Ferreira Borges, a ACP e Silvestre Pinheiro158.

Durante a regeneração o pensamento económico não seguiria à risca os cânones clássicos, mas seria marcado por um progressivo ecletismo (baseado num pragmatismo, num senso comum e num circunstancial económico), que substitui ou complementa o pensamento clássico e os seus dogmas e que perdurará até à década de 30 do século XX, invadindo inclusivamente as esferas governamen- tais. Tudo dependia das circunstâncias e de casos práticos, pelo que os responsáveis directos pela condução das economias nacionais ostentavam uma muito maior autoridade do que qualquer teóri- co. Por outro lado, no parlamento, “political economy appears as a discursive amalgam available to

suit all tastes and placed at the service of all peoples”159. O próprio papel dos poderes públicos nes- ta questão foi encarado desta forma. A ortodoxia continuava a apostar no livre-câmbio e a apontar no sentido de o estado se abster de participar na economia, mas na segunda metade de oitocentos

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Apud. GAIO, 1957: 19-20; GCF, a. 58, n.º 1404 (16-6-1946): 356.

155

ALMODÔVAR & CARDOSO, 1998: 64-65, 68-70 e 72. LAINS, 1986: 393. SÁ, 1964a. MACEDO, 2009: 123.

156

MATA, 2008: 148.

157

MORQUECHO Y PALMA, 1856.

158

ALMODÔVAR & CARDOSO, 1998: 71-72. CARDOSO, 2001: 58-59. PEREIRA, 1981.

159

BASTIEN & CARDOSO, 2009: 57. Ver também BASTIEN, 2001: 69. CARDOSO, 2001: 93. SÁ, 1964b. REIS & TORGAL, 1993: 414.

surgem opiniões algo contrárias. Em 1862, Fradesso da Silveira encara o desenvolvimento dos transportes internos como uma forma do proteccionismo que desejava para o país. Rodrigues de Freitas defendia que era o estado quem devia fazer obras públicas, no que era seguido por Oliveira Martins, para quem os instrumentos de uma sociedade deviam estar sob a tutela dos poderes públi- cos. Já para António de Serpa, o ideal era a liberdade pautal com a qual Portugal seria invadido de produtos industriais estrangeiros, mas veria aumentar a sua exportação de produtos agrícolas. Simultaneamente, o desenvolvimento das vias de comunicação favoreceria a agricultura e numa segunda fase a indústria. Mas dentro do próprio partido havia posições discordes: Lopes de Men- donça, por exemplo, defendia um regime mais proteccionista. Numa coisa estavam de acordo: a falta de vias de comunicação eram um enorme entrave ao desenvolvimento da agricultura160.

*

Em suma, era crença generalizada que Portugal era um país rico mas mal explorado e que era possível competir com o resto da Europa, através do desenvolvimento da sua agricultura proporcio- nado pelos melhoramentos do sistema de transportes161. Tal ilusão não era exclusiva dos portugue- ses. Em Espanha lamentava-se que “em quanto se sente um arido vasio no nosso mundo industrial,

occultam-se debaixo dos nossos pés incognitos thesoiros”162. Nesse sentido, os governos foram oscilando nas suas políticas conforme as circunstâncias, mas, à excepção dos governos reformistas de finais da década de 1860 todos estavam concordes em relação à aposta ferroviária, por muito que enquanto oposição protestassem contra as medidas dos adversários, como veremos a seguir.

160 CARDOS0, 2001: 63-67 e 89-90. RIBEIRO, 1977. 161 QUARESMA, 1988. 162 MORQUECHO Y PALMA, 1856: 543.