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48 Apud GUILLEMOIS, 1995: 67.

49 DCD, 21-7-1852: 288. 50 PINHEIRO, 1988b: 117.

a despesas gerais do estado e como garantia para a obtenção de um empréstimo para construção de estradas. Tudo indica que nesta altura o caminho-de-ferro do Porto a Lisboa só serviu para transpor- tar o fundo de mãos privadas para as mãos do estado e para conquistar simpatias a norte51 (de facto, a lei das expropriações só seria aplicada à linha do leste quando a do norte já estavam também decretada), muito embora o governo tivesse incumbido os engenheiros Gromicho Couceiro, Sousa Brandão e Nunes de Aguiar do seu estudo52. Mais tarde, o estado ordenaria a construção da estrada entre Porto e Coimbra (forçado por uma proposta de lei assinado por dezenas de deputados, entre os quais alguns amigos do governo) e contrataria uma empresa de mala-posta para realizar o trajecto entre Coimbra e o Carregado53.

A sul a transparência não era maior. Além de a questão da linha entre o Barreiro e Vendas Novas ter sido resolvida num tempo recorde (menos de quatro meses), no concurso verificou-se entre alguns dos candidatos um conluio para manter em alta a subvenção a receber. No parlamento, Cunha Sotomaior refere como soubera da patranha no teatro pela boca do próprio Fontes, que, indignado, não nega os factos apenas dizendo que o cidadão Fontes Pereira de Melo ia ao teatro, mas o ministro da fazenda limitava a sua vida ao ministério. Desta esquizofrenia resultava o anda- mento do projecto e a adjudicação da obra à CCFST, mas um atropelo da legalidade, que seria con- tinuada por novo desfalque ao fundo de amortização para este caminho-de-ferro e por uma adição ao contrato sem aprovação parlamentar54.

De qualquer modo, a empresa ferroviária avançava, apesar de o projecto de lei que deveria fixar o systema geral de communicações do Reino não ter sido alvo de discussão, o que valia a Fon- tes trunfos políticos e admiração até de Espanha, pois “el Portugal marcha hacia adelante, y hace

cuantos esfuerzos le son posibles para el mejor y mas pronto desarrollo de sus obras públicas. Ple- gue á Dios que no nos quedemos atras”55. A oposição avilista, não se opondo à construção ferroviá- ria, opunha-se ao método seguido pelo governo sobretudo ao nível financeiro e parlamentar e apro- veitou ao máximo o facto de no negócio da linha de Santarém a escolha ter recaído sobre um desco- nhecido em detrimento de um perito, entendendo que “nação que principia, não póde, nem deve

principiar com principiantes”56, apesar de o principiante ter sido o único a obedecer às condições impostas no concurso. Porém, os contornos financeiros, parlamentares e processuais em que se desenvolvia a questão (pitorescamente descritos pela GCF57) eram demasiado suspeitos, rapidamen-

51

MATA, 1993. PEREIRA, 2008b: 78. VALÉRIO & MATA, 1988.

52

AHMOP. COPM. Liv. 1 (1852-1853): 1-6. COLP, 1852: 628-630. DINIS, 1915-1919, vol. 1: 41.43. FINO, 1883- 1903, vol. 1: 19-20. 53 PEREIRA, 2008b. 54 PEREIRA, 2008b: 86-91. 55 ROP, t. 2, n.º 23 (1854): 281-282. 56 DCD, 24-1-1854: 152 (Carlos Bento). 57 GCF, a. 48, n.º 1173 (1-11-1936): 509.

te se tornando objectivo da oposição “provar-vos com documentos, que o acto da maior rapina que

se tem commetido em Portugal é esta adjudicação do caminho de ferro ao Sr. Hislop”58. Não é pois de admirar que a linha de Sintra, adjudicada a um homem experiente (Lucotte tinha no currículo a construção de estradas e pontes) e sem qualquer encargo para o estado, não tenha sido tão prolixa- mente discutida como as outras duas59.

Mas à medida que a obra (não) avançava, a oposição avilista e histórica ganhava força com os sucessivos atrasos e a falta de solidez das obras, que culminaram numa paralisação dos trabalhos na linha do leste e sequente tomada de posse da empreitada pelo governo. Este, quando não enterrava a cabeça na areia (na resposta à coroa de 1856 nem sequer se mencionava o caminho-de-ferro ao con- trário de anos anteriores quando a linha do leste sempre pontificara), enaltecia a obra efectivamente feita e num discurso dirigido a um monarca que se preocupava com a condição dos mais pobres justificava a continuação das obras por sua conta para “não pôr de repente á mercê da caridade

publica, á mendicidade, alguns milhares de indivíduos [os trabalhadores]”60.

O caminho-de-ferro tornava-se assim mais uma causa para a cisão definitiva entre históricos e regeneradores, após o falhanço dos contratos para as linhas de leste e Sintra, os constantes atrasos no caminho-de-ferro do sul e os subsequentes acordos financeiros de 1856 entre Fontes e o CM dos Pereire (que neste ano formariam em Espanha a NORTE na sequência da concessão do caminho-de- ferro de Madrid a Irún61) para dar novo alento à construção ferroviária (dos quais resultou a realiza- ção de estudos para as linhas de norte e leste a cargo do engenheiro Watier) e concluir fora da esfera judicial (que protelaria a política de melhoramentos materiais por muito tempo62) o negócio com os empreiteiros ingleses. A contrapartida seria um aumento de impostos, até porque para Fontes os portugueses podiam e deviam pagar mais, mas para a oposição não, sobretudo “quando a molestia

das vinhas, a falta de trabalho nos campos, a carestia de generos alimenticios, as inundações, os terremotos, quando a peste a fome, quando todos os flagellos reunidos apresentam por toda a parte o quadro espantoso da desolação publica”63.

O aparecimento de um outro concorrente (Prost) levantou ainda mais embaraços ao governo, uma vez que aparentemente tornava o empréstimo acordado com os Pereire desnecessário64. Duran- te a discussão do acordo com o CM entre Março e Maio de 1856, no parlamento e fora dele (com a recolha de assinaturas contra este projecto), o governo foi verdadeiramente cilindrado pela oposição

58 DCD, 6-5-1855: 51 (Cunha Sotomaior). 59 PEREIRA, 2008b: 91-92. 60

DCD, 6-2-1856: 25. Ver também MÓNICA, 2005. PEREIRA, 2008b: 75-85.

61

COMÍN COMÍN et al., 1998, vol. 1: 67-70. TEDDE DE LORCA, 1978: 23-27.

62 PEREIRA, 2008b: 94. 63 DCD, 10-5-1856: 139 (Caetano Garcês). 64 PINHEIRO, 1986: 457-458. PINHEIRO, 2004: 4.

(a discussão ocupou 44 sessões com 151 intervenções de 26 deputados)65. O objectivo da oposição tornava-se claro: a mudança do governo porque “os nossos ensaios de construcção de caminhos de

ferro têem sido muito infelizes, têem sido e hão de também continuar a ser muito caros a este paiz em quanto forem dirigidos os negocios pelo modo por que são tratados”66. Os ânimos exaltaram-se ao ponto do regenerador Lobo de Ávila afirmar que “quando assevero sob a minha palavra de hon-

ra, que é verdade o que digo, não admito que ninguém duvide, e n’este caso a explicação que peço não é aqui”, recebendo um “Aceito” do histórico Chamiço67.

O projecto de Fontes passaria na câmara baixa, mas nos pares as perspectivas eram negras. Já em 10-3-1856, o conde de Tomar apresentara um requerimento para que a CCP fosse tratada com o mesmo rigor que a COPP. A vingança servia-se fria, mas para Fontes “uma ostentação de rigor

prejudicaria a causa do progresso material, e tornaria difficeis, quasi impossiveis, os caminhos de ferro por muitos annos em Portugal”68, dada a protecção que os capitalistas ingleses gozavam por parte do mercado financeiro de Londres69. Nas semanas seguintes até Maio surgiriam nos pares mais dois requerimentos semelhantes, motivando o terceiro uma ampla discussão (perto de 50 inter- venções por pouco mais de uma dezena de pares)70. Seria também nomeada uma comissão de inquérito (sem nenhum membro manifestamente favorável ao governo), que apesar de não ter che- gado a nenhuma conclusão sólida, deu azo a novas discussões e novas censuras ao executivo71. O governo procurou alterar o equilíbrio parlamentar nos pares, pedindo ao rei uma fornada. Perante a régia recusa, o ministério caía. O projecto chegaria à câmara alta somente para ser rejeitado.