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3 O PROBLEMA DA REIFICAÇÃO

3.7 A infraestrutura, superestrutura e a reificação

A força ostensiva de reificação se espalha por toda as relações sociais, econômica e políticas, são como tentáculos de um polvo que se infiltra nas células das sociedades capitalistas Como uma célula cancerosa esta se estende por todos os espaços das relações humanas.

Goldmann (1979, p. 131, grifo do autor):

O que nos interessa aqui é a modificação que o processo de reificação acarreta na natureza das relações entre infra e superestrutura. No seu conjunto, o fenômeno é geral. O que designamos sob o termo reificação sendo em primeiro lugar o aparecimento na vida social dos processos econômicos enquanto fenômenos autônomos e, por isso mesmo, meramente quantitativos, sua primeira conseqüência é subtrair quase inteiramente esse fenômeno à ação da superestrutura, reforçando, ao contrário, sua ação sobre esta.

Para as sociedades capitalistas este se torna um problema inevitável, pois o próprio Estado não está imune à dissecação dos seus setores pela reificação que, em detrimento do mercado, determinará o corpo de legislação para que o próprio mercado possa se expandir e controlar as matrizes econômicas. Enraíza-se no sistema jurídico com o método weberiano, determinando assim um direito automático e burocratizado.

Lukács (2003, p. 216):

Surge uma sistematização racional de todas as regulamentações jurídicas da vida, sistematização que representa, pelo menos em sua tendência, um sistema fechado e que pode se relacionar com todos os casos possíveis e imagináveis. Resta saber se esse sistema se encadeia internamente segundo vias puramente lógicas, de uma dogmática puramente jurídica, de acordo com a interpretação do direito, ou se prática do juiz está destinado a preencher as ‘lacunas’ das leis.

E ainda complementa sobre o funcionamento das leis no Estado, como se fossem argumentadas em função do próprio estado fetichizado, onde a sombra da lei estivesse encoberta por uma nuvem misteriosa de interpretações e vontades.

Muito embora Lukács não cite assim, mas essa burla pertence à burguesia interessada em se apropriar das riquezas racionais do Estado.

Mas Afirma:

Pois essas formas modernas de empresa, com seu capital fixo e seus cálculos exatos, são muito sensíveis às irracionalidades do direito e da administração para que se tornem possíveis. Só poderiam surgir onde o juiz, [...] como o Estado burocrático, com suas leis racionais, fosse mais ou menos distribuidor automático de parágrafos, nos quais os documentos com custos e honorários fossem inseridos por cima, para que ele vomite por baixo a sentença com considerações mais ou menos sólidas, e cujo funcionamento, portanto, fosse em geral calculável (LUKÁCS, 2003, p. 216, grifo do autor).

Goldmann (1979) interpreta que a ação do direito se intensifica de forma notória no campo econômico devido o próprio controle das próprias estruturas: a infra e própria superestrutura reificadas. Considera:

No que se refere ao direito, ele diz respeito muito perto à vida econômica para que – salvo em situações excepcionais e transitórias (mercado negro etc.) – seja possível um descompasso importante, estendendo-se a um grande setor da produção. O desenvolvimento da produção capitalista na Europa ocidental também ocasionou uma transformação radical da superestrutura jurídica que se tornou cada vez mais um simples reflexo da vida econômica (GOLDMANN, 1979, p. 131).

Visto que as sociedades capitalistas tendem em geral aos princípios da autonomia absoluta, como se fosse uma realidade imutável, e o capital funcionasse, tal como prevê as leis racionais, como um princípio que poderia evitar as crises, mas o que se vê na realidade e que não se pode menosprezar é a luta de classe que muda o curso da história. As leis sofrem mutações constantes, mudando o cenário do poder do Estado em relação à sociedade, sempre com a tendência de controlar as leis que regem a economia.

Para Goldmann (1979, p. 132, grifo do autor):

Ainda que com risco de nos repetirmos, precisamos lembrar que a economia como fenômeno autônomo é própria da produção mercantil e que seu aparecimento gera necessariamente o aparecimento concomitante de um terreno político próprio que não existia antes. Com efeito, na medida em que a reificação está ligada à existência de uma economia autônoma que tem leis próprias de funcionamento, ela tende a reduzir ao extremo o domínio político do Estado. Fazendo dêste um simples um simples gendarme e administrador dos interesses comuns da classe dominante. É a ideologia liberal e em grande medida – apesar das aparências – a realidade das relações entre a economia e o Estado até à véspera da última guerra mundial (mais exatamente até ao hitlerismo e ao New-Deal).

Para Lukács (2003, p. 224), há um embate decisivo e constante no território das leis e sua flexibilidade se deve imediatamente ao que define: “Por isso Engels pode definir as ‘leis naturais’ da economia capitalista como leis da contingência”.

Tal flexibilidade implica numa inserção alienante da faculdade psíquica dos sujeitos envolvidos, em fazer acreditar nessa natureza como se fossem eternas para evitar a crise, porque não se trata de uma relação simples de “coisas”, uma vez que a necessidade de se manter a ordem e a natureza das reações pode causar danos a própria economia do mercado.

No entanto, a considerada mais de perto, a estrutura da crise aparece como uma simples intensificação, quantitativa e qualitativa, da vida cotidiana da sociedade burguesa. Se a coesão das “leis naturais” dessa vida – que, no imediatismo cotidiano, desprovido de pensamento, parece solidamente fechada – pode sofrer uma ruptura repentina, isso só é possível porque, mesmo no caso do funcionamento mais normal, a relação dos seus elementos e dos seus sistemas parciais entre si é algo de contingente. Do mesmo modo, a ilusão segundo a qual toda a vida social estaria submetida a leis “eternas e inflexíveis”, que certamente se diferenciam em diversas leis especiais nos domínios particulares, deve necessariamente revelar-se como o que realmente é, ou seja contingente (LUKÁCS, 2003, p. 224).

De fato o que caracteriza os ditames da reificação é uma economia liberal burguesa, por acreditar que algo poderia acontecer de certo, mas nada poderá mudar essa condição e para tanto deve contar com o próprio Estado. A isso, explica as disputas dos cargos dos governos nas democracias.

Para Goldmann (1979, p. 132, grifo do autor):

Assim, o desenvolvimento de uma economia capitalista anárquica tende a reduzir tanto o direito quanto o Estado como realidade política a expressões que se pretendem ativa e autônomas, mas que são, na realidade, mais ou menos passivas – ou, mais exatamente, tendentes a uma passividade total a que nunca chegam realmente – da única realidade efetiva e essencialmente atuante: a vida econômica e os interesses das classes dominantes.

De uma forma ou de outra, existe a tomada de consciência da realidade dos sujeitos, pois o ser social se presta à reificação. Importa observar que este debate não é de interesse da burguesia, ou da classe dominante como queira citar. Sabe-se que a existência do fenômeno pode de fato apoderar-se dos poderes e conduzir de forma sistemática a superestrutura submetida à reificação. “Poderia parecer que estamos em presença de um fenômeno definitivo e inevitável, uma espécie de fatalidade da evolução histórica” (GOLDMAN, 1979, p. 138).

Portanto, como se pode constatar, a infra e a superestrutura estão condicionadas a uma vontade, que não é da classe subalterna, mas de todos os setores que fazem parte de um corpo da lógica formal.

Goldmann (1979, p. 138):

Como acabamos de mostrar que a reificação – que consiste essencialmente na substituição do qualitativo pelo quantitativo, do concreto pelo abstrato e que está estreitamente ligada à produção para o mercado, principalmente a produção capitalista – tende, paralelamente ao desenvolvimento dessa

produção para o mercado, principalmente a produção capitalista – tende paralelamente ao desenvolvimento dessa produção, apoderar-se progressivamente de todos os domínios da vida social e a substituir as outras diferentes formas de consciência.

No modelo de governo neoliberal fica visível a característica da reificação, porque tenta se apoderar de forma mais ofensiva da vida social dos sujeitos. O neoliberalismo consiste, pois, em dar maior sustentação e facilitar os trâmites políticos para o fluxo de capital global. Como se dá em grandes investimentos nas políticas culturais, consiste em mais uma forma de tomada de consciência da própria sociedade, consolida-se, então, no imaginário popular, criando novas impressões para a cultura erudita.