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3 O PROBLEMA DA REIFICAÇÃO

3.4 Leis de mercado, o trabalho e os sujeitos reificados

A primazia do próprio trabalho se aproxima do conceito de reificação verificado por Hannah Arendt, muito embora o conceito empregado pela autora enverede nas esferas ontológicas e da própria contemplação da prévia ideação, termo empregado por Lukács nos estudos sobre a ontologia.

Arendt (1993, p. 152):

A fabricação, que é o trabalho do homo faber, consiste em reificação. A solidez, inerente a todas as coisas, até mesmo às mais frágeis, resulta do material que foi trabalhado; mas esse mesmo material não simplesmente dado e disponível, como frutos do campo e das árvores, que poderemos colher ou deixar em paz sem que com isso alteremos o reino da natureza. O material já é um produto das mãos humanas que o retiraram de sua natural

localização, seja matando um processo vital, como no caso de árvore que tem que ser destruída para que se obtenha madeira, seja interrompendo algum dos processos mais lentos da natureza, como no caso do ferro, da pedra ou do mármore, arrancados do ventre da terra. Este elemento de violação e da violência está presente em todo processo da fabricação, pode ser o amo e o senhor de todas as criaturas vivas, mas ainda é servo da natureza; só o homo faber, criador do artifício humano, sempre foi um destruidor da natureza.

Assim, será retomado o corpo teórico discutido no capítulo anterior, que tem sua gênese na explicação do trabalho e na intervenção da natureza. A clara distinção do fazer do homo faber e do animal laborans, que fundamenta a relação homem e a natureza também é reificação.

O chão do espaço fabril fez parte do mundo observado, nesse contexto histórico, tanto para Marx quanto para Arendt, em que cabem todas as críticas sobre Marx prefaciadas por ela. Mas, existem pontos convergentes que não dilaceram as relações teóricas.

A própria historicidade, parte que integra o materialismo de Marx sobressai da própria forma que Marx utilizou para narrar os fatos históricos observados da sociedade. Quando Marx observa o movimento da história através do materialismo histórico, observa-se nesse movimento a práxis numa relação metódica entre teoria e prática.

Em todas as observações, Marx sempre criticou a propriedade privada e as primazias do mercado do lucro e da exploração homem por outrem. Assim, será visto novamente o problema das relações entre “infra-estrutura” e “superestrutura” para a observação de perto a primazia do mercado e suas relações com o trabalho, mas o que interessa aqui nesta pesquisa é encontrar relação com os efeitos letárgicos dessa condição.

Para Goldmann (1979, p. 123, grifo do autor):

Aliás, é necessário acrescentar aqui uma observação que requer maior desenvolvimento e sobretudo contrôles históricos longos e difíceis de efetuar. Com efeito, além da reificação estudada por Marx e que é devida à produção mercantil, é provável que a estrutura capitalista da economia ainda fortaleça a autonomia das coisas inertes em relação a realidade humana.

Embora todas as relações que se entrelaçam nessa etapa da história, o proletariado ainda estabeleciam no seu trabalho maior concentração de movimentos físicos, e a energia despendida em suas realizações laborais necessitavam de menor esforço mental nas operações, visto que a maquinaria era menos complexa. O que não afastava o poder da reificação dos processos mentais do trabalhador e

suas relações entre o que ele produzia e valor de troca mercantil que essa mercadoria representava.

Goldmann (1979, p. 120) chama atenção para:

Ressaltemos a importância capital desses dois fenômenos para a estrutura psíquica dos homens que vivem no mundo capitalista. Desde logo eles devem necessariamente levar à ruptura das relações imediatas entre os homens e a natureza.

O distanciamento do proletário da produção capitalista dada na relação qualitativa do valor de uso, criou uma nova visão que representava uma ruptura do processo quantitativo sendo substituído pela razão quantitativa.

[...] fechou progressivamente a compreensão dos homens aos elementos qualitativos e sensíveis do mundo natural. A sensibilidade a esses elementos tornou-se cada vez mais um privilégio ‘dos poetas, das crianças e das mulheres’, isto é, dos indivíduos à margem da vida econômica (GOLDMANN, 1979, p. 121, grifo do autor).

É inevitável que os sistemas capitalistas, os quais regem as forças econômicas, se engrandeçam das forças produtivas de mercado para encher as prateleiras e realizar amplas campanhas de publicidade para que o próprio trabalhador/produtor seja atraído pelo preço, deles retirados os esforços aplicados na produção das mercadorias, para garantir menor preço no valor de troca.

Afirma Goldmann (1979, p. 122):

Uma das características fundamentais da sociedade capitalista é de mascarar as relações sociais entre homens e as realidades espirituais e psíquicas, dando-lhes o aspecto de atributos naturais das coisas ou de leis naturais. É por isso que as relações de troca entre os diferentes membros da sociedade – transparentes e claros em todas as demais formas de organização social – tomam aqui a forma de um atributo de coisas mortas: o preço.

Essa relação que mascara a realidade possui um cordão umbilical entre o consumidor que não busca esclarecer a origem dos produtos nem o preço a ele estabelecido é de um grau de abstração tamanha, como coisas invisíveis, que o próprio indivíduo que adquire uma mercadoria desconhece o percurso que esta passou desde a sua forma original até o produto acabado. Pois é no preço onde tudo se resume.

Goldmann (1979, p. 122, grifo do autor) :

Ora, isto não é um fato isolado; é pelo contrário o fenômeno social fundamental da sociedade capitalista: a transformação das relações humanas qualitativas e atributo quantitativo das coisas inertes, a manifestação do trabalho social necessário empregado para produzir certos bens como valor, como qualidade objetiva dêsses bens: a reificação que consequentemente se estende progressivamente ao conjunto da vida psíquica dos homens, onde ela faz predominar o abstrato e o quantitativo sôbre o concreto e o qualitativo.

Uma inversão da ordem do valor e da ordem do preço pode ser vista como consequente na revenda dos produtos. Novos atributos surgem em função do valor para determinar o menor preço, pois é sabido de todo empreendedor que a concorrência se esvai na fantasia do preço do produto.