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A Integralidade no PSF a partir das práticas de saúde

Capítulo VI – Análise e interpretação dos resultados

PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA 1 Impacto

2. A Integralidade no PSF a partir das práticas de saúde

No tocante à integralidade, os efeitos estiveram relacionados às práticas de saúde em duas perspectivas: o trabalho educativo realizado pelas equipes e a abordagem dos usuários pelos profissionais.

No que se refere ao critério medição e amplitude observamos como efeitos desejados positivos a realização de atividades educativas para os grupos prioritários e para o público em geral através de ações na sala de espera. Estas atividades foram mais prevalentes em municípios de pequeno e grande porte, porém foram nos municípios de pequeno porte onde os usuários referiram participar mais. No entanto, essa participação, em geral, foi referida por menos de 50% dos usuários, chegando a valores muito baixos em municípios de grande porte.

No que tange ao critério expectativas, identificamos como efeitos indesejados em todos os municípios: a pouca participação da população decorrente, sobretudo da falta de incentivo material para isso e a realização de poucas ações de cunho educativo relacionado à desmotivação dos profissionais. De acordo com estes, são os municípios de Taipu, Canguaretama e Mossoró, em que estas atividades foram desenvolvidas de forma insuficiente. Podemos acrescentar a esses elementos a presença de ações que se organizam em tornos de palestras sobre doenças, com abordagens prescritivas de comportamentos saudáveis e pouca participação dos usuários enquanto sujeitos do processo de aprendizado.

Nos municípios de pequeno e médio porte acrescentamos também como efeito indesejado, no que concerne às expectativas, a ausência de profissionais médicos no trabalho educativo, decorrentes do pouco tempo destes profissionais no Programa e pela falta de interesse dos mesmos em participar.

O trabalho educativo, em geral, é desenvolvido pela enfermagem, mais fortemente pelo enfermeiro, agentes comunitários de saúde, e, em algumas equipes, também pelo dentista. A presença do médico foi notada nos municípios de grande porte e não nos demais. E mesmo sendo observada nestes, percebemos uma diferença significativa entre as equipes de Mossoró e de Natal. No primeiro, os médicos pouco participavam e, na sua maioria, não consideravam importante sua participação no

trabalho educativo. Em Natal, por sua vez, é maior a presença do profissional médico, inclusive desenvolvendo ações de excelência no campo do trabalho educativo e com reconhecimento pela comunidade e demais membros da equipe.

Para Reis et.al (2007), a abordagem educativa atua como importante elemento no sentido de minimizar as demandas por atendimento médico e favorecer comportamentos considerados mais saudáveis. E ainda, esta abordagem desse ser feita pelo diálogo, tendo por norte o desenvolvimento da cidadania e da autonomia. Os autores criticam o uso de recompensas como mecanismos para atrair a população para estas atividades. Para eles, ganhar brindes e presentes, além de outras abordagens pouco participativas, reforçam a dependência aos saberes profissionais e a tutela da população.

Segundo Pires (2007), a educação em saúde é um campo de práticas onde devemos estimular a criação de vínculos entre os trabalhadores de saúde e o pensar e fazer cotidiano das famílias. A articulação destas ações através de um trabalho de parceria deverá romper com a verticalização das relações entre trabalhadores de saúde e usuários ao valorizar a troca de experiências. Tais práticas se contrapõem às tradicionais, porém o que temos visto são práticas de educação em saúde caracterizada por uma “concepção bancária”, com uma educação alienante, ou seja, o usuário passa de sujeito à objeto e, portanto, desconhece sua capacidade de transformar a realidade.

Ainda que essas ações não estejam presentes em todas as equipes pesquisadas, nem sejam realizadas de forma contínua (em relação ao público em geral) e que ainda tragam no seu bojo a herança de uma “educação bancária”, mesmo assim essa é uma ação importante desenvolvida pelo Programa e que pode vir a gerar impactos importantes sobre a qualidade de vida e melhoria da saúde da população. Esse aspecto foi observado em todos os municípios, ainda que não tenha sido identificado em todas as equipes participantes do estudo.

Levando em conta ainda, que a prática educativa no PSF pode ajudar a minimizar as barreiras de acessibilidade a partir de uma melhor compreensão do Programa pelos usuários e assim melhor uso pelos mesmos. É preciso avançar no sentido da sensibilização dos profissionais, principalmente, médicos, para o sentido destas ações e sua importância para ajudar a diminuir os efeitos da medicalização da saúde e ajudar a promover a saúde e vida destas populações.

No que se refere à abordagem dos usuários pelos profissionais de saúde, identificamos como efeito positivo e desejado, a partir dos critérios de expectativas, valoração e materialização, que em todos os municípios há uma maior participação do

profissional enfermeiro nas ações de acompanhamento dos grupos prioritários, assim como um direcionamento para uma abordagem mais integral dos usuários. A avaliação do atendimento deste profissional, ficou em patamares mais elevados em todos os municípios. Porém, não foram observados efeitos significativos quanto à prática médica, resultado presente em todos os municípios. Ainda que os relatos dos usuários registrem uma melhor comunicação entre médicos e pacientes, ainda assim, essa melhor comunicação, não representou, necessariamente, uma melhor atenção. Uma vez que eles se sentem compreendidos, mas nem sempre atendidos em suas necessidades.

Percebemos a partir dos resultados apresentados no capítulo anterior, que são nos municípios de menor porte onde os médicos fazem mais recomendações de cuidados de saúde, e nos de médio porte onde se fazem menos. Quanto ao enfermeiro, estes fazem mais recomendações em Acari e Canguaretama e menos nos municípios de grande porte. São também os municípios de pequeno porte que vão referir um maior conhecimento da equipe sobre os problemas de saúde das famílias, e nos municípios de Santa Cruz e Natal é onde há menor referência de conhecimento da equipe sobre os problemas das famílias. O médico apresenta melhores índices de visitas nos municípios de pequeno porte e o enfermeiro em Acari e Mossoró, e ambos apresentam menores resultados em Santa Cruz e Natal.

Analisando melhor e aprofundando o olhar sobre estes dados, vamos perceber que, no geral, o enfermeiro teve melhores resultados que o profissional médico. É também possível afirmar que a formação deste profissional está mais voltada para a saúde pública. E considerando também que foram estes os profissionais que apresentaram mais especializações nesta área e em saúde da família, além de desenvolver, principalmente, ações de acompanhamento dos grupos prioritários, são os enfermeiros os que apresentam uma abordagem mais integral e equitativa dentro das equipes do Programa aqui analisadas, porém ainda se faz necessário avançar sobre este aspecto.

Para Costa e Silva (2004), a partir do PSF o profissional enfermeiro voltou-se mais para ações de promoção e prevenção da saúde, principalmente no tocante à saúde da mulher e à criança. Na pesquisa realizada pelo CONASS, o atendimento prestado por equipes de enfermagem em estabelecimentos do SUS é, de modo geral, muito bem avaliado, com dois itens sendo destacados: a boa educação e gentileza no atendimento prestado e a solução dada pela equipe aos problemas apresentados pelos usuários. Porém, um item também não foi bem avaliado: o tempo de espera para o atendimento.

Outro dado que nos chama a atenção nesta pesquisa, refere-se à opinião dos usuários de que o atendimento possibilitado pelo PSF não é melhor nem pior do que o atendimento prestado por médicos e enfermeiros de outros postos de saúde ou hospitais (essa foi a resposta de 45%). Apenas ligeiramente, há o predomínio de que no PSF possa ter um melhor atendimento (em 40%). (BRASIL, 2003).

É possível perceber a partir do relato dos usuários, bem como dos próprios profissionais, que a prática, eminentemente clínica, ainda é um imperativo dentro do PSF. A abordagem direcionada para o tratamento da doença física, é o usual. Ainda que alguns profissionais afirmem que tentam agir diferente, buscando ações mais preventivas, alegam que é difícil mudar por que os próprios usuários exigem deles tal tipo de postura. A essa conduta centrada na figura do médico e da ação restrita a queixa- conduta, é dado o nome de medicalização.

A medicalização é um termo utilizado para designar um modelo de prática clínica que considera a medicina dentro do seu aspecto mais restrito, enquanto uma visão mecânica do ser humano, sensível apenas a harmonia do próprio organismo para funcionar. A doença passa a ser decorrente de uma causa direta, que provoque alteração de alguma função do organismo sem considerar os fatores externos que podem interferir nesse processo, tais como: políticos, sociais, econômicos e ambientais inerentes a esse processo. (PAULA, 2008). Portanto, são práticas em que se valorizam muito o ato técnico em si, o uso de medicamentos e equipamentos de alto nível tecnológico, que de acordo com Merhy (2004) são consideradas tecnologias duras.

Por outro lado, a mudança pretendida na prática clínica pelo PSF envolve o uso de outras tecnologias, tais como: as tecnologias leves e leve-duras. As primeiras estão vinculadas aos modelos relacionais de agir na produção de cuidados de saúde e as segundas referem-se aos saberes tecnológicos clínicos e epidemiológicos, utilizados na perspectiva de um cuidado visando aspectos preventivos e de promoção da saúde. (MERHY, 2004).

Para a população em geral, as tecnologias duras ainda são as responsáveis diretas pela percepção de resolução das ações de saúde. A consulta clínica seguida da prescrição de medicamentos, são os principais elementos a ser considerados em relação a estes aspectos. No imaginário dos usuários dos serviços de saúde, ainda é forte a ideia de que o medicamento é algo concreto que tem o poder de restabelecer e de oferecer saúde. (PAULA, 2008).

Investigando o contexto das práticas de saúde no PSF, vários autores vão encontrar a predominância do atendimento curativo em detrimento do preventivo e com as ações de promoção e prevenção acontecendo de forma muito tímida. (DUTRA, 2009; ROSA, LABATE, 2005). É através de uma prática eminentemente clínica, com pouca ou nenhuma participação de todos os profissionais em atividades educativas que vamos perceber a pouca valoração das atividades de prevenção e promoção dentro do contexto das práticas de saúde do PSF. Não basta afirmar que acontecem grupos educativos, é ainda mais significativo visualizar como esta prática tem se dado, quem participa destas ações, com que frequência, quais os aspectos são trabalhados e quem define esses aspectos. Na análise destas questões associadas à abordagem aos usuários aqui colocadas, é que começamos a vislumbrar melhor que as práticas ainda estão muito distantes de uma percepção do indivíduo enquanto sujeito do seu processo de saúde- doença, enquanto um ser integral e permeado de significados e percepções que guiam suas formas de agir e de cuidar da saúde.

Sendo assim, a atenção primária à saúde, base do PSF, e principal guia orientador das práticas que se almejam no Programa, traz como características para os cuidados de saúde a orientação do cuidado para a pessoa, de forma abrangente, integrada e contínua. Isso significa pensar o cuidado baseado nas necessidades do outro. Necessidades reveladas ou percebidas, de forma a valorizar os diferentes aspectos que possam interferir nos modos de andar a vida de cada indivíduo, de cada família, de cada população. Dentro desse contexto de cuidados, a atenção primária propõe um ponto de entrada, mas que atue como organizador, a fim de tornar possível a construção de relações de confiança entre usuários e prestadores de cuidados e não como fator limitador da atenção. Para tanto, é necessário mudar a ênfase dos cuidados especializados, centrado nas tecnologias duras para cuidados generalistas, centrados em tecnologias leve e leve-duras, considerando os contextos sociais no qual a população adscrita esteja inserida e ainda dentro de um sistema de saúde integrado, coordenado e com a participação da população e das organizações da sociedade civil no planejamento e controle das ações de saúde. (OMS, 2010).

Ou seja, há que se reconhecer a dimensão humana na saúde e a necessidade de adaptar as respostas dos serviços de saúde à especificidade de cada grupo populacional, família e de cada situação individual. Porém, para chegar a esse ponto a trajetória é longa e o caminho tortuoso, uma vez que se exige para tal mudança que ocorram rupturas drásticas com modelos já incorporados aos serviços de saúde. Para a OMS, os

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