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CAPÍTULO II O PROCESSO DE AVALIAÇÃO: Percurso teórico-metodológico.

2. Avaliação de política públicas em saúde

3.4 Modelo teórico

3.4.2. Conceitos centrais e indicadores

3.4.2.2. Acessibilidade e porta de entrada

Os termos acesso e acessibilidade são usados de forma intercalada e, geralmente, ambígua. Em pesquisa desenvolvida sobre acessibilidade aos serviços de saúde, Lora (2004) nos apresenta os conceitos de Donabedian, para o qual acesso significa “o ingresso ao sistema de saúde” e Millman que define o mesmo como o uso oportuno de serviços pessoais de saúde para alcançar os melhores resultados possíveis. Dessa forma, o acesso, por estar mais próximo de uma característica pessoal de utilização do serviço, não o torna importante na ausência de efetividade demonstrada pelos mesmos. Ou seja, o acesso do usuário ao serviço, por si só, não é suficiente para demonstrar resultados efetivos nas políticas de ampliação da atenção à saúde. Por outro lado, a acessibilidade por estar relacionada a uma característica do sistema de saúde, está mais vinculada à condição de garantia do acesso universal a todos. Assim, a acessibilidade deve ser compreendida segundo Donabedian, citado por Lora (2004), como algo adicional à presença ou disponibilidade de um recurso e deve compreender também as características do recurso que facilitam ou dificultam o uso por parte dos clientes/ usuários potenciais.

Para Starfield (2004), a acessibilidade relaciona-se à possibilidade das pessoas chegarem aos serviços, o que reflete diretamente um aspecto da estrutura de um sistema ou unidade de saúde fundamental para caracterizar os serviços como porta de entrada. Com isso, utilizamos o acesso e a acessibilidade como categorias centrais para avaliar a universalização, no que se refere à ampliação da atenção a toda a população, e à constituição de uma porta de entrada para o sistema de saúde provocada pelo programa.

A porta de entrada do sistema de saúde, é um conceito utilizado em sistemas organizados por níveis de complexidade e é considerada o primeiro serviço a assistir às pessoas que procuram serviços de saúde. Para se constituir como porta de entrada não é necessário apenas ser a primeira escolha do usuário, mas ter uma relação direta e efetiva com os outros níveis de complexidade de saúde, através do que ficou conhecido como sistema de referência e contra-referência. Nesse sistema, a pessoa é referida de um serviço de menor complexidade para um de maior complexidade, retornando através de uma contra-referência para os serviços de menor complexidade onde o cuidado a ser realizado deve ser comunicado à equipe responsável por aquele usuário no primeiro nível de atenção (refere-se à integralidade da atenção). Essa rede de referência, ou seja, a integração dos diversos níveis de complexidade se justifica tendo em vista que a maioria dos problemas de saúde referidos pelos usuários tem um caráter mais geral, e na maioria das vezes, com pouca gravidade, o que garante a resolubilidade em até 85% no primeiro nível de atenção do sistema, a atenção básica. Os demais casos, que necessitam de uma atenção mais especializada são referidos a outros serviços em outros níveis de complexidade, a fim de garantir sua resolubilidade e integralidade do cuidado (STARFIELD, 2004).

Para garantir a acessibilidade, deve-se considerar os critérios que interferem no acesso do usuário ao serviço, tais como: tempo de espera, distância dos serviços de saúde, relação com os profissionais de saúde (onde estes devem procurar ser compreendidos em suas recomendações, bem como entender as necessidades trazidas pelos usuários), barreiras geográficas, culturais ou religiosas, disponibilidade de leitos hospitalares, disponibilidade de exames etc.

3.4.2.3 Integralidade

A integralidade é um dos princípios do SUS e do Programa Saúde da Família. A integralidade para Mattos (2001), apresenta três sentidos: o primeiro refere-se a integralidade como relacionado à chamada boa medicina, o segundo como um modo de organizar as práticas e a terceira como resposta governamental a problemas específicos de saúde. Este trabalho enfatizou os dois primeiros sentidos da integralidade, tendo em vista que o terceiro extrapola os limites desta pesquisa.

No primeiro caso, a integralidade está vinculada à adoção de práticas que respondam de forma efetiva ao sofrimento do paciente que procura o serviço de saúde, através de um cuidado que não o reduza ao aparelho ou sistema biológico diretamente afetado, mas que procure perceber os determinantes e condicionantes do processo saúde-doença e assim, possa estabelecer ações que venham não só a tratar aquele sofrimento, mas a prevenir e, principalmente, promover sua saúde. Nesta condição, a integralidade refere-se às práticas de saúde e sua forma de desempenhá-las, através das concepções e comportamento dos profissionais envolvidos com a assistência. (MATTOS, 2001).

Por outro lado, a integralidade também é percebida como um modo de organizar as práticas que exigiria uma certa “horizontalização” dos programas anteriormente verticais do Ministério da Saúde. Essa perspectiva visa superar a fragmentação das atividades no interior das unidades de saúde, de forma a garantir uma assistência horizontal. É expressa através de uma demanda programada estabelecida via aplicação de protocolos de diagnóstico e identificação de situações de risco para a saúde, bem como do desenvolvimento de um conjunto de atividades coletivas junto à comunidade. (MATTOS, 2001).

O terceiro sentido refere-se à integralidade no seu sentido legal e institucional e é concebida como um conjunto articulado de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, individuais e coletivos, em cada caso, nos níveis de complexidade do sistema. É onde o indivíduo consegue ascender pelos níveis de complexidade de acordo com as suas necessidades de saúde, partindo da porta de entrada (no caso em questão, representado pelo Programa Saúde da Família), tendo acesso garantido aos demais níveis do sistema, bem como aos recursos técnicos necessários como realização de exames, procedimentos e medicamentos. (MATTOS, 2001).

Dessa forma, no seu sentido mais amplo a integralidade é concebida como uma ação social que resulta da interação democrática entre os atores no cotidiano de suas práticas, na oferta de cuidados de saúde, nos diferentes níveis de atenção do sistema. (MATTOS, 2001). Quando nos referimos à integralidade da atenção outro conceito se mostra oportuno de ser enfatizado: as práticas de saúde.

3.4.2.4. Práticas de Saúde

São ligadas a uma série de cuidados e abordagens realizadas pelos profissionais de saúde (no caso de nossa pesquisa, trabalhamos com os profissionais médicos e enfermeiros) sobre os problemas trazidos pelas famílias. O foco destas práticas é o cuidado, compreendido como o conjunto de ações realizadas no intuito de prevenir, promover, recuperar e reabilitar a saúde, tendo como base o estabelecimento de vínculos com a comunidade e a responsabilização pelo cuidado às famílias, que deve ser prestado de forma humanizada e buscando a ampliação da cidadania dos indivíduos. A relação profissional-usuário, deve ser acolhedora e facilitadora da adoção de práticas de vida saudáveis, e pautada na confiança e respeito mútuos. A presença dos fatores acima referidos representam um avanço nas práticas de saúde, ao olhar para o usuário como um sujeito detentor de direitos, inserido num contexto social, econômico e familiar amplo e complexo, com necessidades que extrapolam os limites da área da saúde. A saúde passa a não ser tratada como apenas a ausência de doenças, e as práticas não se restringem somente ao tratamento da doença de forma individualizada e fragmentada.

Ainda que as práticas de saúde possam envolver outros aspectos, como exemplo o processo de trabalho da equipe de saúde, este não foi objeto de análise desse estudo. Analisamos as práticas de saúde apenas no que se refere à relação estabelecida entre usuários/beneficiários e profissionais de saúde, especialmente, médicos e enfermeiros, no sentido de verificar o vínculo, a responsabilização e a co-responsabilidade no processo de cuidar da saúde e os resultados ligados aos usuários.

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