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A Inteligência Espiritual

No documento Consciência espiritual no ato docente (páginas 86-93)

CAPÍTULO 1. REVISÃO DO PERCURSO

1.2 PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA

1.2.3 A Inteligência Espiritual

Segundo alguns estudiosos, a inteligência humana pode ser conceituada como uma capacidade global do indivíduo em expressar todo aprendizado e sua atuação eficiente sobre o meio que o cerca e o pensar abstrato. Dessa forma, ao longo da história humana foram reveladas diferentes inteligências, em suas formas, medidas e capacidade intelectiva que o ser humano pode desenvolver no decorrer de sua evolução.

No início do século XX Alfred Binet e Theodore Simon criaram um teste para medir e classificar a inteligência humana em distintos níveis, quanto mais elevada a inteligência, maior nível de inteligência possuía o indivíduo. Com a Escala de Binet-Simon33 foi possível mensurar esta inteligência logo denominada: Quociente da Inteligência (QI) apresenta um tipo

33 Segundo Binet: “Esta escala, propriamente falando, não permite medir exatamente a inteligência, porque as qualidades intelectuais não são sobreponíveis, e, portanto, não podem ser medidas como superfícies lineares são medidas, mas são, pelo contrário, uma classificação, uma hierarquia entre as diversas inteligências, e para as necessidades da prática dessa classificação é equivalente a uma medida.”. Texto original (apud Garrison, 2009, p. 29): “This scale properly speaking does not permit the measure of the intelligence, because intellectual qualities are not superposable, and therefore cannot be measured as linear surfaces are measured, but are on the contrary, a classification, a hierarchy among diverse intelligences; and for the necessities of practice this classification is equivalent to a measure”.

de inteligência intelectual, racionalmente desenvolvida pelo ser humano que, auxilia na solução dos problemas lógicos, estratégicos e matemáticos.

Na década de 80, Howard Gardner nos apresentou uma análise mais sistematizada dos diferentes tipos de inteligência e as denominou de Teoria das Inteligências Múltiplas. Gardner sustentou que cada ser humano possui diversos tipos de inteligência, o que na linguagem comum pode ser reconhecida como habilidade ou competência.

Gardner (1995) identificou nove tipos de inteligências pertinentes ao ser humano. Justificou tais inteligências pela capacidade que todo indivíduo tem de questionar e procurar soluções para os problemas propostos. O autor explica que há no ser humano habilidade para lidar com todos os tipos de inteligências, esta habilidade é determinada tanto por fatores genéticos e neurobiológicos quanto por condições ambientais e culturais. Com isso, Gardner (1995) define a inteligência humana como um mecanismo neural ou um sistema geneticamente programado para ser ativado por determinadas percepções e informações.

Segue os nove tipos de inteligência, segundo a Teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner (1995): 1) Inteligência linguística – habilidade em usar as diferentes linguagens para se comunicar; 2) Inteligência lógico-matemática – habilidade para explorar padrões, ordem e sistematizações; 3) Inteligência musical – habilidade para produzir e reproduzir sons, ritmos e timbres; 4) Inteligência espacial – habilidade para perceber o mundo espacial e visual de forma precisa; 5) Inteligência cinestésica – habilidade para manipular com destreza o próprio corpo e os objetos; 6) Inteligência interpessoal – habilidade para lidar com os outros; 7) Inteligência intrapessoal – habilidade para com os próprios sentimentos; 8) Inteligência naturalista – habilidade para reconhecer e classificar numerosas espécies, incluindo o mundo vegetal, animal e mineral; 9) Inteligência existencial/espiritual – habilidade para formular questões filosóficas a cerca do ser e do existir.

Já nos anos 90, Daniel Goleman nos trouxe estudos sobre o cérebro emocional, que nos revelaram para que servem as emoções, e que as mesmas impulsionam a razão e o desenvolvimento do cérebro, e ainda, que temos uma memória emocional. Todas estas pesquisas culminaram em intensos estudos da neurociência e da psicologia, dando origem a uma inteligência a qual Goleman identificou como a Inteligência Emocional – responsável em julgar as situações em que se está envolvido, também nos permite um comportamento apropriado dentro dos limites da situação.

Dentro destes liames, as emoções conduzem o indivíduo ao conhecimento de si mesmo, produzindo empatia, compaixão, consciência dos próprios sentimentos e dos sentimentos do outro. Como podemos observar, neste breve relato, nos foram revelados vários

aspectos da inteligência pelos quais o ser humano passou e submeteu e submete seu nível de consciência.

Atualmente, surge um novo horizonte, ao qual a imagem da pessoa humana em sua inteireza se completa por meio de estudos sobre outra forma de expressão da inteligência humana: a Inteligência Espiritual (IES). Zohar (2008) esclarece: “Por IES me refiro a la inteligencia con que afrontamos y resolvemos problemas de significados y valores” (p. 19). Com esta inteligência, podemos rever nossos atos e nossas vidas em um contexto mais profundo e significativo. Este nível de inteligência é de fundamental importância para o funcionamento sadio das outras inteligências. Segundo Zohar (2008) é a Inteligência Espiritual a inteligência primordial do ser humano.

Zohar (2008) diz que a inteligência espiritual constitui a parte central de nossa inteligência, a parte que alimenta nossos valores e nossas crenças e é por meio dela que podemos desenvolver nosso potencial criativo. A inteligência espiritual pode contribuir para dar sentido e motivação à nossa vida e ao ambiente que nos cerca. Além disto, esta inteligência reside na parte mais profunda do eu que está conectada com uma sabedoria que supera o ego ou a mente consciente. Com a inteligência espiritual, podemos reconhecer os valores existentes e ainda descobrir novos valores (ZOHAR, 2008).

Nós, “[…] Los seres humanos somos esencialmente espirituales porque sentimos la necesidad de preguntar cuestiones fundamentales o sustanciales […]” (Zohar, 2008, p. 20). Somente a inteligência espiritual é capaz de explicar toda complexidade da inteligência, a imaginação e a beleza da alma humana. A inteligência espiritual permite ao ser humano ser criativo, mudar regras, alterar situações, ter capacidade de discriminar os limites da compreensão e da compaixão, investigar questões que envolvem o bem e o mal. (ZOHAR, 2008).

Devemos esclarecer que a inteligência espiritual (IES) difere claramente das outras inteligências, e embora tenha certa semelhança com a inteligência emocional (IE) exatamente por ser detentora do poder de transformação, ela permite apenas trabalhar dentro dos limites das emoções e das situações provocadas pelas emoções. Já a inteligência espiritual permite questionar se desejo viver essa situação particular. Implica, portanto, ir além, entre e através dos limites de determinada situação. Dessa forma, a inteligência emocional trata das emoções humanas, a inteligência espiritual estuda as profundezas da alma nos convertendo nas criaturas que somos em plenitude intelectuais, emocionais e, sobretudo, espirituais (ZOHAR, 2008).

Mas, afinal, o que é inteligência espiritual? Qual o consenso da inteligência espiritual referente à Religião? Bem, ter Inteligência Espiritual não significa ser religioso, não há necessariamente uma conexão entre inteligência espiritual e religião. Ser religioso não garante o alto coeficiente de inteligência espiritual, haja vista que a religião convencional se apresenta como um conjunto de regras e crenças impostas por meio de hierarquias sacerdotais, profecias e textos sagrados que são absorvidos pela família e pela tradição. Espiritualidade é experiência na realidade presente e sempre presente, religião é crença e apego as tradições do passado (ZOHAR, 2008; VAUGHAN, 2006; WILBER, 2012).

De acordo com Zohar (2008) a inteligência espiritual deve ser compreendida como uma capacidade interior e intrínseca a pessoa humana, inata do cérebro e da psique humana. Ela não depende da cultura nem dos valores, ela é anterior a todos os valores específicos de qualquer lugar e cultura, anterior a qualquer forma de expressão religiosa. Tão antiga como a humanidade, ela é essa voz que retumba nos muros de nossas almas e que nos impulsiona para o crescimento, a transformação e uma maior evolução de nosso potencial humano (ZOHAR, 2008).

Segundo Zohar (2008), pesquisadores da Universidade da Califórnia, orientados pelo neurólogo V. S. Ramachandran, investigaram um centro espiritual que denominaram o ‘Ponto de Deus’ do cérebro humano e que fica localizado entre as conexões neurais dos lóbulos temporais do cérebro. As pesquisas e testes documentaram que estas zonas neurais se iluminaram todas as vezes que os sujeitos em teste falavam sobre temas espirituais ou religiosos. Neste contexto, surge a necessidade da utilização de uma consciência espiritual, uma inteligência que permite ao ser humano transcender e entender a sua existência, sua impermanência, sua fluidez, sua liberdade e, sobretudo, “[...] ao mesmo tempo ser criativo, ter valores e fé” (ZOHAR, 2008, p. 26).

Mas, por onde começar? Como usamos a IES? Qual a utilidade da IES no campo da educação? Como despertar os docentes para esta consciência espiritual inerente ao viver, conviver, saber, fazer e ser humano?

Para Zohar (2008), existe uma base neural para a transcendência, ela explica que a inteligência espiritual se manifesta por meio de oscilações neurais de 40 Hz. Segundo ela, mesmo sendo finito o comportamento das moléculas e células nervosas, os seres humanos podem experimentar o infinito. Além disso, possuem a capacidade de usar e acender para experiência de valores e significados mais elevados criando então, a base da inteligência espiritual que se fundamenta em todo o fenômeno integrador das oscilações de 40 Hz no cérebro. Estas oscilações estão associadas à possibilidade de consciência no cérebro, que

fixam os eventos individuais e cognitivos do cérebro em um todo maior, significativo e integrador. Isto lhe configura uma dimensão quântica nas atividades dos canais que geram estas coerentes oscilações neurais. Assim, como a coerência quântica entre estas oscilações neurais de 40 Hz culminam na consciência do ser humano e em sua inteligência espiritual, que é o núcleo do eu e o sentido de toda a existência que, initerruptamente integram novas experiências (ZOHAR, 2008).

Estas oscilações têm sua origem no comportamento humano, na aptidão de transformar-se e transformar o meio em que vive. Para tanto, segundo Zohar (2008), é necessário o desenvolvimento de algumas capacidades para que a inteligência espiritual se efetive: 1) capacidade de ser flexível – ativa e espontaneamente adaptável; 2) possuir um alto nível de consciência de si mesmo; 3) capacidade de desafiar e fazer uso do sofrimento; 4) capacidade de desafiar e transcender a dor; 5) qualidade em ser inspirado por visões e valores; 6) relutância em causar danos desnecessários; 7) tendência em perceber as relações entre as coisas – ter pensamento holístico; 8) tendência a questionar com pretensão de respostas fundamentadas; e, 9) possuir facilidade para atuar contra as convenções – ser independente em seu campo de atuação (ZOHAR, 2008).

Diante destas capacidades que o ser humano pode desenvolver, podemos investigar de que maneira é possível utilizar e aplicar a IES, na vida humana, no campo da educação, principalmente, na vida docente. Bem, o que nos capacita como seres possuidores de uma IES, é nossa inteligência criadora de significados, contextualizadora e, sobretudo, transformadora. Esta inteligência criadora nos capacita o pensamento, que, por conseguinte, nos qualifica como seres conscientes. A partir do desenvolvimento destas capacidades nos tornamos conscientes de nossas sensações e experiências. Nesta classe de pensamento criativo, perspicaz e intuitivo, aprendemos a linguagem do pensamento serial e associativo ao mesmo tempo em que inventamos outras. Compreendemos situações, normas de condutas, mas também criamos outras. Por que nós somos seres de significado (ZOHAR, 2008).

É importante ressaltar que, ser consciente da sua inteligência espiritual implica o desejo de desenvolver estas capacidades e decidir ‘eu quero esta vivência’. Devemos considerar que há numerosos caminhos, não existe apenas uma forma de ser espiritualmente inteligente, muito menos, um caminho melhor. E que além das capacidades apresentadas, são imprescindíveis ainda, sete passos que qualquer indivíduo, neste caso específico o docente, pode praticar para desenvolver a inteligência espiritual. Segundo Zohar (2008, p. 240-242) é preciso:

1) Tomar consciência do momento presente

Como docente, devemos nos perguntar: – Qual é a minha situação atual? – Quais são as consequências de minha atuação? – Causo danos a mim ou aos outros? Esta postura exige do docente o hábito de cultivar a reflexão sobre suas experiências, de sair do piloto automático, de ir além do pensamento serial e associativo diário que já estamos habituados. Avaliar a nós mesmos e a nossa conduta constantemente.

2) Sentir profundamente o que se deseja transformar

As reflexões sobre as experiências levam o docente a pensar que ele, seu comportamento, sua vida ou sua atuação no trabalho, pode melhorar. Então, ele deseja mudar e compromete seu interior nesta caminhada transformadora.

3) Refletir sobre as bases motivacionais mais profundas de si mesmo

Este passo exige um nível mais profundo de reflexão e questionamento: – Quais são as contribuições que posso deixar para a humanidade? – Qual é o meu legado para humanidade? Nesta perspectiva, o docente deve conhecer a si mesmo, descobrir onde se encontra seu núcleo e quais são suas motivações mais profundas.

4) Descobrir e solucionar problemas

É necessário questionarmos o que pode ter paralisado e automatizado nossas ações diante de nós e dos outros. – Quais são os obstáculos que fecham as portas? – Que tenho feito que não tenho vivido plenamente a minha essência? – A ira? – A cobiça? – A pressa? – A ignorância? Este passo não deve ser evitado, mas é de grande importância prestar-lhe atenção.

5) Explorar diversas possibilidades de crescimento

Neste ponto, devemos tomar consciência das distintas possibilidades para seguir em frente. Precisamos dedicar um esforço mental, uma atenção sincera, para explorar várias dessas possibilidades e deixar que a inteligência criativa nos guie para que descubramos nossos atributos práticos e decidir se os mesmos são verdadeiros. Para tanto é necessário refletirmos: Que práticas ou normas devo adotar? – Qual caminho devo seguir? – Que compromisso vale a pena assumir?

6) Comprometer-se com um caminho

O comprometimento com o caminho escolhido e o esforço para atingir seu epicentro enquanto avançamos nos exige processos reflexivos diários: – Estou fazendo o melhor para a minha vida e para a vida dos demais? – Estou em paz com a forma com que as situações se desenrolam? – Encontro sentido nas coisas que faço? Este exercício provoca a conversão dos pensamentos e das atividades cotidianas em sacramento em curso e aflora a sacralidade natural pertinente ao ser humano.

7) Não esquecer que temos muitos caminhos

Enquanto avançamos para o caminho escolhido, devemos lembrar que existem outros caminhos. Portanto, devemos respeitar aos que seguem por caminhos diferentes dos nossos, lembrando que, em algum outro momento de nossas vidas, poderemos no futuro, também mudar de caminho.

Corroborando com Zohar, Frances Vaughan (2006) nos traz a visão da espiritualidade psicologicamente saudável, na qual ele afirma que a mesma ajuda-nos na liberdade pessoal, na autonomia e na autoestima, e concomitantemente, na responsabilidade social. Ela não nega nossa humanidade nem depende da supressão ou da negação de nossas emoções. Pelo contrário, nos obriga a escutar nosso coração e a crer na sabedoria de nossa intuição (VAUGHAN, 2006).

Na perspectiva de Vaughan (2006), a espiritualidade é uma experiência universal e não uma teologia universal. Ela pode se encontrar nos corações das grandes religiões e também fora delas, em qualquer parte, não somente nos mais diversos templos, mas na música, na dança, na intimidade de uma historia de amor, na natureza, nas estrelas, e principalmente, em cada momento da vida cotidiana. “Aqueles que buscam paz, verdade e amor, e os encontra em si mesmos, se convertem em mestres que podem compartilhar sua própria experiência” (VAUGHAN, 2006, p. 141).

Algumas características de uma espiritualidade psicologicamente saudável: a) autenticidade – compromisso de ser responsável autêntico e coerente consigo mesmo quanto ao pensamento, palavras, sentimentos e ações; b) libertar-se do passado – viver plenamente o presente, abandonar todo sentimento de culpa, ressentimento e emoções negativas associadas ao passado; c) enfrentar os próprios temores – reduz os níveis de ansiedade e eleva o nível de paz pessoal; d) compreensão interior e perdão – aprender a perdoar a si e aos outros promove o crescimento espiritual; e) amor e compaixão – dar e receber amor nas relações pessoais; f) comunidade – valorizar a si e aos outros pelo que são e pelo que podem vir a ser; g) consciência – cultivar a atenção sem interferir na experiência interior, na experiência do mundo exterior e nas percepções e condições previas para reconhecer o poder da mente humana. Esta consciência madura da realidade, temporal e eterna, finita e infinita, inclui uma consciência do corpo, mente, psique, alma e espírito; h) paz – cultivar a paz interior e oferecer aos outros, promover uma vida de harmonia com a natureza e com todos os seres; i) libertação – liberar das limitações e dos conceitos egocêntricos sobre si e sobre o mundo (VAUGHAN, 2006, p. 142-143).

Como podemos observar o desenvolvimento da inteligência espiritual não se fundamenta em determinada religião. É concebido como uma capacidade inata do ser humano, “[...] algo que se ativa e se desenvolve em todos os momentos de nossa vida cotidiana” (BATALLOSO, 2012, p. 167-169).

Dessa forma, os processos que envolvem a inteligência espiritual são inerentes ao ser humano, e devem promover por meio da inteligência criadora a transformação do ser e a constante consciência do presente.

Como visto anteriormente, o quociente da inteligência nos permite desenvolver, controlar e capacitar partes do nosso cérebro que regula o nosso intelecto. O quociente emocional nos permite sentir, perceber e expressar nossas emoções. Ambos têm a sua importância para a vida humana e, portanto, são imprescindíveis. Já a inteligência espiritual se inter-relaciona com as outras inteligências que se apresentam em outro nível de realidade e de percepção. Ela nos permite criar e transformar a nossa consciência do presente. Como a inteligência espiritual apresenta um movimento dialógico e recorrente, porque é constituída por partes que retroagem para controlar as interações, é possível encontrarmos nestes movimentos também, os princípios: hologramático, dialógico, recursivo, retroativo, auto- organizador. E estes princípios, por sua vez, nos possibilitam na prática e na observância, o entendimento e as implicações entre a consciência espiritual e a atenção plena docente.

1.3 DIÁLOGO ENTRE CONSCIÊNCIA ESPIRITUAL E ATENÇÃO PLENA DOCENTE

No documento Consciência espiritual no ato docente (páginas 86-93)