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A Intervenção nos Estabelecimentos de Acolhimento em Busca da Equidade

No documento A vivência em internato (páginas 96-100)

Capítulo III: Os Modelos de Acolhimento de Crianças e Jovens em Regime de Internato

3. A Exclusão/Inclusão Social

3.3 A Intervenção nos Estabelecimentos de Acolhimento em Busca da Equidade

Segundo Santos (2004), a resposta social às crianças em situação de abandono, orfandade e miséria tem sido o internamento. Desde a Idade Média que existem instituições para meninos e recolhimentos femininos de iniciativa régia. Há posteriores referências às Rodas de Expostos de cariz municipal e, nos séculos XVIII e XIX, por todo o país, mas com particular incidência no norte, surgem os asilos.

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A história destas instituições relaciona-se com os problemas criados pelas invasões francesas, pela industrialização e pelos fluxos populacionais dos meios rurais para as grandes cidades. Muitos destes asilos foram criados por ordens religiosas e por pessoas beneméritas com objectivos de proteger e moralizar. O salazarismo, louvando a caridade como solução para os graves casos sociais, estimulou as doações de beneméritos a obras religiosas. Embora a Lei de Assistência Social, existente nessa época, previsse a colocação familiar e o subsídio às famílias a resposta foi primordialmente a institucionalização das crianças e jovens.

No que se refere ao tratamento dos menores nos lares, tendo em atenção o seu género e idades, o art.º 5° do Decreto-lei n.º 2/86, de 2 de Janeiro, que regulamenta o funcionamento destas instituições, recomenda que se organizem de forma a propiciarem o convívio entre ambos os sexos, no seguimento da orientação de que o ambiente dos lares de crianças/jovens “…deve funcionar em moldes aproximados aos de uma estrutura

familiar…”. A situação ideal é, nesta perspectiva, os lares em coeducação, tanto no que

concerne ao género das crianças e jovens acolhidos, às suas idades, assim como ao género e idades dos técnicos com quem convivem diariamente, no sentido de proporcionar a possibilidade de referências e de modelos afectivos tanto quanto possível diversificados.

Em situação ideal dir-se-ia, tal como é recomendado pela citada disposição legal, que a organização das crianças deveria ser feita em grupos mistos de tamanho reduzido (12 crianças e jovens aproximadamente) acompanhados por técnicos e pessoal auxiliar de diferentes formações, idades e género (Decreto Lei n.º 2/86, de 2 de Janeiro).

Na ausência de condições para o acolhimento misto, o convívio com o sexo oposto, tanto entre pares como com adultos e indivíduos de todas as idades, deve ser estimulado e incentivado, como condição essencial ao saudável processo de formação identitária das crianças, de que é dimensão inerente o seu desenvolvimento emocional.

género socialmente atribuídos (e interiorizados), como aspecto a equacionar no que diz respeito aos projectos de vida e às estratégias educativas para estas crianças/jovens.

As equipas técnicas dos lares de crianças/jovens lidam com uma população juvenil e ado- lescente. O trabalho que realizam exige, no que a isto diz respeito, competências específicas para contornar as problemáticas que decorrem das crises da adolescência. O trabalho técnico dos lares junto destas crianças/jovens deve ter como princípio básico o respeito pela individualidade de cada criança/jovem e pela sua trajectória de vida. Todo o indivíduo tem uma história de vida que condiciona as suas características psicológicas e sociais: fazer tábua rasa ou escamotear este percurso, por doloroso ou caracterizado por episódios socialmente reprováveis que possa ser, é ignorar uma parte da sua individualidade25.

Neste sentido, é de destacar uma maior acuidade no levantamento dos dados de caracterização das crianças/jovens no momento de seu acolhimento no lar, nomeadamente no que concerne os elementos de identificação e caracterização dos seus pais e famílias de origem. Ao Director do lar é imputada a exigente “função de substituição permanente ou

temporária dos pais das crianças e jovens”: deve conhecer-se as características de quem

se substitui. Pode afirmar-se que esta preocupação não pode limitar-se ao simples levantamento de dados e de número, inertes e com efeitos meramente estatísticos; trata-se da necessidade de conhecimento profundo das realidades, origens e trajectórias das crianças acolhidas, do qual a dimensão de afectividade e do respeito pela diferença deve ser parte integrante e fundamental.

Sebastião (1998) chama a atenção para o facto das instituições de acolhimento de crianças/jovens terem, por norma, como objectivo a “normalização” das suas práticas de modo a torná-las socialmente “aceitáveis”, o que entra em conflito com os contextos sociais e as relações de sociabilidade em que foram socializados. Sugere, assim, que a

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Diz Eduardo de Sá: “Dê quando se der a retirada de uma criança do seu meio familiar de origem, ela terá sempre registos de quem terá tido para consigo gestos de mãe e de pai” (Sá: 1999; p.76). Por tal deve ter-se

socialização em sistemas de valores minoritários e a integração em redes de relações alternativas constituem elementos que, a não serem considerados, levam ao aprofundamento da marginalização destas crianças.

Quaisquer destas linhas orientadoras do trabalho técnico junto das crianças/jovens acolhidos em lar tem como intuito final a prática de estratégias pedagógicas e educativas que, proporcionando ambientes o mais possível próximos de estruturas familiares, possibilite o desenvolvimento integral destes jovens, difundindo neles competências racionais e sementes de afectividade, segurança e auto-estima que lhes permitam, no futuro, exercerem funções profissionais, parentais e afectivas socialmente integradas e dotadas de capacidade de integração da geração a que derem fruto.

Quando se trabalha com crianças/jovens em desenvolvimento a responsabilidade é acrescida e o tempo útil de lhes proporcionar todas as competências sociais necessárias à sua autonomia e, mais do que isso, à sua felicidade, é curto. Existe uma responsabilidade que urge exercer hoje, sob pena de amanhã vermos multiplicado o número e a diversidade de condutas desviantes. É importante que haja consciência da necessidade da existência no terreno de equipas multidisciplinares com motivação capacidade e poder mobilizador.

Segundo Sá et al. (2005), em 2000, havia em Portugal, de acordo com a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, 15.310 crianças/jovens institucionalizadas.

De acordo com Brazelton e Greenspan (2004), por vezes, as crianças são entregues a sucessivas famílias de acolhimento, devido às suas problemáticas, sem que tenham devidamente sido feitas as avaliações necessárias conducentes à promoção do seu bem- estar e interesse superior. Desta forma, é fundamental que seja concretizada uma avaliação inicial, com vista a compreender o passado das crianças/jovens (abusos sexuais, abandono, negligência, etc.), para que seja possível haver a selecção de uma família adequada às características da criança.

Torna-se necessário suprir com experiências positivas as que faltam aos menores em risco, tais como educadores estáveis e afectuosos para crianças/jovens provenientes de meios familiares inconstantes; estruturas e limites que forneçam orientação e segurança; especialistas em comportamentos problemáticos; fornecimento de responsabilização, por parte do sistema legal, aos menores, etc. Todavia, tudo aquilo que se fizer em prol do desenvolvimento sustentado das crianças/jovens só será bem sucedido se as famílias, as comunidades e as estruturas de apoio sócio-cultural, nas quais os menores crescem forem fortalecidas.

No documento A vivência em internato (páginas 96-100)