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Disfunções Familiares e os Maus-tratos

No documento A vivência em internato (páginas 108-112)

Capítulo III: Os Modelos de Acolhimento de Crianças e Jovens em Regime de Internato

4. A Família

4.1. Disfunções Familiares e os Maus-tratos

No processo de desenvolvimento das crianças/jovens é preciso que pais e outros educadores, na eventual tensão inter-geracional, não se deixem dominar por atitudes de

“animosidade pejorativa” nem de “indulgência incondicional” durante as fases de

afirmação juvenil porque é na procura de equilíbrio e harmonia que as relações devem ser construídas, correndo o risco, se não o forem, de se criarem revoltas ou submissões prejudiciais às personalidades em evolução.

Revisitando Grácio (1995) educamos muito menos pelo que dizemos, até pelo que fazemos, do que educamos pelo que somos. Silva (2001), defende que assistimos, na actualidade, de forma crescente, a uma maior preocupação com a educação das crianças/jovens, na medida em que foi “institucionalizado” um clima afectivo em que se salienta a grande importância da mulher-mãe no desenvolvimento dos filhos. Assim, a família pode ser encarada como uma construção social porque representa um modo de agir

e pensar colectivo que evoluiu ao longo do tempo em relação com a organização e o funcionamento da sociedade. Silva (2001).

As Directrizes de Riad, 1990 (Organização das Nações Unidas), referentes à protecção de menores, podem ser consultadas no anexo 13.

A família é, de acordo com Organização das Nações Unidas, tida como necessária, insubstituível e integradora de uma determinada cultura social, pois é no contacto privilegiado com os pais que as crianças/jovens assimilam comportamentos e valores que fomentam o processo de socialização.

Silva (2001) aponta as seguintes tendências da família no final do séc. XX:

• Há cada vez mais pessoas a viverem sós, particularmente entre as pessoas idosas. • Há cada vez mais famílias constituídas por apenas uma pessoa adulta (quase sempre

uma mulher) e criança(s).

• A maioria das crianças e muitos dos jovens de hoje vivem em famílias em que são filhos/as únicos/as ou com apenas uma irmã ou irmão.

• Muitas das famílias com adultos dos dois sexos e criança(s), não correspondem ao modelo de mãe e pai com os seus respectivos filhos/as - são as “novas famílias” em que um dos dois ou ambos os cônjuges são divorciados/separados de prévio casamento/coabitação e em que por vezes existem crianças dessa primeira relação as quais, no todo ou em parte, vivem com o novo casal todo ou parte do tempo.

• Começam a ser aceites as famílias homossexuais, com tendência para a adopção de crianças.

De referir que os novos excluídos da sociedade são, essencialmente, pessoas desenraizadas e sem laços familiares efectivos, daí a importância das redes familiares. A família é fundamental no desenvolvimento das crianças/jovens, porque este é dinâmico e se baseia num determinado ambiente em que se dão interacções com o meio. Desta forma, a criança integra o que precisa para crescer e progredir.

O ambiente que cerca as crianças/jovens pode ser favorável, ou não, ao crescimento harmonioso porque pode, ou não, considerar as suas necessidades específicas. Assim, a família é a intermediária entre a criança e o mundo. Silva (2001).

Segundo Silva (2001), o desenvolvimento do sentimento de segurança e autonomia na criança está ligado:

• À qualidade e estabilidade das interacções;

• À actualização das experiências anteriores que atenuam ou aumentam o desejo de conhecer;

• À qualidade dos espaços e dos objectos (pessoas e coisas) colocados à sua disposição. A Organização Mundial de Saúde define “factores de risco” como sendo condições de vida de uma pessoa ou grupo que os expõem a uma maior probabilidade de desenvolver um processo mórbido ou sofrer os seus efeitos.

Pode-se afirmar que determinados factores podem ocasionar situações de crise ao nível individual ou familiar, os quais estão relacionados: com a pessoa, destacando-se os acontecimentos ligados à relação precoce e à primeira infância como os que envolvem maior risco individual; com a família; com a sociedade; com o meio escolar.

Ao nível individual, os seguintes factores podem representar risco para as crianças: separação mãe/filho no pós-parto; perda da mãe antes dos 5 anos; ausência da mãe ou substituto materno; prematuridade com perda de contacto com a mãe; mudanças múltiplas de amas, infantários, escolas; abandono; maus-tratos físicos ou psíquicos; hospitalização ou internamento em instituição.

No âmbito da família, o risco para as crianças pode estar associados a: progenitor com doença grave orgânica/mental; progenitor alcoólico ou toxicodependente; progenitor preso; separação precoce dos pais; desentendimentos e conflitos conjugais graves; famílias monoparentais; famílias pouco diferenciadas, com baixo nível de estimulação e socialização; famílias numerosas com problemas económicos.

No ambiente escolar, os possíveis factores de risco são: má adaptação social à escola desde início; deficiente qualidade das interacções pedagógicas professor/aluno; atitude negativa

Ao nível social os factores de risco apresentam-se sob a forma de: precariedade económica e social; problemas de vizinhança com alto índice de delinquência e actividades marginais; problemas urbanísticos e habitacionais – degradação da habitação; ausência de infra- estruturas e saneamento básico; deficiente cobertura em serviços educativos e de ocupação de tempos livres; insuficiência de equipamentos no âmbito da saúde.

Silva (2001), refere-nos que durante o crescimento a criança atravessa situações de crise que podem estar relacionadas com a família e com outros sistemas com que se inter- relaciona (jardim de infância, escola). As crianças/jovens expressam essas situações de crise através de sinais, os quais devem ser correctamente interpretados. Exemplo desses sintomas podem ser os furtos os quais reflectem inadaptação. Os sinais que as crianças/jovens dão são o reflexo das relações que estabelecem com os seus pares e com os adultos.

Segundo Silva (2001), a história mais recente ajuda-nos a compreender o percurso que tem sido feito para proteger as crianças em contextos sociais e familiares nos quais as crenças culturais, as condições sociais e económicas, as práticas educativas ou a perturbação mental dos pais, sustentam uma forma de tratamento que as impede de se desenvolverem de forma harmoniosa, de acordo com o conceito de criança que temos hoje.

Actualmente, a sociedade está alertada para o facto dos maus-tratos não acontecerem somente nos meios familiares, mas também nas instituições de acolhimento de menores, nomeadamente em regime de internato, e ainda nas escolas, nas amas e nas creches, por outro lado, continua a haver trabalho infantil e “meninos de rua” abandonados a si mesmos.

A Definição e Classificação dos Maus-Tratos Infantis pode ser consultada no anexo 1.

Diz-nos Sá et al. (2005), que entre 1995 e 1999, segundo um relatório divulgado em Setembro de 2003 pelo Innocenti Research Center – UNICEF, relativo à incidência de

mortes, devido a maus-tratos, em crianças até aos 15 anos, Portugal ocupava a oitava posição, entre 23 países estudados. Perante este tipo de situações, muitas vezes, é necessário que os menores sejam afastados da família para serem protegidos em instituições de acolhimento.

O Relatório da UNICEF de 2003, acerca da situação mundial dos maus-tratos, revela que, entre os vinte e três países da OCDE, Portugal, os EUA e o México, apresentam níveis de mortes por maus-tratos, cujas médias são dez, a quinze vezes mais altas do que a média dos países com uma taxa de incidência mais baixa (Espanha, Grécia. Itália, Irlanda e Noruega). Combinando a morte por maus-tratos com a “morte devido a causa indeterminada”, Portugal apresenta 3.7% de mortes por 100.000 crianças, sendo entre todos os outros países, aquele que apresenta maior índice de mortes de crianças com idades inferiores a quinze anos.

As consequências psicológicas dos maus-tratos infantis e as condições básicas que permitem às crianças/jovens ter resistências aos maus-tratos podem ser observadas, respectivamente, nos anexos 2 e 3.

No documento A vivência em internato (páginas 108-112)