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Internato: Os Lares

No documento A vivência em internato (páginas 150-156)

Capitulo IV: O Campo de Investigação – Casa Pia de Lisboa

1. Caracterização do Contexto Institucional

1.1 O Modelo Educativo da Casa Pia de Lisboa

1.1.2 Internato: Os Lares

A desmassificação do internato foi uma das preocupações da Instituição durante a década de 70, devido à crise geral que então se instalara e que tomava proporções graves nas camaratas, onde os alunos estavam em número muito elevado. A situação apresentava-se de tal modo caótica que mesmo os técnicos mais empenhados começavam a dar sinais de fraqueza, por não conseguirem individualizar a educação de modo a dar resposta às necessidades destes educandos, e também pela dificuldade de lhes incutir as regras de conduta socialmente aceites.

As primeiras soluções encontradas para tentar uma certa humanização das estruturas, que visava a resolução dos problemas de instabilidade e distúrbios nas enormes camaratas, passaram inicialmente pela utilização de divisórias que permitissem maior privacidade. Em simultâneo, foram concretizadas as acções que possibilitaram a aproximação de irmãos que não se conheciam, por não se encontrarem no mesmo internato ou nem na mesma instituição, já que a selecção e encaminhamento dos alunos se fazia em função da idade e do sexo.

Desta forma tentava-se recuperar e reaproveitar aquilo que ainda existia em cada estrutura familiar dos alunos, facilitando e promovendo também um maior contacto com os pais, se os tivessem, através de deslocações ao fim-de-semana. Contudo, estas medidas não resolveram os problemas nem possibilitaram uma melhoria significativa na educação e responsabilização dos educandos. Tornava-se urgente a organização de pequenos grupos numa estrutura próxima da familiar com um acompanhamento maior e mais eficaz. “Foi a

necessidade urgente de desmassificar o grande internato e a vontade dos educadores47 em

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levar por diante o desafio de educação ou reeducação dos alunos da então Secção de D. Maria Pia que deu origem aos Lares, e principalmente aos Lares no exterior do grande estabelecimento”. (in Revista da Casa Pia de Lisboa, N.º 1, 1988).

A admissão destes alunos internos obedece a critérios rigorosos de análise das situações familiares, sociais e escolares, sendo normalmente indicados através dos Tribunais de Menores e da Família, serviços locais da Santa Casa da Misericórdia, centros regionais da Segurança Social, paróquias, Polícia de Segurança Pública e instituições de apoio à criança ou ainda pessoas conhecedoras de situações de abandono ou de risco em que determinada criança ou jovem se encontra.

Segundo a Revista da CPL48 (1988), “São cinco as condições básicas que possibilitam a

admissão de crianças em internato: 1 - Inexistência de Família.

1.1 – Orfandade completa.

1.2 — Orfandade parcial, em que o progenitor assegura a educação da criança. 2 — Abandono de facto ou funcional, por incapacidade permanente e temporária hospitalização, doença prolongada e outras).

3 — Rejeição assumida ou camuflada, traduzida por formas de super-protecção ou desvalorização.

4 — Conflito, da criança ou do jovem, com o meio familiar (ou social) de que resultam situações de perigo físico ou moral.

5 — Necessidade de actuação educativa especializada em função das características da criança: (caso das crianças deficientes auditivas).”

A primazia é dada para os casos de inexistência de família, abandono de facto ou funcional por incapacidade permanente ou temporária dos familiares, rejeição assumida ou camuflada, conflito com o meio familiar ou social com risco de marginalização ou ainda em casos de necessidade de actuação educativa especializada, mantendo-se até hoje os

princípios que estiveram na origem do internato dos primeiros “órfãos” da Real Casa Pia de Lisboa.

Sobre a Reestruturação da Casa Pia de Lisboa (a partir de 2003), a Constituição do Conselho Técnico-Científico e as suas Recomendações Gerais (relativas ao Modelo Institucional) podem ser consultados, respectivamente, os anexos 18; 19; 20.

1. 2 Recomendações Gerais do Conselho Técnico-Científico relativas ao Acolhimento em Internato

Nos nossos dias o tipo de crianças/jovens que vão para acolhimento institucional tem sofrido alterações, tais como a idade, que é mais elevada, a necessidade de suporte emocional e educativo, etc. Na verdade, passou a haver muitas mais crianças com pais vivos, doentes, toxicodependentes e presos, com perturbações mentais graves, os chamados «órfãos de pais vivos». Na contemporaneidade os problemas familiares que levam a que os menores sejam acolhidos em lares de crianças/jovens são, como a seguir se refere:

• Alcoolismo; • Saúde mental; • Toxicodependência;

• Doenças físicas/deficiências;

• Problemas sociais não discriminados pelas CPCJ; • Condições precárias de habitabilidade.

Cada vez mais a necessidade que preside hoje à institucionalização de crianças/jovens é de cariz psicossocial. São constantes as crises intrincadas de conduta, provocadas por transtorno de relações parentais, que tocam muitas vezes as estruturas border-line ou depressivas, conjunturas que irão ajustar a inépcia de relação com os adultos, de relação com elas próprias e de relação com o ambiente escolar. Demonstra-se essencial descobrir uma resolução que abarque a faixa etária dos 12 aos 16 anos, particularmente os indivíduos do sexo masculino, pois usualmente não há nenhuma organização que queira actuar com

comunidade e do estado. Contudo as instituições de acolhimento não têm sabido acompanhar devidamente essa mudança.

O Juiz Conselheiro Gomes Leandro, citado em Carneiro et al. (2005:229), diz-nos sobre os direitos das crianças acolhidas institucionalmente:

“1) A criança como titular de uma “cidadania plena”, traduzida no reconhecimento e no direito à concretização de direitos humanos gerais e específicos, fundados na sua eminente dignidade e nas exigências próprias de Ser (único, irrepetível) em desenvolvimento, buscando o êxito de uma concreta «candidatura a uma humanidade» realizada.

2) O direito fundamental da criança a crescer no seio de uma família, em que seja amada, protegida e promovida como filho por titulares do poder paternal com capacidade e sentido da responsabilidade e beleza dessa função essencial.

3) O consequente carácter subsidiário da institucionalização da criança e a co- responsabilidade do Estado e da sociedade civil na prevenção da institucionalização desnecessária e na promoção, com segurança, da desinstitucionalização, seja para uma integração familiar, sempre que possível, seja para uma situação de autonomia de vida. 4) A institucionalização de crianças à luz da filosofia, do sentido e dos conteúdos actuais dos direitos humanos, densificados pelas aquisições nos domínios da ética e de várias ciências e técnicas, nomeadamente da medicina, da psicologia, da antropologia, da sociologia, da pedagogia, do direito.

5) A legitimidade da institucionalização necessária, quando de qualidade, e a exigência, como um direito das crianças acolhidas, da dignificação e da valorização da auto-estima das instituições, como reflexo e elemento facilitador da auto-estima das crianças acolhidas e das pessoas que nas instituições promovam o seu superior interesse, com qualidade ética, afectiva, técnica e cultural

6) Os direitos das crianças e as exigências para a sua irrecusável concretização quando institucionalizadas. Algumas especificações, com referência, nomeadamente, a acolhimento, elaboração, concretização e revisão periódica de um projecto de vida bem individualizado e dinâmico, ligação e trabalho com a família, abertura à comunidade,

7) A inadmissibilidade ética, social e jurídica dos maus-tratos, seja no seu sentido técnico restrito de maus-tratos físicos, psicológicos e abusos sexuais, com possíveis efeitos no domínio penal, por envolverem ofensas graves, com acentuada ressonância ética, de direitos fundamentais da criança extremamente relevantes; seja no seu sentido mais amplo de desrespeito grave por outros direitos da criança, em constante densificação, importantes para a sua realização pessoal, familiar e comunitária Algumas especificações, por referência a omissões de boas práticas institucionais indispensáveis à concretização de uma postura que, ultrapassando visões predominantemente assistencialistas, se centre na perspectiva de efectivação dos direitos humanos da criança.

8) O direito da criança a adequadas políticas e práticas para prevenção primária, secundária e terciária de maus-tratos e à promoção de boas práticas

9) Perspectivas de futuro. Os desafios da qualidade e da esperança.”

A partir dos conhecimentos que actualmente se detêm sobre estas questões é possível empreender alguma inovação no acolhimento, na estadia e na saída. É por altura do processo de admissão que assume maior importância a avaliação da criança e da família, porque se poderá realizar uma investigação oportuna.

Sucede amiudadas vezes haver crianças a quem tudo corre bem no primeiro período de internamento – fase “lua-de-mel” – mas que depois demonstram grandes dificuldades de adaptação. Será recomendável haver, desde o começo, um envolvimento emocional/físico com quem acolhe a criança, de modo a ajudar uma referência directa criança/adulto. É desejável, no quotidiano do acolhimento residencial e educacional, fazer uma inclusão que permita, numa primeira fase, um melhor envolvimento das crianças que lhes permita começar depois a frequentar outros locais.

O trabalho com as famílias, desde a institucionalização da criança, deverá granjear, tanto quanto possível, uma atenção particularizada e assídua. Os paradigmas de reportação indicados pela instituição inglesa Mulberry Bush (MB) enunciam este cuidado. Em MB, a faina com as famílias desenvolve-se em quatro fases: “(I) Fase antes da colocação na

final ou preparação para a saída; (IV) Fase depois de MB. Em todo o processo, a ênfase é colocada no trabalho de cooperação com a família, no sentido da construção e da manutenção de uma aliança que possibilite à criança uma experiência de crescimento”.

Carneiro et al. (2005:80).

O protótipo presente em várias instituições é, ainda, o comportamental punitivo, sendo relevante a aproximação e a consolidação de um paradigma terapêutico de mediação (compreensivo/reconstrutivo). A palavra “terapêutico” significa, aqui, a própria organização do espaço físico, que deve ser hospitaleiro e respeitador de quem lá vive, e contíguo do modelo de unidade familiar, com um número adequado de crianças por adulto para que seja possível a criação e manutenção de laços afectivos e de confiança mútua.

Frequentemente, os adultos não são possuidores da aptidão desejada, nem existe o devido sustentáculo técnico. Por tal existem muitos educadores que necessitam de formação psicológica, social, de animação sociocultural, etc. É, também, importante apostar na qualificação e na apreciação do cumprimento dos adultos e em arquétipos seguros de supervisão. Os lares em regime de coeducação são os preferenciais na medida em que amparam a incorporação afectiva e sexual das crianças/jovens, havendo protecção da intimidade e da privacidade, bem como o respeito pelos laços familiares, nomeadamente em relação a fratrias acolhidos.

A disponibilidade da instituição para acolher e dos técnicos para apoiar a construção de novos projectos de vida deverá estar afiançada, facultando-se as circunstâncias psicoló- gicas para que essa ajuda seja facilitada e desejada. Enquanto a permanência for uma realidade, é fulcral revisar o projecto terapêutico das crianças, considerando, eventualmente, a adopção e os fins-de-semana passados com outras famílias, desde acha para tal sustentabilidade. A lidação e o investimento envolvidos na relação instituição- família não devem terminar com a saída da criança/jovem. Após a desvinculação deve continuar a ser concretizada uma apreciação sistemática de efeitos e de melhoramentos propostos quanto aos objectivos previamente traçados.

As instituições de acolhimento de crianças/jovens devem incrementar métodos e hábitos constantes de esclarecimento dos utentes e das suas famílias, de informação junto dos cooperadores e de responsabilização próximo de toda a sociedade. É de igual importância o garante, por parte da instituição de acolhimento, de uma rede de apoios na comunidade, desde a saúde à educação, passando pelos tempos livres, etc. É importante destacar o papel crucial que é devido à preparação profissional e aos laços que foram conservados ou criados com a família natural ou família de acolhimento. Globalmente, é através da combinação de estratégias inclinadas para a construtura de mais resiliência em cada criança e em cada família que é fundamental desenvolver a intervenção, pois a institucionalização apenas é parte do processo.

Em forma de síntese Carneiro et al. (2005), referem-nos o diagnóstico da situação em internato:

• Reduzido contacto por educando com o exterior; • Lares sobredimensionados;

• Pessoal educativo em número insuficiente e com algumas lacunas. Perante este quadro são propostas algumas mudanças:

• Valorização da família;

• Desenvolvimento de actividades no seio da comunidade;

• Redução do número de educandos por lar e por educador (4 para 1).

No documento A vivência em internato (páginas 150-156)