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A D ISTINÇÃO ENTRE N AÇÕES SEM E STADO E P OVOS INDÍGENAS

G RUPOS E TNOCULTURAIS E N ACIONAIS

3.3 A S M INORIAS N ACIONAIS

3.3.1 A D ISTINÇÃO ENTRE N AÇÕES SEM E STADO E P OVOS INDÍGENAS

A distinção entre nações sem Estado e povos indígenas leva Kymlicka a analisar as posições de James Anaya. Não vamos aqui seguir passo a passo o exame que o autor faz das posições de Anaya74, mas sim partir desse exame para o esclarecimento das posições de Kymlicka. Ele parte da constatação de que a comunidade internacional tem vindo a dar cada vez mais atenção à protecção dos direitos dos povos indígenas mas não concede a mesma atenção à protecção dos direitos das nações sem Estado. E considera que Anaya também procede da mesma maneira, pois reconhece aos povos indígenas direitos especiais de

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“As a rule, stateless nations were contenders but losers in de process of European state-formation, whereas indigenous peoples were entirely isolated from that process until very recently (…).” Ibidem, p. 122.

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Povos que habitam os extremos Norte da Europa e da Ásia, nas regiões circumpolares da Escandinávia e da Rússia. O modo de vida tradicional dos sami são a domesticação e criação de renas, a caça e a pesca. “Sami: An Introduction to Sami People”, 1 Dez. 2004, in http://www.itv.se/boreale/samieng.htm.

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Povo originário da Mongólia e que habita as regiões Árcticas do Canadá e da Gronelândia, para onde emigraram, através do Estreito de Bering, no Alasca. Também conhecidos por esquimós, preferem, no entanto, a designação de inuit, «o povo». Caçadores e colectores, os inuit viviam tradicionalmente em pequenos grupos familiares. O seu contacto com o modo de vida ocidental transformou bastante os seus hábitos e tradições, mas desde a década de 1940 têm vindo a fazer um esforço de preservação da sua cultura. “Inuit”, Canadian Arctic Profiles: Indigenous Culture, 1 Dez. 2004, in http://www.collections.ic.gc.ca/arctic/inuit/people.htm.

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Os maori são os povos indígenas da Nova Zelândia, oriundos da Polinésia. Viviam tradicionalmente da caça, mas também da agricultura. Actualmente, vivem sobretudo nas cidades, mas continuam muito ligados às suas tribos. “Maori”, Merriam-Webster's Online Dictionary, 1 Dez. 2004, in

http://www.britannica.com/dictionary?book=Dictionary&va=maori. 72

Descendentes de antigos caçadores nómadas que vieram da Ásia, através do estreito de Bering, os actuais índios americanos preferem muitas vezes ser chamados «americanos nativos». “American Indian”, Britannica Concise Encyclopædia. 2004, Encyclopædia Britannica Premium Service, 28 Nov. 2004, in

http://www.britannica.com/ebc/article?tocId=9355169. 73

Cf. Will Kymlicka, Politics in the Vernacular: Nationalism, Multiculturalism, and Citizenship, p. 122.

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Para um aprofundamento dessas posições, ver a obra de James S. Anaya, Indigenous Peoples in International

remediação. Apesar de ambos defenderem que as nações sem Estado e os povos indígenas têm iguais direitos à autodeterminação, Kymlicka distancia-se de Anaya, porque rejeita direitos especiais de remediação para os povos indígenas.

Existem dois argumentos a favor da tese segundo a qual os povos indígenas têm direitos de autodeterminação mais fortes do que as nações sem Estado: «O primeiro pretende que os povos indígenas exerceram a soberania no passado e que esta lhes foi incorrectamente tirada, pelo que a autodeterminação é simplesmente uma forma de restaurar a sua soberania inerente.»75 Conceder direitos de autogoverno seria, neste caso, repor uma situação histórica que foi incorrectamente interrompida: no passado, os povos indígenas já tiveram os seus próprios Estados soberanos, pelo que dar-lhes direitos de autogoverno é devolver-lhes essa soberania. Em contrapartida, as nações sem Estado raramente tiveram os seus próprios Estados soberanos, mesmo quando tinham algum grau de autonomia.

Um segundo argumento é aquele que afirma que só a autodeterminação permitirá aos povos indígenas preservarem o seu estilo de vida pré-moderno e que, em contrapartida, as nações sem Estado, como participam da civilização da maioria não necessitam tanto da autodeterminação.76

Segundo esta justificação, os povos indígenas teriam direito à autodeterminação, porque ela lhes permitiria preservar o seu isolamento cultural e um estilo de vida estático, coisa que não aconteceria com as nações sem Estado, na medida em que estas interagem com outras culturas e os seus estilos de vida foram sofrendo a influência das mesmas, foram mudando e, consequentemente, as suas culturas são modernas.

Kymlicka rejeita ambos os argumentos e em relação a este ponto mostra-se concordante com Anaya, que também os rejeita: diz Kymlicka que, segundo Anaya, o argumento da

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“The first claims that indigenous peoples exercised historical sovereignty that was wrongfully taken from them, and so self-determination is simply restoring their inherent sovereignty.” Will Kymlicka, Politics in the

Vernacular: Nationalism, Multiculturalism, and Citizenship, p. 125. 76

soberania histórica, além de dificilmente poder ser aceite pela comunidade internacional, é um argumento que faz tábua rasa das múltiplas inter-relações que constituem a experiência humana; mas a estas limitações acresce ainda, segundo Kymlicka, que é duvidoso que, antes do contacto com os ocidentais, os povos indígenas possuíssem soberania, tal como os ocidentais a entendiam e entendem; em segundo lugar, Kymlicka defende que o argumento da soberania histórica só seria apropriado se o objectivo dos povos indígenas fosse sempre formar Estados independentes e não aquele que eles têm com maior frequência, a renovação dos termos da integração.77 Quanto ao segundo argumento, o autor alega que, de certa forma, ele parece significar que os povos indígenas perdem o direito à autodeterminação no caso de começarem a participar do mundo moderno.78

Kymlicka conclui que, tanto para ele como para Anaya, «todos os grupos nacionais têm o mesmo direito à autodeterminação»79, mas Kymlicka demarca-se de Anaya; em primeiro lugar, este autor apresenta a sua perspectiva como uma mera interpretação da lei internacional já existente. Kymlicka argumenta: «não vejo nenhuma prova de que a comunidade internacional aceita o direito à autodeterminação para as minorias nacionais não indígenas.»80 O autor afirma que a lei internacional ainda não reconhece qualquer princípio geral de autodeterminação para as minorias nacionais, tal como vimos quando analisámos o Artigo 1 da Carta das Nações Unidas e o Artigo 27 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.81

A segunda objecção que Kymlicka coloca a Anaya é relativa aos direitos especiais de remediação: para Anaya, os povos indígenas têm direitos especiais de remediação, porque foram vítimas de uma violação mais sistemática dos seus direitos substantivos à

77 Cf. Ibidem, p. 125. 78 Cf. Ibidem, p. 126. 79

“(...) all national groups have the same right of self-determination (...).” Ibidem.

80

“(...) I see no evidence that the international community accepts a right of self-determination for non- indigenous national minorities.” Ibidem, p. 127.

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autodeterminação do que as nações sem Estado. Kymlicka objecta que não há razões para conceder esse tipo de direitos aos povos indígenas, pois o direito à autodeterminação também é sistematicamente negado às nações sem Estado, havendo entre os dois tipos de minorias nacionais uma mera diferença de grau.82 Em terceiro lugar, mesmo admitindo que os povos indígenas têm esses direitos especiais à autodeterminação, Kymlicka sustenta que eles seriam temporários e não justificariam «estabelecer qualquer sistema permanente de direitos diferenciais entre povos indígenas e nações sem Estado»83, visto que o próprio Anaya defende que nenhuma das minorias nacionais possui direito inerente à autodeterminação.

Sendo assim, Kymlicka pergunta: porque é que a comunidade internacional tem vindo a dar uma atenção crescente à protecção dos direitos dos povos indígenas mas não faz o mesmo em relação às nações sem Estado? A resposta remete, segundo o autor, para a escala da diferença cultural entre povos indígenas e nações sem Estado:

Os povos indígenas não têm apenas culturas distintas, eles formam tipos de culturas inteiramente distintas, “civilizações” distintas, assentes num estilo de vida pré-moderno, que precisa de ser protegido das forças da modernidade, da secularização, da urbanização, da “ocidentalização”, etc.84

Kymlicka quer dizer que as nações sem Estado estão muito mais próximas das culturas maioritárias do que os povos indígenas, porque têm a mesma civilização, embora possuam culturas distintas. Contudo, tal como já vimos, o autor tem consciência de que usar este argumento é correr riscos, pois pode sempre objectar-se que, caso os povos indígenas adoptem características das sociedades modernas e ocidentais, perdem o direito à autodeterminação. Na opinião de Kymlicka, esta objecção obedece a uma concepção paternalista de que os povos indígenas são incapazes de avaliar correctamente as influências

82

Cf. Will Kymlicka, Politics in the Vernacular: Nationalism, Multiculturalism, and Citizenship, p. 127.

83

“(...) establishing any permanent system of differential rights between indigenous peoples and stateless nations (...).” Ibidem, p. 128.

84

“Indigenous peoples do not just constitute distinct cultures, but they form entirely distinct forms of culture, distinct ‘civilizations’, rooted in a premodern way of life that needs protecting from the forces of modernization, secularization, urbanization, ‘Westernization’, etc.” Ibidem, pp. 128-129.

culturais que estão dispostos a sofrer; ela incentiva o isolamento das culturas e contraria a própria realidade; Kymlicka contrapõe-lhe que o próprio Anaya reconhece que os povos indígenas estão em permanente contacto e interacção com outras culturas, o que conduzirá necessariamente a uma diminuição das diferenças culturais que neste momento ainda existem.85 Conclui-se assim que não há razões para defender o reconhecimento de direitos especiais aos povos indígenas. Estes povos e as nações sem Estado têm iguais direitos à autodeterminação:

Embora possuam certas características únicas, parece-me que é típico dos povos indígenas partilharem a tendência destas outras minorias nacionais para resistir às políticas de construção da nação pelo Estado e para, em vez disso, lutarem por algum tipo de autogoverno territorial. Aliás, eles apresentam justificações semelhantes para o fazerem, apelando à sua injusta incorporação no Estado, e/ou a acordos históricos que lhes garantiam o autogoverno, e/ou à importância central da sua terra, língua e cultura para a sua identidade e autonomia.86

Mas a questão da distinção entre os dois tipos de minorias nacionais pode ainda ser abordada sob o ponto de vista da justiça distributiva. Kymlicka constata que existe actualmente uma enorme dificuldade de conciliar as exigências do desenvolvimento económico com a preservação do ambiente. Esta constatação coloca a necessidade de elaborar uma teoria da justiça distributiva nas relações internacionais.87 O autor observa que nos países do Terceiro Mundo se verifica que os governos incentivam cada vez mais os pobres das cidades, onde a terra é escassa e o número de habitantes elevado, a ocuparem as terras pouco populosas dos povos indígenas; o argumento utilizado pelos governos é a necessidade de proporcionar uma vida melhor a mais pessoas, portanto, de fazer uma distribuição mais equitativa dos recursos. Sobre este argumento, Kymlicka afirma o seguinte:

85

Cf. Ibidem, pp. 129-130.

86

“While having certain unique characteristics, it seems to me that indigenous peoples typically share the tendency of these other national minorities to resist state nation-building policies, and to fight instead for some form of territorial self-government. Moreover, they offer similar justifications for doing so, appealing to their unjust incorporation into the state, and/or historical agreements guaranteeing their self-government, and/or the central importance of their land, language and culture to their identity and autonomy.” Ibidem, p. 120.

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Os planos de ocupação são quase sempre inválidos de uma ou mais das seguintes três formas – isto é, servem mais os ricos do que os pobres; e/ou conduzem mais à destruição do ambiente do que ao desenvolvimento sustentável; e/ou visam grupos indígenas que na realidade são mais pobres do que ricos em recursos.88

Kymlicka considera que a ocupação das terras dos povos indígenas é uma injustiça, porque não é legítimo compensar os pobres das cidades tirando terras aos indígenas, que também são pobres e, além disso, não são responsáveis pela pobreza dos primeiros. Os verdadeiros responsáveis são as elites que governam os países do Terceiro Mundo e que, juntamente com os países do Primeiro Mundo, não cumprem com as suas obrigações de justiça. A ideia de que os povos indígenas possuem mais e melhores recursos do que os pobres dos meios urbanos é falsa, pois há séculos que as suas melhores terras vêm sendo ocupadas e exploradas por outros, nomeadamente, por estes últimos pobres. Acresce ainda que, na maior parte dos casos, essa exploração tem conduzido à erosão e exaustão dos solos, à poluição do ambiente e à desflorestação.89

Kymlicka reconhece, no entanto, que muito do progresso e enriquecimento ocidental se deveu a essas ocupações, pelo que seria hipócrita dizer aos governos dos países do Terceiro Mundo para não incentivarem as ocupações das terras dos indígenas. Aliás, «a ocupação não foi necessariamente injusta»90 (porque, em si mesma, a partilha da terra entre povos não é incorrecta), embora os meios por que foi feita o tenham sido: coerção, violência, desrespeito pelos tratados, a pouca terra deixada aos indígenas. Daí o facto de alguns defensores dos direitos dos indígenas reclamarem recompensas por estas injustiças.91 Todavia, Kymlicka objecta que o que está em causa não é devolver aos povos indígenas todo o território e todos os recursos originais que possuíam:

88

“Settlement plans are almost always flawed in one or more of these three ways – that is, they serve the rich rather than the poor; and/or they lead to environmental destruction rather sustainable development; and/or they target indigenous groups which are in fact resource-poor rather than resource-rich.” Ibidem, p. 136.

89

Cf. Ibidem, pp. 134-136.

90

“(...) settlement was not necessarily unjust (...).” Ibidem, p. 137.

91

Muitos grupos indígenas pretendem que têm um direito inerente ou moralmente fundamental às suas pátrias tradicionais, inclusive direito aos recursos minerais que nelas existem, independentemente do volume destes recursos. (...) Isto parece estar em conflito com o igualitarismo dos recursos, o qual insiste que existem limites para a quantidade de recursos que qualquer grupo pode exigir.92

O ponto de vista do igualitarismo de recursos apoia as pretensões dos povos indígenas, embora não as considere direitos inerentes. Em contrapartida, os advogados dos direitos das minorias não só consideram que os direitos dos povos indígenas aos recursos são direitos inerentes, como os aplicam a outros campos, como o dos direitos de autogoverno, de negociação, de caça e pesca, e isenções de pagamento de algumas taxas.93 Kymlicka constata que existe uma tendência crescente para reconhecer e proteger estes direitos, pelo que decide analisar as objecções que podem ser colocadas ao igualitarismo dos recursos em nome dos direitos inerentes dos povos indígenas.

Uma dessas objecções, colocada pelos ambientalistas, consiste em dizer que o quadro teórico da justiça distributiva não é adequado para discutir as questões relativas à terra e ao ambiente, porque promove a concepção segundo a qual a natureza é um recurso a ser usado e consumido pelos homens. Kymlicka identifica duas interpretações possíveis desta objecção: uma interpretação é a de que ela quer dizer que encarar a terra como um recurso disponível a ser distribuído pelos homens corresponde a uma perspectiva consumista e instrumental dos recursos naturais.94 Rejeita esta interpretação, porque ela significa que «a linguagem da justiça não é adequada para descrever as pretensões e os interesses dos humanos no que diz respeito ao ambiente.»95 Ora, para o autor, a linguagem da justiça não é necessariamente consumista nem instrumental, pode ser realmente motivada pela igualdade e pelo desejo de

92

“Many indigenous groups claim that they have an inherent or morally fundamental right to their traditional homelands, including rights to the mineral resources in them, no matter how large these resources are. (...) This seems to conflict with resource egalitarianism, which insists that there are limits on the size of the resources that any group can claim (...).” Ibidem, p. 137.

93

Cf. Ibidem.

94

Cf. Ibidem, pp. 138-139.

95

“(...) the language of justice is not appropriate for describing the claims and interests of humans with respect to the environment (...).” p. 139.

ajudar a satisfazer as necessidades dos pobres. Há ainda uma segunda interpretação da objecção ambientalista, aquela que diz que esta objecção significa que, além dos seres humanos, há outros seres que têm estatuto moral, a ser tomado em consideração quando se avaliam as pretensões da justiça humana. Trata-se, segundo Kymlicka, de uma perspectiva ecocêntrica96, que lhe merece os seguintes comentários:

Primeiro, mesmo que pensemos que certas partes do Terceiro Mundo devem ser preservadas do desenvolvimento por razões não antropocêntricas, isso não torna “irrelevantes” as questões da justiça. Continuaria a ser essencial garantir que os custos da preservação do ambiente fossem distribuídos de uma forma equitativa e não recaíssem de modo desproporcional sobre os pobres do Terceiro Mundo.97

Um outro comentário de Kymlicka leva-nos a pensar que a perspectiva ambientalista não é uma verdadeira defesa dos povos indígenas: «não podemos partir do princípio de que a terra identificada por uma teoria ecocêntrica como particularmente valiosa é idêntica à terra identificada pelos povos indígenas como a sua própria terra.»98 A este propósito, o autor observa que há que ter em atenção que, por um lado, a exploração intensiva das terras que não pertencem aos indígenas também prejudica ao animais e os ecossistemas e, por outro lado, «o argumento ecocêntrico contra as políticas de ocupação também se oporia às tentativas dos próprios povos indígenas, de desenvolverem os seus recursos»99, através da agricultura, da urbanização ou de qualquer outra forma de modernização. Neste caso, tal argumento viria dar razão a todos aqueles que negam o reconhecimento de direitos especiais aos povos indígenas, a partir do momento em que eles adoptam quaisquer características ou elementos do chamado mundo civilizado.100

96

Cf. Ibidem.

97

“First, even if we think certain parts of the Third World should be preserved from development for non- anthropocentric reasons, this does not render issues of justice ‘irrelevant’. It would still be essential to ensure that the costs of environmental preservation were distributed fairly, and did not fall disproportionately on the Third World poor.” Ibidem, p. 140.

98

“(...) we cannot assume that the land identified by an ecocentric theory as particularly valuable is going to be identical to the land identified by indigenous peoples as their own (...).” Ibidem, p. 141.

99

“(...) the ecocentric argument against settlement policies would also argue against attempts by the indigenous peoples themselves to develop their resources.” Ibidem.

100

«Outro conjunto de objecções ao igualitarismo de recursos centra-se no seu alegado “individualismo” e na necessidade de adoptar uma perspectiva mais “comunitarista” da justiça.»101 Segundo esta perspectiva comunitarista, trata-se de considerar que o homem deve ser entendido como indivíduo em comunidade, sendo a comunidade uma unidade subnacional definida em termos geográficos (por exemplo, condados, províncias, biorregiões). Para Kymlicka, os principais responsáveis por esta objecção são os pensadores «Verdes»; eles argumentam que as decisões tomadas pelas comunidades revelam maior responsabilidade no que respeita ao ambiente do que as decisões tomadas pela sociedade mais vasta, porque há mais consciência do ambiente local e porque as pessoas estão mais ligadas umas às outras. É por estas razões que os pensadores «Verdes» defendem a descentralização do poder a favor destas comunidades e a promoção do sentido de identidade das pessoas com elas.102 Por isso, Kymlicka designa este argumento por descentralista e, embora concorde com ele, afirma: «este argumento descentralista não nos ajuda necessariamente a compatibilizar a justiça com as pretensões dos povos indígenas»103, porque não explica as razões por que «os poderes e os recursos são distribuídos de forma diferenciada entre as comunidades mais pequenas, tal como está implícito nas pretensões dos povos indígenas. Nem consegue explicar por que motivos é que essas comunidades locais devem ser definidas com base no critério étnico.»104

A verdade é que, por um lado, muitos povos indígenas rejeitam as políticas de protecção do ambiente e preferem as políticas de desenvolvimento; por outro lado, há países nos quais a descentralização só dificulta a garantia do respeito pelos povos indígenas. Kymlicka dá o