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A S C ONDIÇÕES E A D IALÉCTICA DA C ONSTRUÇÃO DA N AÇÃO

A P ROBLEMÁTICA DA C ONSTRUÇÃO DA N AÇÃO

4.4 A S C ONDIÇÕES E A D IALÉCTICA DA C ONSTRUÇÃO DA N AÇÃO

Ao mesmo tempo que defende a substituição do modelo da neutralidade do Estado por um modelo de construção da nação71, Kymlicka indica um conjunto de condições a satisfazer por este último modelo. De facto, ele assegura que as exigências das minorias nacionais e dos grupos etnoculturais devem ser entendidas como respostas à construção da nação pela maioria; essas exigências especificam as injustiças que tal projecto de construção da nação impôs ou pode impor a cada minoria e também as condições em que esse projecto deixaria de ser injusto.72

68

Vide Capítulo 8, Subsecção 8.2.3.

69

Cf. Will Kymlicka, Multicultural Citizenship: A Liberal Theory of Minority Rights, p. 186.

70

“Most countries today are culturally diverse. According to recent estimates, the world’s 184 independent states contain over 600 living language groups, and 5,000 ethnic groups. In very few countries can the citizens be said to share the same language, or belong to the same ethnonational group.” Ibidem, p. 1.

71

Vide Capítulo 1, Subsecção 1.2.1.

72

Não se trata de afirmar que a construção da nação maioritária é intolerável e não deve ser permitida, mas que só é legítima sob determinadas condições: (i) que nenhum grupo residente há bastante tempo seja impedido de ter a cidadania e de ser membro, de pleno direito, da nação; (ii) que toda e qualquer exigência de integração dos grupos culturais na nação seja entendida apenas em termos institucionais e linguísticos («em sentido “fino” [thin]»73), deixando espaço para a expressão pública e privada das diferenças individuais e colectivas, e adaptando as instituições de modo a acomodarem as identidades e as práticas das minorias etnoculturais; (iii) que seja permitido às minorias nacionais envolverem-se nos seus próprios projectos de construção da nação e manterem a sua cultura societal.74

Embora reconheça que raramente as democracias ocidentais satisfizeram tais condições, Kymlicka está convencido de que existe nestas democracias uma tendência geral para as satisfazer:

os Estados ocidentais da actualidade exibem um complexo modelo de construção da nação limitado pelos direitos das minorias. Por um lado, os Estados ocidentais continuam a ser Estados construtores da nação. Todos os Estados ocidentais continuam a adoptar os tipos de políticas de construção da nação que discuti no contexto americano e nenhum Estado ocidental renunciou ao direito de adoptar tais políticas. Por outro lado, estas políticas são cada vez mais qualificadas e circunscritas para acomodar as exigências das minorias que se sentem ameaçadas.75

Existe, pois, uma dialéctica da construção da nação pelo Estado – relativa às exigências que o Estado faz às minorias – e dos direitos das minorias – relativa às exigências que as minorias fazem ao Estado. O Estado serve-se de um conjunto de ferramentas de construção da nação, tais como políticas de cidadania, leis relativas à língua, política educativa, funcionalismo público, centralização do poder, meios de comunicação social estatais,

73

“(…) in a ‘thin’ sense (…).” Ibidem, p. 48.

74

Cf. Ibidem.

75

“(…) Western states today exhibit a complex pattern of nation-building constrained by minority rights. On the one hand, Western states remain ‘nation-building’ states. All Western states continue to adopt the sorts of nation- building policies I discussed in the American context, and no Western states have relinquished the right to adopt such policies. On the other hand, these policies are increasingly qualified and limited to accommodate the demands of minorities who feel threatened.” Ibidem, p. 49.

símbolos, feriados nacionais e serviço militar. Por sua vez, as minorias exigem direitos, como o multiculturalismo para os imigrantes, a inclusão dos metecos, as isenções religiosas e o federalismo multinacional.76 Todas estas exigências das minorias devem ser vistas no contexto da construção da nação pelo Estado, são respostas das minorias às políticas de construção da nação pelo Estado e visam proteger os grupos minoritários de injustiças reais ou potenciais que o Estado possa cometer contra eles.77 Simultaneamente, argumenta Kymlicka, «a adopção dos direitos minoritários ajudou a justificar a construção da nação pelo Estado.»78 A prossecução das finalidades do Estado não pode fazer-se à custa de políticas que assimilem, excluam ou enfraqueçam as minorias e só é legítima se for complementada e condicionada pelo reconhecimento dos direitos das minorias. Por conseguinte, nas democracias ocidentais existe «um complexo pacote de formas robustas de construção da nação, combinado e limitado por formas robustas de direitos minoritários.»79

Segundo Kymlicka, nas federações multinacionais esta dialéctica é duplicada a nível subestatal, pois as minorias nacionais também se empenham em projectos de construção da nação que, também neste caso, não podem ser aplicados à custa de qualquer violação dos direitos das minorias internas que vivem no seu território; os direitos destas minorias tornam- se então condicionantes da construção da nação a nível subestatal e garantias da sua legitimidade.80

Contudo, o autor reconhece que é difícil que esta segunda dialéctica seja idêntica à primeira, pois poucas são as minorias nacionais que possuem controle sobre determinadas políticas estatais, como a da naturalização e a do serviço militar. «Mesmo assim, em geral, podemos dizer que nas federações multinacionais as minorias nacionais têm muitos poderes

76 Cf. Ibidem. 77 Cf. Ibidem, pp. 49-50. 78

“(…) the adoption of minority rights has helped to justify state nation-building.” Ibidem, p. 50.

79

“(…) a complex package of robust forms of nation-building combined and constrained by robust forms of minority rights.” Ibidem.

80