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O S G RUPOS E TNORELIGIOSOS I SOLACIONISTAS

G RUPOS E TNOCULTURAIS E N ACIONAIS

3.2 O S G RUPOS E TNOCULTURAIS

3.2.3 O S G RUPOS E TNORELIGIOSOS I SOLACIONISTAS

São pequenos grupos de imigrantes que voluntariamente se isolam da sociedade mais vasta e evitam participar da vida política e das instituições sociais, porque as consideram corruptas.32 Kymlicka dá como exemplos de grupos que se integram nesta categoria os huteritas, no Canadá, os amish, nos EUA e os judeus hassídicos33. Todos estes grupos estão isentos do cumprimento de determinadas leis (como a lei do serviço militar e a obrigação de as crianças frequentarem a escola até aos 16 anos), organizam-se internamente de modo iliberal, impedindo que alguns dos seus membros questionem as práticas tradicionais e a autoridade interna, procurando evitar que as crianças adquiram capacidade de reflexão crítica e limitando o papel das mulheres à vida doméstica. Recusam-se também a colaborar na

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“Whether or not immigrants have the right to become citizens, therefore, is not a trivial issue. It has enormous consequences, both for the immigrant and the larger society. And a liberal democracy, both for reasons of justice and for reasons of self-interest, must give all immigrants the right to become citizens.” Ibidem, p. 45.

32

Cf. Ibidem, p. 37.

33

Os judeus hassídicos são uma seita religiosa, com origem no século II a.C. Opunham-se ao helenismo e defendiam a estrita observância da lei religiosa. No século XVIII, na Polónia e sob a influência das correntes místicas e do pietismo alemão, os judeus hassídicos iniciaram um movimento de reacção contra o racionalismo e o laxismo no culto. “Hassidic”, Merriam-Webster's Online Dictionary, 1 Dez. 2004, in http://www.britannica.com/dictionary?book=Dictionary&va=hasidic&query=hasidic.

resolução de problemas da sociedade, como os problemas da pobreza urbana, da poluição e do abuso de drogas.34

Em Multicultural Citizenship, Kymlicka afirma que o liberalismo «impede uma minoria religiosa de proibir a apostasia ou o proselitismo, ou de impedir que as suas crianças aprendam acerca de outros modos de vida.»35 Estas afirmações levam Jacob T. Levy a questionar o alcance das palavras de Kymlicka:

Penso que aqui os argumentos de Kymlicka são confusos, não porque condenam as regras internas mas por causa da forma que essa condenação toma. Não sei bem o que significa dizer a um grupo religioso que não pode proibir a apostasia. Será que a pessoa que rejeita abertamente a fé tem de continuar a ser bem-vinda como membro do grupo? É muito simples dizer que o Estado não pode proibir a apostasia, que o sistema Millet era injusto; mas Kymlicka diz mais do que isso.36

O argumento de Levy é retomado por Brian Barry, que o usa para atacar a teoria dos direitos de grupo de Kymlicka, dizendo que ela não permite distinguir os diferentes tipos de custos a suportar pelos membros dos grupos religiosos que são acusados de heresia ou de apostasia; tal como Levy, Barry afirma que Kymlicka defende que as Igrejas não têm o direito de expulsar os hereges e os apostatas, na medida em que diz que, para Kymlicka, «mudar de opinião em questões de religião não deve ter custos – e se isso significa que os apostatas não devem ser expulsos, assim seja.»37 Por sua vez, Barry julga que alguns custos são legítimos e outros são ilegítimos: considerando que as Igrejas são associações livres, logo todos os seus membros são livres para dissidir a qualquer momento, o autor defende que não há motivos

34

Cf. Will Kymlicka, “Western Political Theory and Ethnic Relations in Eastern Europe”, pp. 37-38.

35

“(…) it precludes a religious minority from prohibiting apostasy and proselytization, or from preventing their children learning about other ways of life.” Will Kymlicka, Multicultural Citizenship: A Liberal Theory of

Minority Rights, p. 161. 36

“(…) I find Kymlicka’s arguments here puzzling, not because they condemn internal rules but because of the way in which that condemnation occurs. I’ m not sure what it means to tell a religious group that it cannot prohibit apostasy. Must the person who openly rejects the faith continue to be welcomed as a member of it? It is simple enough to say that the state cannot prohibit apostasy, that the millet system was unjust; but Kymlicka says more than that.” Jacob T. Levy, “Classifying Cultural Rights”, in Ian Shapiro e Will Kymlicka (eds.),

Nomos XXXIX: Ethnicity and Group Rights, New York and London, New York University Press, 1997, pp. 22-

66.

37

“(…) be rendered costless to change one’s mind in matters of religion – and if that means that apostates cannot be ejected, so be it.” Brian Barry, Op. Cit., p. 163.

para lhes serem aplicadas sanções que vão além dos custos da própria saída.38 Mas afirma também que «têm de existir alguns limites para aquilo que pode ser feito em nome da liberdade de associação.»39 Ou seja, uma Igreja tem direito de expulsar um herege ou um apostata, mas não pode privá-lo da liberdade, da vida, ou dos seus meios de subsistência.

Em relação ao modo como as sociedades liberais tratam estes grupos etnoreligiosos iliberais, Kymlicka afirma que, de forma geral, elas os aceitam, porque quando eles chegaram aos EUA e ao Canadá havia muita falta de pessoas com competências agrícolas e dispostas a instalar-se na fronteira do Oeste. Nessa altura, foram-lhes feitas concessões que actualmente são mantidas em nome da tolerância pela liberdade religiosa e sob determinadas condições: «desde que eles não prejudiquem exageradamente as pessoas dentro do grupo (...), e desde que eles não tentem impor os seus pontos de vista a pessoas estranhas ao grupo, e desde que os membros tenham liberdade legal para ir embora.»40

Mesmo assim, Kymlicka não parece muito convencido da justiça destas isenções, pois elas assentam em «promessas históricas que não foram feitas a outros imigrantes.»41 Admite que é possível que, se tais promessas não lhes tivessem sido feitas no momento em que esses grupos foram viver para a América, talvez eles tivessem decidido ir viver para outros lugares, mas também diz que o peso moral de tais argumentos históricos não é claro.42

38

Cf. Ibidem, pp. 162-165.

39

“There must be some limits to what can be done in the name of freedom of associations.” Ibidem, p. 165.

40

“(...) so long as they do not egregiously harm people inside the group (…) and so long as they do not attempt to impose their views on outsiders, and so long as members are legally free to leave.” Will Kymlicka, “Western Political Theory and Ethnic Relations in Eastern Europe”, p. 38.

41

(…) historical promises which were not given to other immigrants.” Ibidem.

42