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D IREITOS M INORITÁRIOS E D IREITOS H UMANOS

J USTIÇA E D IREITOS

2.2 D IREITOS M INORITÁRIOS E D IREITOS H UMANOS

No Capítulo 1 (Subsecção 1.1.1), mostrámos que, para Kymlicka, o acesso à cultura societal é essencial para a liberdade individual. Vamos agora averiguar quais são as exigências que uma minoria tem legitimidade para fazer em nome da protecção da sua cultura societal. Parecendo querer dar razão a críticos como Barry, Kymlicka reconhece que esta protecção tem custos para as pessoas que não pertencem à minoria mas, simultaneamente, sustenta que só a protecção da cultura societal das minorias garante uma genuína igualdade entre todos os cidadãos.32 E argumenta que a não-intervenção, ou seja, o facto de o Estado não apoiar nem inibir a protecção de uma cultura (negligência benigna) acaba por gerar desigualdades para determinados grupos, que ficam sempre em minoria, mesmo quando se trata de tomar decisões determinantes para a sua sobrevivência.33

Partindo do princípio de que é necessário «repensar a justiça de exigir direitos para as minorias»34, Kymlicka apresenta três tipos de argumentos liberais a seu favor: os argumentos da igualdade, dos acordos históricos e da diversidade. Em nome da igualdade – e contra a tese da negligência benigna –, Kymlicka defende que há direitos que eliminam as desigualdades e desvantagens das minorias em relação à maioria. No caso das minorias nacionais, «a viabilidade das suas culturas societais pode ser destruída por decisões económicas e políticas tomadas pela maioria.»35 As minorias nacionais ficam numa situação de desigualdade porque são numericamente inferiores e isso faz com que percam as votações; em contrapartida, a maioria nunca tem de enfrentar esse problema. Por conseguinte,

Direitos diferenciados de grupo – tais como a autonomia territorial, poderes de veto, representação garantida nas instituições centrais, direitos fundiários e direitos linguísticos –

32

Cf. Will Kymlicka, Multicultural Citizenship: A Liberal Theory of Minority Rights, pp. 107-108.

33

Cf. Ibidem, pp. 108-109.

34

“(…) rethink the justice of minority rights claims.” Ibidem, p. 108.

35

“The viability of their societal cultures may be undermined by economic and political decisions made by the majority.” Ibidem, p. 109.

podem ajudar a rectificar esta desvantagem, aliviando a vulnerabilidade das culturas minoritárias às decisões da maioria.36

Neste caso, os direitos contribuem para garantir aos membros das minorias as mesmas oportunidades que os membros da maioria têm, ou seja, a possibilidade de viverem e trabalharem na sua própria cultura; Kymlicka reconhece que tais direitos podem constituir um fardo para a maioria, dificultando ou restringindo a mobilidade, a fixação e as oportunidades dos seus membros dentro do território da minoria: «Mas o sacrifício exigido aos não- membros pela existência destes direitos é muito menor que o sacrifício que os membros teriam de enfrentar na ausência de tais direitos.»37 Tal sacrifício seria a perda da sua cultura, o que em última análise constitui a perda da sua liberdade. A única forma justa de assegurar que, se as minorias nacionais quiserem, têm oportunidade de se manterem a si próprias como culturas distintas é garantir que o bem da pertença cultural está igualmente protegido para os membros de todos os grupos nacionais; nesse caso, é necessário conceder às minorias benefícios que compensem as circunstâncias desiguais em que se encontram, independentemente das suas opções: «a verdadeira igualdade não exige tratamento idêntico mas antes tratamento diferencial para acomodar necessidades diferenciadas.»38 Segundo o autor, isto não implica o fim do mercado cultural, pois ele continuará a existir, com a função de contribuir para determinar o tipo de cada cultura, influenciando as características culturais que se mantêm e desenvolvem e aquelas que acabarão por desaparecer.39

Em relação aos imigrantes, Kymlicka defende que, também em nome da igualdade, lhes sejam reconhecidos direitos poliétnicos que permitam a sua integração na sociedade, de modo a que obtenham os direitos comuns de cidadania: «na medida em que os direitos comuns de

36

“Group-differentiated rights – such as territorial autonomy, veto powers, guaranteed representation in central institutions, land claims, and language rights – can help rectify this disadvantage, by alleviating the vulnerability of minority cultures to majority decisions.” Ibidem.

37

“But the sacrifice required of non-members by the existence of these rights is far less than the sacrifice members would face in the absence of such rights. Ibidem.

38

“(…) true equality requires not identical treatment, but rather differential treatment in order to accommodate differential needs.” Ibidem, p. 113.

39

cidadania criam, de facto, igualdade de acesso à cultura dominante, então a igualdade relativa à pertença cultural é alcançada.»40

Chandran Kukathas classifica este argumento a favor da defesa de direitos minoritários como uma abordagem modesta do problema da igualdade, pois Kymlicka parte do princípio de que os indivíduos são livres para abandonar o grupo a que pertencem, para dissidir. Para Kukathas, «não há forma de garantir a igualdade das hipóteses de sobrevivência»41 dos grupos: uns desaparecerão, outros não. Kukathas considera também que o reconhecimento de direitos especiais tem benefícios limitados, porque no que respeita, por exemplo, à defesa das línguas minoritárias, os grupos pouco numerosos vão sempre ficar em desvantagem, na medida em que não terão um número suficiente de membros para garantir a sobrevivência da sua língua. Portanto, «as políticas que visam a igualdade linguística podem beneficiar as grandes minorias à custa das pequenas.»42 Um outro aspecto que condiciona o argumento da igualdade a favor do reconhecimento de direitos especiais aos grupos minoritários é que, na perspectiva de Kukathas, estes direitos podem acentuar divisões internas e gerar desigualdades dentro dos grupos, conduzindo à formação de subgrupos.43 Mais ainda, como os grupos são fluídos e, além da dimensão cultural, possuem uma dimensão económica e uma dimensão política, Kukathas admite que os direitos especiais conduzam a uma diluição de algumas das identidades de grupo, porque os membros de cada grupo tendem a privilegiar a opção pelos aspectos da identidade de grupo que lhes trazem mais benefícios. Mais uma vez, Kukathas considera que a igualdade é posta em causa pelos próprios direitos que visavam consegui-la e preservá-la.44 Aliás, este autor parece entender que o reconhecimento de direitos especiais é susceptível de violar o direito dos indivíduos de abandonarem o seu grupo original

40

“In so far as common rights of citizenship in fact create equal access to mainstream culture, then equality with respect to cultural membership is achieved.” Ibidem, p. 114.

41

“There is no way of ensuring equality of survival chances (...).” Chandran Kukathas, Op. Cit., p. 233.

42

“(...) policies aiming at linguistic equality may benefit large minorities at the expense of small ones.” Ibidem.

43

Cf. Ibidem, p. 234.

44

e de se deixarem assimilar por outro grupo; segundo Kukathas, um outro lado deste mesmo problema consiste no facto de as políticas orientadas para a manutenção da especificidade dos grupos poderem contribuir para marginalizar os indivíduos recém-chegados.45 Ele conclui que «a luta pela igualdade pode provocar a mudança das fronteiras; mas não vai eliminá-las; nem vai eliminar, nem sequer tem necessariamente de reduzir as desigualdades. Na melhor das hipóteses, vai simplesmente criar desigualdades diferentes.»46

De qualquer forma, as objecções não demovem Kymlicka. E, embora considere que o argumento da igualdade a favor do reconhecimento de direitos às minorias é o mais importante, apresenta ainda outros dois argumentos, dos quais o segundo consiste em afirmar que esses direitos resultam dos acordos históricos feitos entre os países ocidentais que actualmente são democráticos e as minorias nacionais. Os defensores desses direitos sustentam que é fundamental honrar tais acordos, mas os opositores não os aceitam, argumentando que eles já não têm validade e muitas vezes foram assinados sob coacção ou por ignorância.47 Porém, Kymlicka sustenta que «este argumento histórico pode justificar os mesmos direitos que o argumento da igualdade»48, pois constata-se que os acordos feitos no passado conduzem frequentemente aos mesmos resultados que a protecção proporcionada com base no argumento da igualdade. Acima de tudo, o critério para determinar se um grupo nacional deve ter direitos diferenciados é a maneira como ele foi incorporado no Estado: se foi através da federação voluntária, então esses direitos estão contidos nos próprios termos da federação; o acordo que originou a federação estabelece o grau de autoridade que o Estado tem sobre a minoria nacional e, simultaneamente, limita essa autoridade e impõe ao Estado a obrigação legal e moral de respeitar os direitos do grupo. Se a incorporação da minoria nacional foi involuntária, por exemplo, se foi feita através da colonização, então é a própria

45

Cf. Ibidem, p. 235.

46

“The pursuit of equality can operate to change the boundaries; but it will not eliminate them; nor will it eliminate, or necessarily even reduce, inequalities. At best it will simply create different ones.” Ibidem, p. 236.

47

Cf. Will Kymlicka, Multicultural Citizenship: A Liberal Theory of Minority Rights, p. 116.

48

lei internacional que dá a este grupo o direito à autodeterminação e, consequentemente, o direito de renegociar os termos da federação.49

No entanto, apesar de conduzirem aos mesmos resultados, os dois argumentos são distintos, porque o argumento histórico não pretende dizer como é que o Estado deve tratar as minorias que o habitam e constituem, apenas explicita os termos em que diferentes povos decidiram tornar-se parceiros, indica os limites do direito que o Estado tem de governar as minorias nacionais. Kymlicka realça que, enquanto o argumento da igualdade pode gerar um apoio positivo do Estado às minorias nacionais, o argumento histórico apenas pode gerar o direito à não-interferência do Estado nos assuntos que caem sob a alçada dos direitos de autogoverno das minorias nacionais. Mas chama a atenção de que o respeito pelos acordos entre o Estado e as minorias nacionais é também uma forma de reforçar a confiança dos cidadãos nas acções do governo.50

Segundo Kymlicka, «os acordos históricos são muito menos comuns no caso dos grupos étnicos, pois é raro serem prometidos aos imigrantes quaisquer direitos especiais, antes de chegarem ao seu novo país.»51 Este é o argumento de todos aqueles que se opõem aos direitos poliétnicos: eles afirmam que os imigrantes não podem esperar ter esses direitos, porque quando decidiram entrar no país já sabiam que eles não existiam. Há, no entanto, algumas excepções, como por exemplo o acordo feito entre o governo do Canadá e a seita dos huteritas52. Por muito contestáveis que sejam hoje os direitos que lhes foram concedidos no passado, Kymlicka diz que os huteritas – assim como todas as seitas etnoreligiosas que obtiveram isenções para se instalarem na América – podem sempre argumentar que os 49 Cf. Ibidem. 50 Cf. Ibidem, pp. 118-119. 51

“Historical agreements are much less common in the case of ethnic groups, since immigrants are rarely promised any special rights before arriving in their new country.” Ibidem, p. 119.

52

Os huteritas são os seguidores do pregador anabaptista Jacob Hutter, originário da Morávia. Pertencentes à seita mennonista, têm a especificidade de viver em comunidade e de partilharem a posse da propriedade. A partir dos finais do século XIX, emigraram para os Estados Unidos e o Canadá, onde fundaram comunidades / colónias que se dedicam principalmente à agricultura. “Hutterites”, Merriam-Webster's Online Dictionary, 1 Dez. 2004,

acordos feitos com os antigos governos do Canadá e dos Estados Unidos limitam a autoridade dos actuais governos sobre eles.53

Kymlicka reconhece que, enquanto fundamentos dos direitos das minorias, os acordos históricos colocam algumas questões difíceis: (i) a possibilidade de as condições em que tais acordos foram feitos terem mudado; (ii) as dificuldades de interpretar os acordos; (iii) o facto de eles não darem resposta às necessidades actuais das minorias.54 Por isso, o autor não se opõe à revisão ou renegociação dos acordos e defende que eles têm de se fundamentar numa teoria da justiça, pelo que «o argumento histórico e o da igualdade têm de funcionar em conjunto.»55

O terceiro argumento de Kymlicka a favor dos direitos das minorias nacionais apela ao valor da diversidade cultural: visto que os liberais valorizam a existência de diferentes estilos e opções de vida, eles têm de aprovar todas as medidas que contribuam para a existência de estilos de vida alternativos, portanto, deveriam aprovar a existência de direitos diferenciados de grupo, geradores de maior diversidade. À partida, a diversidade parece ser do interesse de todos os membros da sociedade, incluindo os da maioria, na medida em que ela colocaria à sua disposição um maior leque de opções.56 Contudo, é o próprio autor que coloca algumas reticências à validade deste argumento: «o valor da diversidade dentro de uma cultura consiste no facto de ela criar mais opções para cada indivíduo, expandir o seu campo de escolhas. Mas, proteger as minorias nacionais não expande da mesma maneira o campo de escolhas à disposição da maioria.»57 O valor da diversidade pode ser enganador, pois as medidas destinadas a proteger as minorias nacionais podem reduzir a diversidade dentro da cultura maioritária; na verdade, a diversidade seria muito maior se as minorias se integrassem na

53

Cf. Will Kymlicka, Multicultural Citizenship: A Liberal Theory of Minority Rights, p. 120.

54

Cf. Ibidem.

55

“The historical and equality arguments must work together.” Ibidem.

56

Cf. Ibidem, p. 121.

57

“The value of diversity within a culture is that it creates more options for each individual, and expands her range of choices. But protecting national minorities does not expand the range of choices open to members of the majority in the same way.” Ibidem.

cultura dominante e dessem o seu contributo específico para ela. Portanto, a diversidade, por si própria, não justifica a existência de direitos específicos para grupos minoritários, até porque os seus benefícios – que são difusos para as maiorias – têm de ser contrapostos aos custos – pesados – que ela tem para essas mesmas maiorias. A única coisa que, segundo o autor, pode justificar estes sacrifícios não é a diversidade, mas a necessidade de evitar maiores sacrifícios aos membros das minorias nacionais.58

No entanto, para Kymlicka, o argumento da diversidade apresenta ainda outras limitações: por um lado, em nome da diversidade, as minorias nacionais podem ser sujeitas a restrições internas; por outro lado, ao fazer apelo aos interesses da sociedade mais vasta, este argumento não explica «porque é que as minorias deveriam ser capazes de decidir por si próprias se e como manter a sua cultura.»59 Acresce a forte improbabilidade de as maiorias aceitarem custos e sacrifícios sem serem obrigadas, só porque, eventualmente, teriam interesse nos benefícios estéticos e educacionais proporcionados pela diversidade. Por todas as razões apresentadas, Kymlicka considera que «o argumento da diversidade é insuficiente, por si só, para justificar os direitos das minorias nacionais.»60

Embora Kymlicka não estabeleça qualquer relação directa entre diversidade e igualdade, Kukathas parece presumir a sua existência, pelo que apresenta uma objecção ao argumento da diversidade que pressupõe a sua articulação com o argumento da igualdade: chama a atenção de que é difícil garantir a igualdade de um grupo sem alterar a sua diversidade, pois é difícil distinguir aquilo que deve ser igualizado daquilo que não o deve ser: «as pessoas vêem a diversidade de formas diferentes.»61

De certa forma, Kymlicka parece fazer aqui algumas cedências aos seus críticos. Está convencido de que o argumento da diversidade tem maior influência na defesa de direitos

58

Cf. Ibidem, pp. 121-122.

59

“(…) why minorities should be able to decide for themselves whether or how to maintain their culture.”

Ibidem, p. 123. 60

“(…) the diversity argument is insufficient, by itself, to justify the rights of national minorities.” Ibidem.

61

poliétnicos para os imigrantes: os direitos poliétnicos contribuem directamente para uma maior diversidade da cultura dominante, não impõem restrições ou sacrifícios à maioria e podem ser encarados como extensões naturais de outras actividades do Estado, tais como o financiamento das artes.62 Todavia, o autor admite que o argumento tem limitações, porque há muitas formas de promover a diversidade, não tem necessariamente de ser através do reconhecimento de direitos poliétnicos. Por todos estes motivos, defende que o argumento da diversidade é complementar dos argumentos de justiça – baseados na igualdade e nos acordos históricos – mas não os pode substituir. 63

Perante os argumentos utilizados pelos defensores dos direitos diferenciados de grupo, Kymlicka propõe que os autores que se opõem a esses direitos justifiquem essa posição, até porque é na sequência da mesma que eles defendem a revisão da teoria e da prática liberais contemporâneas, as quais favorecem tais direitos.64 Assim, afirma Kymlicka: «creio que o ponto de vista liberal ortodoxo sobre o direito dos Estados determinarem quem tem a cidadania repousa sobre os mesmos princípios que justificam a cidadania diferenciada por grupos dentro dos Estados, e que aceitar o primeiro conduz logicamente ao último.»65

Kymlicka explica que os princípios liberais de igual respeito pelas pessoas e iguais direitos individuais sugerem que todos os indivíduos têm o mesmo direito de entrar num país,

62

O financiamento das medidas a tomar para aplicar os direitos de grupo é, evidentemente, estatal. Faz-se, portanto, com os impostos pagos pela generalidade dos cidadãos. Ora, Brian Barry refere precisamente este pormenor para distinguir o papel da etnicidade nos EUA e no Canadá: enquanto nos EUA não existem subsídios para as actividades culturais dos grupos étnicos, no Canadá os governos financiam manifestações culturais de carácter étnico; segundo Barry, este apoio financeiro incentiva o reforço das identidades étnicas e faz com que os empresários tentem estimular a consciência étnica de modo a conseguirem somas mais elevadas: “Há uma importante lição a tirar daqui. Trata-se de que as políticas multiculturalistas não são simplesmente uma adaptação passiva ao facto inelutável da diversidade cultural. Pelo contrário, o multiculturalismo cria, de facto, a realidade que é então, num processo circular de auto-reforço, usada como justificação para aumentar a extensão das políticas multiculturalistas.” [“There is an important lesson to be drawn here. This is that multiculturalist policies are not simply a passive adaptation to an ineluctable fact of cultural diversity. Rather, multiculturalism actually creates the reality which is then, in a circular process of self-reinforcement, appealed to as a justification for a further extension of multiculturalist policies.” Brian Barry, Op. Cit., p. 315.]

63

Cf. Will Kymlicka, Multicultural Citizenship: A Liberal Theory of Minority Rights, p. 123.

64

Cf. Ibidem, p. 124.

65

“I believe that the orthodox liberal view about the right of states to determine who has citizenship rests on the same principles which justify group-differentiated citizenship within states, and that accepting the former leads logically to the latter.” Ibidem.

participar da sua vida política e usufruir dos seus recursos naturais. Contudo, esses direitos acabam por ser reconhecidos apenas aos cidadãos e nem todas as pessoas têm acesso à cidadania. Por isso mesmo, para Kymlicka, a cidadania é um direito diferenciado de grupo, porque a distribuição dos seus benefícios pressupõe um tratamento diferencial, baseado na pertença do indivíduo a um determinado grupo66, o que «cria uma profunda contradição dentro da maior parte das teorias liberais.»67 Tal contradição tem sido assinalada por críticos do liberalismo que argumentam que, para ser coerente, esta teoria deveria defender a abertura das fronteiras.68 Kymlicka responde que a existência de fronteiras entre Estados é uma manifestação da convicção liberal de que as pessoas pertencem a diferentes culturas e de que uma das funções do Estado liberal é a protecção dessa pertença.69 Por isso, «nos Estados multinacionais, a pertença cultural de algumas pessoas só pode ser reconhecida e protegida pela aprovação de direitos diferenciados de grupo dentro do Estado.»70 Para o autor, isto justifica o facto de os Estados liberais limitarem a imigração e a cidadania a determinadas pessoas ou grupos. Mas também justifica que devem ser os próprios liberais que se opõem ao reconhecimento desses direitos a demonstrar a legitimidade desta posição.71

Contudo, eles não o fazem; antes pelo contrário, rejeitam tal reconhecimento e rejeitam quaisquer medidas para proteger os grupos culturais. Além das razões históricas, esta rejeição deve-se também ao pressuposto dos pensadores liberais contemporâneos, de que os países