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1.2 A S P OSIÇÕES T EÓRICAS DE W ILL K YMLICKA E D AVID M ILLER

1.2.2 M ILLER – C OMUNITARISMO DE E SQUERDA

Miller entende que o comunitarismo visa a criação e a preservação de comunidades formadas com base na igualdade e autodeterminadas.184 Este aspecto é fundamental para distinguir a teoria política de Miller dos restantes tipos de comunitarismo. Segundo Miller, o comunitarismo de direita – representado por Roger Scruton185 – por um lado, acentua que é o sentido de pertença à comunidade que funda a coesão social e que a comunidade é fonte da autoridade, porque a identificação com a comunidade implica a submissão aos seus costumes, tradições e convenções; por outro lado, Scruton identifica a comunidade com a nação, o que significa que acredita que as fronteiras do Estado devem coincidir com as da nação. Ao contrário dos comunitaristas liberais, Scruton argumenta que a comunidade não é uma associação voluntária, logo todas as pessoas que não estiverem predispostas a obedecer às suas regras e a submeter-se ao estilo de vida que ela impõe só têm uma opção – sair. A comunidade nacional une todos aqueles que vivem dentro das suas fronteiras e impõe-lhes a sua autoridade exclusiva, impedindo-os de questionarem e reverem o estilo de vida comum.186

Por sua vez, como já dissemos (Subsecção 1.1.1), os comunitaristas liberais, que Miller considera representados por Kymlicka e Joseph Raz, focam mais a sua atenção na diversidade de comunidades a que cada indivíduo pertence, para defenderem uma concepção pluralista 182 Cf. Ibidem, pp. 593-594. 183 Cf. Ibidem, p. 595. 184

Cf. David Miller, Citizenship and National Identity, pp. 104-105.

185

Para um aprofundamento da perspectiva de Roger Scruton, ver a sua obra The Meaning of Conservatism, Harmondsworth, Penguin, 1980, assim como o Capítulo “In Defence of the Nation”, in The Philosopher in

Dover Beach, Manchester, Carcanet, 1990. 186

Cf. Ibidem, pp. 103-104. No Capítulo 6, Subsecção 6.3.1, analisaremos de forma mais detalhada a posição de Roger Scruton, que Miller designa por Nacionalismo Conservador.

dos valores e salientarem a importância da escolha autónoma e da revisibilidade das escolhas.187

Miller distancia-se do comunitarismo de direita, porque rejeita qualquer imposição autoritária de valores, finalidades ou estilos de vida. Também se distancia do comunitarismo liberal188, porque acredita que o exercício da autonomia individual é político e consiste na busca dialogada de um acordo entre cidadãos empenhados na escolha colectiva de um estilo de vida, escolha esta que é feita no âmbito da nação e para a nação.189

De um modo geral, o comunitarismo baseia-se no princípio de que o ser humano é social e só pode ser compreendido quando inserido e constituído pelas suas relações sociais; as instituições, as práticas e as formas sociais de vida dão a cada indivíduo uma identidade concreta.190 Por conseguinte, para Miller,

quando formulo a questão “Quem sou eu?”, a resposta que dou não se limita a uma listagem das características que possuo e que poderia mudar amanhã, como o meu trabalho ou o meu gosto musical, mas indica características que não escolhi, derivadas do contexto social no qual me formei – a minha origem, o meu sexo, a minha etnia.191

Na perspectiva do autor, a identidade pessoal não resulta de uma escolha, resulta de um processo pelo qual cada pessoa vai interiorizando valores inculcados pelas comunidades e instituições a que pertence. Aos poucos, a pessoa vai reflectindo sobre os valores que herdou e assimilou e o mais natural é que faça uma selecção daqueles que lhe parecem mais adequados e crie a sua própria hierarquia de valores, originando a sua identidade pessoal. Porém, Miller observa que tal identidade não é fixa nem definitiva, antes pelo contrário, é

187

Cf. David Miller, Citizenship and National Identity, pp. 102-103.

188

Embora na Subsecção 1.1.1 já tenhamos feito uma descrição das ideias centrais de David Miller acerca do comunitarismo liberal, consideramos que é pertinente voltar a focar este aspecto, porque ele introduz as noções de cidadania republicana e de democracia deliberativa, as quais constituem aspectos centrais do pensamento de David Miller e permitem distinguir o seu comunitarismo dos outros tipos de comunitarismo.

189

Cf. David Miller, Citizenship and National Identity, pp. 104-107.

190

Cf. Ibidem, p. 99.

191

“(...) when I ask the question ‘Who am I?’, the answer I give does not merely list features of myself that I could change tomorrow, like my job or my taste in music, but unchosen characteristics deriving from the social setting in which I was formed – my ancestry, my gender, my ethnicity.” Ibidem, p. 100.

provisória e susceptível de revisão.192 A identidade pessoal constitui, segundo o autor, «um ponto de vigia independente a partir do qual podemos definir a nossa relação com as várias comunidades e com as outras fontes das quais no princípio tomámos os nossos valores.»193 Assim, a capacidade de formular juízos morais deriva de um fundo social que dá ao indivíduo a linguagem da avaliação partilhada, ou seja, um conjunto de critérios que permitem que os juízos morais ultrapassem o plano da mera subjectividade.194

Cada indivíduo pertence a uma multiplicidade de grupos e assume para com os outros indivíduos que constituem esses grupos um conjunto de compromissos que têm significado ético:

Como me identifico com a minha família, a minha faculdade, ou a minha comunidade local, é correcto que reconheça obrigações para com os membros desses grupos que são distintas das obrigações que tenho para com as pessoas em geral. Ao encarar-me a mim próprio como membro, sinto lealdade para com o grupo e isto expressa-se, entre outras coisas, quando dou um peso especial aos interesses dos meus companheiros.195

As obrigações e as lealdades entre os membros de um grupo são mútuas e é por isso que uma comunidade não é um simples aglomerado de interesses egoístas, é um reflexo dos tipos de relações existentes dentro do grupo ou comunidade. Por um lado, a identificação entre o indivíduo e a comunidade faz com que não existam conflitos graves entre as suas obrigações e o seu desejo de atingir finalidades pessoais, porque algumas dessas finalidades são precisamente as da comunidade e porque os interesses do indivíduo se identificam com os do grupo. Por outro lado, a comunidade obedece a uma ética da reciprocidade difusa, isto é, dentro da comunidade, a acção individual contribui para sustentar um conjunto de relações das quais cada indivíduo também acabará por beneficiar; por exemplo, quando uma pessoa

192

Cf. David Miller, On Nationality, p. 45.

193

“(…) an independent vantage point from which we can define our relationship to the various communities and other sources from which our values were first taken.” Ibidem.

194

Cf. David Miller, Citizenship and National Identity, p. 100.

195

“Because I identify with my family, my college or my local community, I properly acknowledge obligations to members of these groups that are distinct from the obligations I owe to people generally. Seeing myself as a member, I feel a loyalty to the group, and this expresses itself, among other things, in my giving special weight to the interests of fellow-members.” David Miller, On Nationality, p. 65.

ajuda outro membro da comunidade, pode esperar que, no futuro, eventualmente alguém fará o mesmo por ela.196 Falta ainda observar que «os grupos e as comunidades formam nichos naturais nos quais se podem estabelecer sistemas mais formais de reciprocidade.»197 Isto significa que as comunidades originam práticas que resultam no benefício mútuo dos seus membros e que reforçam laços que no princípio eram menos formais entre eles.198

Miller considera que a nação – no sentido que ele lhe confere – está acima de todas as outras comunidades, é uma comunidade central na vida dos indivíduos. Esta posição leva Daniel A. Bell a afirmar que, do ponto de vista comunitarista, se o laço mais importante dos indivíduos é com a nação, as outras comunidades a que o indivíduo pertence são relegadas para segundo plano199; para Bell, não é necessário participar da política para se ter uma vida boa, pelo que considera que Miller «parece dar demasiada ênfase à política»200 e sobrevaloriza a comunidade nacional e a sua cultura política, colocando atrás delas as exigências dos grupos minoritários.

Miller esclarece que o seu objectivo é «tentar entender a nacionalidade a partir de dentro, dizer o que está implícito quando nos pensamos a nós mesmos como membros de uma comunidade nacional.»201 Ora, a nacionalidade é relativa a uma identidade pessoal, a uma dimensão ética e a um determinado território202, e a nação constitui um suporte do Estado: Dada a possibilidade de existirem seguros privados, seria de esperar que os Estados que não possuem um fundo comunitário do tipo que é dado pela nacionalidade fossem pouco mais do que Estados mínimos que fornecessem apenas segurança básica aos seus membros. Em particular, seguindo unicamente a lógica da reciprocidade, é difícil explicar porque é que os Estados têm de proporcionar oportunidades e recursos às pessoas com limitações permanentes. Como possuímos obrigações anteriores de nacionalidade que incluem as

196

Cf. Ibidem, pp. 65-67.

197

“(…) groups and communities form natural sites on which more formal systems of reciprocity can establish themselves.” Ibidem, p. 67.

198

Cf. Ibidem, pp. 67-68.

199

Cf. Daniel A. Bell, “Is Republican Citizenship Appropriate for the Modern World?”, in Daniel A. Bell e Avner de-Shalit (eds.), Forms of Justice: Critical Perspectives on David Miller’s Political Philosophy, United States of America, Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 2003, pp. 237-238.

200

“(...) seems to place too much emphasis on politics.” Ibidem, p. 239.

201

“(...) to understand nationality from the inside, to say what is involved in thinking oneself as a member of a national community.” David Miller, On Nationality, p. 22.

202

obrigações de atender às necessidades que surgem desta maneira, é adequado que a prática da cidadania inclua elementos redistributivos do tipo que frequentemente encontramos nos Estados contemporâneos.203

É esse fundo comunitário da nacionalidade que permite que o Estado ofereça aos cidadãos serviços e recursos, mesmo quando não existe a expectativa da reciprocidade. Miller propõe uma organização igualitária do Estado, orientado segundo o princípio da justiça social. Sendo as nações comunidades de obrigação e sendo simultaneamente comunidades grandes e impessoais, se existir um Estado nacional é possível desenvolver instituições que atribuam direitos e responsabilidades às pessoas, de acordo com a sua perspectiva da justiça social. As obrigações de cidadania baseadas na reciprocidade sobrepõem-se às obrigações vagas e indeterminadas da nacionalidade, gerando justiça social efectiva.204 A confiança mútua entre os cidadãos e a confiança dos cidadãos no Estado evitam a tentação de o transformar num Estado mínimo e a tentação de que a política seja uma mera actividade de negociação entre grupos com interesses rivais: «Os Estados que desejem ser Estados-Providência e simultaneamente desejem ganhar legitimidade democrática, devem estar radicados em comunidades cujos membros reconhecem tais obrigações de justiça entre si.»205 É a cooperação voluntária entre os cidadãos que torna possível a actividade do Estado. Essa cooperação não depende da existência pura e simples de uma comunidade nacional mas da força e do carácter dessa comunidade, da sua cultura pública.

Há dois aspectos da cultura pública partilhada que Miller considera determinantes e que estão interrelacionados: por um lado, a existência de uma cidadania forte; por outro lado, a

203

“Given the possibility of private insurance, we would expect states that lacked a communitarian background such as nationality provides to be little more than minimal states, providing only basic security to their members. In particular, it is difficult to explain why states should provide opportunities and resources to people with permanent handicaps if one is simply following the logic of reciprocity. It is because we have prior obligations of nationality that include obligations to provide for needs that arise in this way that the practice of citizenship properly includes redistributive elements of the kind that we commonly find in contemporary states.” David Miller, On Nationality, p. 72.

204

Cf. Ibidem, pp. 83-84.

205

“States which (…) aim to be welfare states and at the same time to win democratic legitimation must be rooted in communities whose members recognize such obligation of justice to one another.” Ibidem, p. 93.

existência de uma democracia deliberativa. Conforme vimos atrás, o autor defende que, nas sociedades contemporâneas, em que há muitos tipos de comunidades e associações, a mais importante é a comunidade de cidadãos iguais comprometidos com a sua autodeterminação colectiva. Nestas sociedades, os costumes da comunidade estão abertos à revisão e esta é decidida através de um acordo entre todos os seus membros, o que pressupõe que a comunidade recorra a algum tipo de autogoverno democrático.206 O compromisso dos cidadãos com a autodeterminação colectiva materializa-se num processo de discussão pública, tal como é definido pela concepção republicana de cidadania; de facto, a constituição republicana atribui ao corpo dos cidadãos, entendido como um todo, o papel de árbitros supremos dos direitos constitucionais, pelo que a revisão dos direitos e das liberdades resulta da discussão pública, na qual todos podem participar.207

Portanto, não é estranho que o comunitarismo de Miller desemboque numa concepção deliberativa de democracia, a qual não só incentiva as pessoas a exprimirem as suas opiniões em público, como também as encoraja a formarem essas opiniões através da participação em debates.208 Embora consciente de que o desejo de obter consenso total é irrealista, Miller acredita a que «a democracia deliberativa dispõe de recursos para atenuar os problemas da escolha social que são enfrentados pela comunidade política.»209

Oportunamente, analisaremos a perspectiva de Miller sobre a democracia.210 Neste momento, o nosso objectivo é tornar claro que, embora se situe do lado do comunitarismo de esquerda, o autor encara-o criticamente e questiona a sua exequibilidade. Em primeiro lugar, dado que são cada vez mais fortes as lealdades parciais (profissionais, locais, étnicas, etc.), há o problema de saber se hoje em dia é possível que as pessoas ainda se identifiquem com uma

206

Cf. David Miller, Citizenship and National Identity, p. 105.

207

Cf. Ibidem, pp. 59-60.

208

Cf. Ibidem, p. 23.

209

“(...) deliberative democracy has the resources to attenuate the social choice problems faced by the political community.” Ibidem, p. 15.

210

comunidade política inclusiva, como a nação. O autor responde que tem de ser possível, porque só se pode pôr em prática o ideal da cidadania forte com base numa identidade nacional partilhada.211

O segundo problema é o de determinar se a cidadania pode garantir a igualdade de direitos e de tratamento numa sociedade em que são cada vez maiores as desigualdades económicas e materiais. Como já vimos (Subsecção 1.1.2), Miller apela à noção walzeriana de igualdade complexa para explicar que é possível criar uma comunidade política na qual todos os cidadãos gozem de um estatuto igual.212

Finalmente, o problema de que numa democracia deliberativa os valores da comunidade não devem simplesmente ter origem na tradição, devem «ser periodicamente sujeitos a escrutínio crítico.»213 Esta condição aponta para o problema do crescente alheamento dos cidadãos das sociedades contemporâneas em relação à vida política. Como solução para este problema, Miller sugere a exploração de novos tipos de democracia que permitam superar as limitações das actuais democracias representativas e da actividade política, actualmente confinada aos partidos.214

Na perspectiva de Miller, tais problemas fazem do comunitarismo um movimento político vago e que evita tomar posição sobre questões fundamentais que abalam as sociedades contemporâneas, como a questão da nacionalidade, a necessidade de aumentar a igualdade material entre os cidadãos e promover a justiça distributiva, ou a necessidade de mudar as estruturas políticas e, assim, desenvolver a democracia.215

Parece-nos que a forma como Miller se posiciona em relação ao comunitarismo pode ser clarificada pela análise da maneira como o autor se posiciona perante as críticas feitas à sua concepção de nacionalidade e ao papel que atribui à nação entre todas as comunidades.

211

Cf. David Miller, Citizenship and National Identity, p. 108.

212

Cf. Ibidem.

213

“(...) be subject to critical scrutiny at regular intervals.” Ibidem, pp. 108-109.

214

Cf. Ibidem, p. 109.

215

Assim, por uma questão metodológica, decidimos apresentar em primeiro lugar as diversas críticas liberais; as respostas que Miller dá a estas críticas permitem situá-lo face ao liberalismo e, simultaneamente, esclarecer o tipo de comunitarismo que defende. Apresentamos seguidamente outras críticas, em especial a chamada objecção balcânica e a objecção relativa à sua proposição ética.

A análise das críticas liberais do princípio da autodeterminação nacional é sistematizada pelo autor, quando se propõe examinar a noção de caleidoscópio cultural e distinguir diferentes formas de divisão cultural entre comunidades políticas. Veremos no Capítulo 6 como é que Miller caracteriza as sociedades plurais do mundo contemporâneo.

Quanto às críticas liberais do princípio da autodeterminação nacional, é pertinente observar que Miller as apresenta de formas muito diferentes em diferentes capítulos de

Citizenship and National Identity. No Capítulo 2, onde a principal preocupação do autor é

fundamentar a nacionalidade, ele afirma que, embora a noção de nacionalidade que defende tenha filiação liberal, reconhece que os liberais a criticam, porque consideram que a nacionalidade prejudica o pluralismo cultural e o princípio do igual respeito devido a todas as tradições culturais. Segundo Miller, esta crítica, cujo principal autor é Lord Acton, provém da ideia de que as identidades nacionais são exclusivas por natureza, pelo que afugentam qualquer elemento estranho; por conseguinte, Lord Acton propõe a constituição de Estados multinacionais, nos quais nenhuma nação seria dominante. Miller responde que a nacionalidade não é por natureza uma identidade que abarca tudo; e que se pode desenhar uma linha entre as crenças e as qualidades que caracterizam a nacionalidade e aquelas que estão fora do seu alcance. Baseando-se em John Stuart Mill, Miller responde à objecção acima apresentada dizendo que uma sociedade só pode ter instituições livres se os grupos que a constituem mantiverem relações de confiança mútua e dizendo que, para isso, é necessário partilharem a nacionalidade, nada havendo a opor ao facto de esta conter múltiplas

identidades religiosas e étnicas.216

Há, no entanto, uma outra objecção liberal que Miller analisa, também ela apresentada no referido Capítulo 2; trata-se de uma objecção sobre a qual já nos debruçámos nos Capítulos em que analisámos as teses e a argumentação de Kymlicka: apesar de ser possível separar a identidade nacional das identidades de grupo, a primeira favorece sempre o grupo cultural dominante e, consequentemente, mesmo os Estados liberais descriminam as minorias culturais. Miller reconhece que esta objecção corresponde a uma realidade: «os exemplos práticos disto poderiam incluir as matérias prescritas pelos currículos nas escolas do Estado, os conteúdos difundidos pelos meios de comunicação nacionais, etc.»217

Não se trata, porém, de um aspecto constitutivo da nacionalidade, pois ao contrário do que acontece com a identidade étnica, a identidade nacional pode ser adquirida: os residentes e aqueles que demonstram vontade podem tornar-se membros da nação, o que prova – segundo Miller – que a nacionalidade é uma identidade inclusiva, que está acima e para além dos traços culturais específicos e pode integrar as minorias culturais. Todavia, como vimos antes (Subsecção 1.1.2), o autor crê que isso impõe a necessidade de a nacionalidade “emagrecer” e se tornar mais aceitável para os grupos minoritários; por sua vez, estes grupos também têm de abandonar valores e comportamentos que estejam em conflito aberto com os da nação.218 Meira Levinson afirma que esta posição de Miller corresponde ao sonho bastante improvável de reconstruir a identidade nacional de forma a torná-la menos marcada pela história e pela cultura: «Miller gostaria que as nações se redefinissem a si próprias em termos especificamente nacionais mas não especificamente culturais.»219 Ora, para Levinson isto é impossível: por um lado, mesmo que a identidade nacional não tenha uma orientação cultural

216

Cf. Ibidem, pp. 33-34.

217

“Practical examples of this would include what is prescribed in the curricula in state-run, the content of what is broadcast through the national media, and so forth.” Ibidem, p. 34.

218

Cf. Ibidem, pp. 35-36.

219

“(…) Miller would like for nations to redefine themselves along nationally specific but non-culturally specific lines.” Meira Levinson, “Minority Participation and Civic Education in Deliberative Democracy”, in Daniel A. Bell e Avner de-Shalit (eds.), Op. Cit., p. 175.

predominante, há sempre uma tendência cultural que é favorecida pela maioria dos cidadãos e que, portanto, tem de ser compreendida e respeitada; por outro lado, seria impossível