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Quadro teórico-conceptual da Educação Intercultural como processo para valorizar a Diversidade Cultural

3.2. A Língua e a Cultura nas práticas de escrita

No ponto 2, defendemos a importância de concebermos a língua como portadora de cultura, o que permitiu sustentar uma abordagem da língua- cultura dentro de uma dinâmica intercultural. Neste sentido, a escrita permite uma vivência cultural encorajadora da descoberta do Eu e do Outro.

162 Advogamos aqui uma perspectiva integradora de língua e cultura, procurando corporizar a relação do trabalho intercultural com o processo de ensino da escrita, tentando apontar para a formação de futuros cidadãos críticos e interculturalmente reflexivos. Aliás, a reflexão intercultural deve estar inserida em toda a prática de ensino da LE que envolva qualquer domínio e dentro de qualquer metodologia de ensino de línguas.

Neste trabalho, defende-se um conceito de língua-cultura, isto é, língua como discurso, produto histórico-social que varia no tempo, espaço e em diferentes classes sociais. Assim, um dos conceitos-chave para nós é o de diálogo, na medida em que só ele permite que o aluno construa o seu conhecimento. Neste sentido, o contexto histórico-social dos alunos, na medida em que era defendido por Paulo Freire (ibidem), adaptando os seus métodos a estes contextos, é, para nós, fundamental.

Obviamente que o diálogo integra a comunicação entre pessoas, textos, autores, disciplinas escolares, escola e vida. O percurso do aluno, do professor, do país deve, pois, ser levado para dentro da escola e o discurso que se reproduz nesta instituição deve reflectir essa realidade e retornar à mesma, num processo cíclico.

Assim, Kramsch (1995) apresenta três possíveis relações entre língua e cultura no ensino da Língua Estrangeira:

- cultura na língua que pressupõe, simultaneamente, o ensino de aspectos culturais e o trabalho com a aquisição da língua, mas sem a ocorrência de nenhum tipo de reflexão intercultural;

- cultura e língua - os aspectos culturais são ensinados paralelamente ao ensino de estruturas e vocabulário na LE sem haver reflexão intercultural e - língua como cultura que prevê a reflexão e comparação, durante o trabalho com o sistema formal, sobre aspectos culturais de outros países e a sua relação com a cultura nacional – a interculturalidade.

163 Por outro lado, e do nosso ponto de vista, é indispensável que, no ensino de uma LE, consideremos a língua como um fenómeno cultural, enquanto língua- cultura. Justifica-se, então, o lugar cimeiro a ocupar pelas relações dialógicas entre as pessoas e os grupos sociais presentes no contexto escolar, o que pressupõe uma superação da visão monocultural do currículo. Ancorada nestes pressupostos, a sala de aula de LE tornar-se-á num espaço de construção de mecanismos de entendimento da realidade.

Em suma, vários factores justificam esta necessidade de entrelaçamento língua/ cultura.

Em primeiro lugar, cada pessoa constitui-se como ser humano à medida que apreende as outras culturas que constituem o contexto social em que vive. Além disso, ao interagir com outras culturas, o sujeito coloca em questão padrões culturais próprios, promovendo processos de aprendizagem pessoal e de transformação sociocultural.

No entanto, do nosso ponto de vista, a perspectiva intercultural considera o diálogo não na óptica de uma mera transmissão de conteúdos culturais, mas na comunicação entre pessoas e grupos que pertencem a culturas diferentes, promovendo, assim, o respeito pela diversidade, sem deixar de lado a sua própria cultura. O trabalho intercultural pretende, portanto, a promoção de um ponto de vista defensor da alteridade e respeitador da diferença. Em súmula, possuir conhecimento intercultural ao dominar um idioma estrangeiro significa que consideremos positivamente a existência da Diversidade cultural.

Retomando a importância da noção de alteridade, tal como apresentada na parte I, estamos convictas de que aquela define o ser humano e é condição essencial para a identidade, na medida em que o homem não pode ser pensado fora das relações humanas que o ligam ao outro, transformando-se dialogicamente num outro de novos eus. Assim, o trabalho dos professores de LE deve extrapolar o domínio linguístico e deve permitir a interacção do aluno,

164 que pertence a uma determinada cultura, com outras línguas e culturas, nomeadamente, e como veremos, através do trabalho cooperativo, fomentador de intercâmbios entre as diferentes culturas representadas pelos alunos.

Pensando na natureza do contexto escolar de ensino de uma LE, verifica-se que o carácter intercultural na prática de ensino tem sido considerado especial. Assinale-se que para ensinar e aprender línguas no paradigma “comunicativo”, é preciso compreender comunicação como um processo complexo que envolve interacção entre realidades diferentes através do contacto entre falantes pertencentes a uma mesma cultura ou a culturas diferentes. Por isso, defendemos que a prática de reflexão intercultural pode ser desenvolvida em qualquer metodologia de ensino de línguas, já que se podem promover reflexões culturais a partir de qualquer prática pedagógica de ensino. Aliás,

“Sería un error insistir en que los usos intelectuales de la escritura toman la misma forma en todas las culturas. Pero parece no haber dudas sobre el hecho de que la escritura desempeñó un papel crítico en la producción del cambio de un pensamiento acerca de las cosas a un pensamiento acerca de las representaciones de esas cosas, es decir, pensamiento de pensamiento. Nuestra moderna conceptión del mundo y nuestra moderna concepción de nosotros mismos son, podríamos decir, el producto de la invención de un mundo sobre el papel.” (Olson, 1998: 310).

Reiterando, ainda, a pertinência de uma abordagem integrada de escrita e Educação Intercultural, lembramos que a cultura escrita não só é útil, mas contribui directamente para o crescimento da racionalidade e da consciência. (Olson, ibidem). Em suma, “Escrever implica uma “peregrinação interior”, um perambular pelos escaninhos da memória, das vivências, do imaginário. E no acto de escrever surge muitas vezes a descoberta de um “eu” que, à partida, era para nós desconhecido. E essa descoberta é, necessariamente, intimidante.” (Vilela, 1994: 47).

165 Não podemos esquecer, também, que a escrita demonstra as nossas aprendizagens, mas também os saberes que fomos adquirindo e reconstruindo, o que recebemos do nosso passado e que influencia as nossas representações (Dabène, M., 1987).

Consequentemente, defendemos que o material didáctico elaborado sob a orientação de uma proposta intercultural deverá funcionar como apoio e oportunidade de interacção entre alunos, professores e materiais e ser ajustado de acordo com necessidades e interesses dos discentes. No entanto, e no caso da pedagogia da escrita, é importante que o professor compreenda que os objectivos de uma aula de escrita não se reduzem só à aprendizagem de estratégias ao nível discursivo, aquisição de vocabulário ou reforço de conteúdos gramaticais ou novas tipologias textuais. O importante é que a Educação Intercultural forneça fundamentos para a elaboração de novas estratégias de actuação de professores e preparação de materiais que valorizem o trabalho intercultural em sala de aula, considerando professores e alunos como sujeitos culturais. Neste sentido, uma das formas de exercício da Educação Intercultural na sala de aula de LE, e que nós como aqui propomos como um dos caminhos possíveis, é a escrita colaborativa.