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Metodologia do estudo: o inquérito por questionário e o estudo de caso

1.1. Percurso metodológico

1.1.2 Enquadramento conceptual

A nossa investigação tem como objectivo estabelecer um diálogo entre os saberes e experiências da Didáctica e as práticas docentes, isto é, as interacções entre investigação e prática em Didáctica, uma vez que os paradigmas de Investigação nesta área visam “potenciar a articulação entre a investigação educacional, a inovação e as práticas profissionais (…), reconhecendo a indispensabilidade de diálogo constante entre os principais agentes educativos, a partir de uma prática reflectida e de uma reflexão que melhora a prática.” (Cardoso; Martins & Paiva: 2008: 7). Esta interacção entre teoria e prática constitui um problema moderno (Koyré, 1973), salientando-se, assim, o papel da investigação na epistemologia da prática, isto é, no processo didáctico de ensino-aprendizagem e das condições em que se pode concretizar com maior eficácia. (Best, ibidem). Lembramos, com base em Koyré, que “la théorie ne conduit pas, du moins pas immédiatement à la pratique; et la

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182 pratique n‟engendre pas, du moins pas directement, la théorie.” (ibidem: 397). Aliás, como vimos na Parte I, não tem havido uma articulação dialéctica entre teoria e prática, salientando-se um débil grau de articulação e de congruência. Esta inquietação esteve na génese deste estudo que procurou, dentro de certos níveis de razoabilidade, um elo articulador entre teoria e prática.

Deste modo, e em primeiro lugar, iniciámos a investigação com a leitura de várias obras no âmbito da Didáctica das LE, procedendo a uma revisão do estado da arte e ainda a leituras de trabalhos académicos para considerar o que já estava trabalhado no sector.

De seguida, elegemos uma área de estudo – A Diversidade e Educação Intercultural -, visto considerarmos que, por um lado, constitui um item fundamental na educação do século XXI e, por outro, termos percebido a existência de campos a explorar neste domínio, para além de um interesse pessoal, o que “(…) não significa que sejamos indulgentes, mas sim que é essencialmente através do self que compreendemos o mundo. Por sua vez, as descobertas que fazemos reflectem-se no self, que afecta a investigação e assim sucessivamente.” (Vieira, ibidem: 11).

Seguiu-se um conjunto de perguntas construtoras de um problema119, contextualizando-o. (Pacheco, ibidem).

Será que os professores reconhecem a Diversidade na sua sala de aula? Consideram útil o exercício da Educação Intercultural? A Diversidade e a Educação Intercultural têm lugar nos Programas de LE? Como mudar o paradigma da valorização da homogeneidade? Como fazer para exercer quotidianamente uma Educação Intercultural na sala de aula de LE? O

119 “O problema corresponde, assim, a uma expressão de um enunciado observacional,

necessariamente associado a uma problemática teórica, que, como ponto de partida da investigação, define e acolhe problemas de investigação para os quais se buscam respostas.” (Pacheco, ibidem: 14).

183 reconhecimento da Diversidade intra e intercultural resolverá o problema? Que práticas de sala de aula visam o exercício da Educação Intercultural?

Estas são algumas das questões de que partimos, tendo como pressuposto que as práticas pedagógicas interculturais contribuem para uma formação total e totalizadora do indivíduo. Com base nas mesmas, o problema de investigação – conhecer as representações de Diversidade e Educação Intercultural de professores de LE do 3º ciclo do EB traduziu-se numa interrogação sucessivamente reformulada ao longo de todo o processo de investigação, uma vez que, como veremos no capítulo 2, o inquérito por questionário abriu portas a uma outra questão: como se cruzam as representações de Diversidade e Educação Intercultural com as práticas pedagógicas, em geral, o ensino da escrita, em particular, e tendo como pano de fundo as políticas educativas de ensino-aprendizagem das LE.

Face ao considerado até aqui, as razões que determinaram a escolha do tema foram as seguintes:

i) a importância que atribuímos aos conceitos de Diversidade e Educação Intercultural na aprendizagem das Línguas Estrangeiras; ii) a exploração parcelar do conceito de Educação Intercultural, uma vez que surge sempre e quase unicamente associado a relações com outras culturas e limitado a ocasiões especiais;

iii) a valorização do exercício da Diversidade e da Educação Intercultural como duas realidades que promovem a cooperação, o respeito e o relativismo;

iv) o entendimento das práticas pedagógicas como ilustrativas das representações dos professores;

v) a curiosidade em descobrir as alterações introduzidas nas práticas pedagógicas face ao conceito de Diversidade e Educação Intercultural e consequências no processo de ensino- aprendizagem;

184 vi) o entendimento da escrita como fundamental no processo de

ensino-aprendizagem das LE;

vii) o facto de ter exercido funções como professora/formadora de Português (Língua Materna e Língua Estrangeira) e Francês, tendo, no decorrer desse período, compreendido a necessidade de entender o conceito de Diversidade quer em contexto “homogéneo” quer “heterogéneo” e, consequente, exercício da Educação Intercultural como vectores fundamentais no entendimento da língua e cultura maternas e estrangeiras e do Outro em geral.

Estas razões conduzem-nos a reflectir sobre o lugar da Diversidade e o papel da Educação Intercultural no processo de ensino-aprendizagem de LE e a sua importância no desenvolvimento de competências.

Procedeu-se ao alargamento do problema, inserindo-o numa problemática e contextualizando-o (idem, ibidem) através da formulação de objectivos120, isto é, questões de investigação (idem, ibidem), pois são estas “que conduzem à metodologia e não o contrário.” (Pacheco, 1995).

Desta forma, com base no que ficou exposto, destacamos os seguintes objectivos para o nosso estudo:

1. Reflectir sobre o conceito de Educação Intercultural, tendo como base: a) o seu entendimento no âmbito da Didáctica das Línguas e Culturas

Estrangeiras;

b) a sua pertinência no processo de ensino-aprendizagem de uma LE. 2. Analisar o conceito de Diversidade à luz:

a) do seu lugar no processo de ensino-aprendizagem de uma LE;

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A formulação de objectivos é fundamental no processo de investigação, na medida em que “o objectivo faz parte de uma intervenção, clarificando as variáveis ou indicadores metodológicos e as problemáticas teóricas que permitirão ao investigador seguir num determinado caminho.” (Pacheco, 2006: 16).

185 b) das relações que mantém com a necessidade de recurso a estratégias

diversificadas e/ou diferenciadoras;

3. Propor o conceito de Diversidade Cultural como resultado de uma abordagem interligada e interaccional dos termos de Diversidade e Interculturalidade;

4. Fazer o levantamento de representações que professores de LE do 3º ciclo do EB têm sobre Diversidade e Educação Intercultural e das práticas que desenvolvem com esse objectivo;

5. Descrever e analisar a metodologia desenvolvida nas práticas de escrita na sala de aula de LE (estudo de um caso) e a sua relação com a diversidade existente entre os alunos, verificando de que forma estas práticas contribuem ou não para o desenvolvimento de atitudes interculturais nos discentes.

6. Analisar a forma como se cruzam as representações de Diversidade e Educação Intercultural com as práticas pedagógicas, em geral, o ensino da escrita, em particular, tendo como pano de fundo as políticas educativas de ensino-aprendizagem das LE.

7. Sugerir percursos de escrita destinados a alunos de LE do 3º ciclo do EB, com o objectivo de promover atitudes interculturais valorizadoras de todo o tipo de Diversidade.

Após o enquadramento da problemática, aprofundámos a questão através de um afunilamento e sistematização bibliográficos121, cruzando diferentes análises sobre uma mesma realidade, elaborando um quadro teórico de clarificação dos conceitos, partindo de um conjunto de conhecimentos já existentes para avançar para outras análises mais profundas com o intuito de estabelecer relações entre factos e fenómenos122.

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Para aprofundar as formas possíveis para uma análise crítica da bibliografia, vide Pacheco, 2006.

122“ O investigador, partindo das relações entre fenñmenos, procura evidências para afirmar,

186 Reafirmam a importância que a revisão da literatura ocupou no nosso processo de investigação, seguindo, assim, a linha de Alves Mazzotti e Gewandsznajder (2004), ao relembrar que, num primeiro momento, se trata de uma revisão “que o pesquisador necessita para seu próprio consumo, isto é, para ter clareza sobre as principais questões teórico-metodológicas pertinentes ao tema escolhido”, e, em seguida, a que vai “integrar o relatñrio do estudo” (idem, ibidem: 30), concluindo que “quanto mais eficiente for a primeira, mais funcional e localizada será a segunda” (idem, ibidem: 30). Aliás, consideramos que esta etapa constitui um momento decisivo e fundamental, na medida em que, como refere Afonso, “os dados não falam por si, sñ ganham sentido no contexto teórico que os produziu através de um olhar selectivo sobre a realidade da acção humana” (2005: 24). Este cruzamento da teoria com a recolha de dados de investigação contribui para a resposta à questão de investigação formulada, embora os dados em bruto não sejam construtores, tal como reitera Freeman e Richards, “(…) collecting data needs to be a disciplined undertaking. You need to be aware both of what you are doing as you collect any particular information and why you are – or are not – doing it.” (1998: 90). Os dados recolhidos e a sua análise crítica constituem etapas típicas dos métodos científicos.123

Destas decisões, resultou a elaboração de um plano metodológico124, inserido num projecto de investigação que, em Maio de 2005, enviámos para a Fundação para a Ciência e Tecnologia, o qual foi aprovado, resultando daí também a atribuição de uma bolsa.

Desta forma, a partir deste projecto, planificámos todo um desenho de investigação que está aqui presente e que seguiu as normas éticas de uma

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De entre estas etapas, Huot destaca o tema da investigação, a problemática, as hipóteses, a operacionalização das variáveis, a organização e tratamento de dados, a análise e interpretação dos resultados e consequente publicação (2002).

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Seguimos a proposta apresentada por Pacheco (2006), inserindo nesse mesmo plano os seguintes itens: pressupostos metodológicos; planificação do processo de recolha de dados; população; amostra; técnicas e instrumentos de recolha de dados; técnicas de análise de dados.

187 pesquisa que se pretende científica125. No âmbito do nosso trabalho, procurámos destacar os princípios científicos epistemológicos da objectividade e da racionalidade, como referenciado anteriormente, intervindo na realidade educativa através da descrição, explicação, prevenção e controlo de fenómenos, como veremos (cf. Almeida e Freire, ibidem; Sousa, ibidem).

Tendo como adquiridos os dados anteriormente apresentados e os pressupostos e conhecimentos adquiridos pela Literatura sobre Diversidade e Educação Intercultural, sentimo-nos prontas para a realização do nosso trabalho e para avançar na investigação destas temáticas, encontrando no local da sala de aula de LE, em geral, e no processo de ensino-aprendizagem da escrita, em particular, outras vias possíveis para um novo entendimento e exercício dos conceitos. Sublinha-se que a ciência pós-moderna, traduzível num saber prático, utiliza o conhecimento científico com o intuito de ensinar a viver (Santos, ibidem).

Em súmula, está pressuposto que investigar é procurar algo desconhecido, com base no que já se conhece; trata-se, portanto, de uma viagem em busca do conhecimento e da aprendizagem. Como afirma Sousa, “o processo de investigação consiste essencialmente no estudo de indícios, de vestígios, levantando várias formulações hipotéticas dos seus possíveis significados, procurando verificar qual destas hipóteses possuirá a explicação mais plausível.” (ibidem: 12). É esta a linha de orientação da nossa investigação: questionamos constantemente, apresentamos caminhos, probabilidades e possibilidades, nunca certezas, sem abandonar a pretensão de criação de novos conhecimentos, seguindo o método científico de análise126.

Este posicionamento indagatório e a consciência das limitações do nosso estudo revelam-se ainda mais importantes quando se trata de investigar em Educação, tal como tentaremos que fique claro no ponto que se segue.

125 Destaque-se, ainda, o facto de esta expressão ser “tautolñgica”, uma vez que “a

investigação ou é científica ou não é investigação.” (Almeida e Freire, ibidem: 24).

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Como se verá, seguimos Best, criando uma estrutura de investigação mais sistemática, “que desemboca generalmente en una espécie de reseða formal de los procedimientos y en un informe de los resultados o conclusiones.” (ibidem: 7).

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