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Princípios fundamentais no exercício de uma Educação Intercultural

Quadro teórico-conceptual da Educação Intercultural como processo para valorizar a Diversidade Cultural

2.6. A Educação Intercultural: contributos para a construção do conceito

2.6.2. Princípios fundamentais no exercício de uma Educação Intercultural

Actualmente, o conceito de Educação Intercultural sofreu um alargamento de sentido, aplicando-se a outros domínios – comércio, direito, aprendizagem das línguas, entre outros, recobrindo uma diversidade de aplicações e de orientações. Porém, a nosso ver, é no terreno e na acção que o termo se impõe (Abdallah-Pretceille, 2003).

Nesta linha de análise, consideramos, de facto, um conjunto de tendências positivas que abriram o caminho para a lógica do interculturalismo no campo educativo. Destacamos o paradigma da complexidade, pois “Se as nossas limitações nos obrigam a partir para um conhecimento disciplinar, isso só significa que estamos todos incapazes de apreender a complexidade em cada uma das nossas disciplinas.” (Amaro, 2002: 23). A interdisciplinaridade tenderá, também, a favorecer uma visão mais intercultural do processo de ensino- aprendizagem.

“Mas o paradigma da complexidade, da análise sistémica a que juntarei o da inteligência emocional e o da ciência do caos, podem ser, desse ponto de vista, factores muito importantes de reforço de uma lógica muito intercultural. Na medida em que acentuam a interacção dos factores, em que acentuam a interdependência, a solidariedade das componentes do sistema, a necessidade do diálogo entre as partes para chegarmos ao todo. Temos aqui um novo quadro científico que pode ser mais favorável ao inter-culturalismo do que foi o velho quadro científico.” (idem, ibidem: 24).

É nesta nova visão do campo científico que definimos a Educação Intercultural como uma formação sistemática que visa desenvolver nos grupos maioritários e nos minoritários um melhor entendimento do conceito de cultura, bem como uma maior capacidade de comunicação entre pessoas com culturas distintas.

Aliás, “El fundamento que apoya el paso de la educaciñn pluricultural a la educación intercultural es la concepción antropológica cimentada en la visión

124 de la persona como un ser que no solamente existe «con otros» sino a la cual también se le demanda ser «para otros». (Correa et Cuñarro, 2007: 260).

A Educação Intercultural assume-se, pois, como uma forma de analisar a diversidade cultural a partir de processos e interacções.

Neste sentido, “En posant l‟hétérogénéité comme la norme, et l‟homogénéité comme une figure de coercition (par négation du divers ou par autoritarisme), l‟éducation interculturelle engage une véritable “révolution copernicienne”. (Abdallah-Pretceille, 1999: 81).

A Interculturalidade reconhece, pois, a Diversidade Cultural e impulsiona o enriquecimento mútuo entre as culturas. No caso da Interculturalidade, trata-se de aceitar as diferenças culturais e valorizar os resultados comuns, num processo de enriquecimento.

Aliás, “S‟enrichir de ses différences parce que, fondamentalement, nous sommes identiques, telle est la philosophie de l‟hypothèse interculturelle. Mettre en commun sans renoncer à sa singularité, exploiter à l‟optimum la diversité, faire que l‟hétérogénéité constitue une valorisation réciproque.” (Abdallah- Pretceille & Porcher, ibidem: 20).

Tal como refere Abdallah-Pretceille, “L‟approche interculturelle n‟a pas pour objectif d‟identifier autrui en l‟enfermant dans un réseau de significations, ni d‟établir une série de comparaisons sur la base d‟une échelle ethnocentrée. L‟accent est mis sur les rapports plus que sur des cultures ou des individus pris comme des monades.” (Abdallah-Pretceille, 1999: 57).

Por outras palavras, por Educação Intercultural, entendemos toda a formação que tenha em conta a Diversidade (idem, 2006), seguindo, assim, na linha de Peres (2006) que define Pedagogia Intercultural como “uma forma de ser e estar na vida que promove a igualdade para viver (habitação, saúde,

125 trabalho…) e a diversidade para conviver (direito à diferença, tolerância, solidariedade…), isto é, proporciona o encontro, o diálogo e a negociação de conflitos, entre pessoas de culturas diferentes (minorias e maiorias)”96

. (idem,

ibidem: 131).

De facto, a Educação Intercultural centra-se na necessidade de entrosamento, comunicação entre as pessoas, o que faz com que elas aprendam umas com as outras, tomando sempre como pressuposto que cada um de nós é diferente do Outro. Na Educação Intercultural, a co-aprendizagem é importante, dado que tanto o saber como as relações sociais estão em permanente construção. Neste sentido, a interacção Eu-Outro é fundamental, cabendo à escola fomentar o diálogo, eliminando o confronto. Isto implica que Eu me descubra no Outro e o Outro em Mim. Por isso, o diálogo crítico e construtivo para que cada um de nós tenha consciência do lugar que ocupa no mundo é fundamental.

Então, compreenderemos que “As nossas histñrias nacionais e os nossos patrimónios culturais podem ser diferentes, mas as nossas aspirações e esperanças para o futuro encontram-se em perfeita sintonia. O facto de podermos comunicar uns com os outros faz-nos tomar consciência daquilo que temos em comum e, ao mesmo tempo, reforça o nosso respeito mútuo pelas diferenças culturais.” (Comissão Europeia, 2004: 10).

Neste sentido, uma Educação Intercultural implica manter o respeito por todos os indivíduos, afastando-se de uma perspectiva etnocêntrica em termos dos conhecimentos ou de saberes. Partimos do pressuposto de que todas as realidades são plurais e de que é impossível existirem duas pessoas iguais.

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Por isso, cada relação negativa e conflitual não pode ser justificada pela pertença cultural. A abordagem intercultural coloca a interacção como fundamental. É a relação com o Outro que prima e não a sua cultura.

Nesta perspectiva, as diferenças culturais são definidas, não como dados objectivos de carácter estatístico, mas como relações dinâmicas entre duas entidades. O interesse é colocado nas dinâmicas, nas estratégias e manipulações mais do que nas estruturas, nomenclaturas ou categorias. A importância do outro, não em oposição mas em interferência com o indivíduo, constitui um eixo privilegiado na gestão de conflitos entre grupos e indivíduos. (Abdallah-Pretceille, 1999).

126 A nosso ver, Educar para a Interculturalidade é proceder à inclusão das diferenças culturais num processo de reencontro (Gallo, s/d), falemos ou não de destinatários com a mesma origem étnico-cultural97.

Para a criação deste verdadeiro diálogo, os conflitos devem ser ultrapassados por uma negociação igualitária em termos culturais (Dasen, ibidem)98. Neste seguimento, a linguagem, os valores, os costumes de um determinado grupo social podem aproximá-lo ou afastá-lo de outros grupos humanos. No entanto, o enfoque no intercruzamento cultural evitará reduzir o indivíduo ao grupo a que pertence (Perotti, ibidem).

“Certamente, cada cultura deve diferenciar-se das outras, mas uma abertura entre grupos só será possível, quando a identidade cultural é suficientemente sólida. É pelo conhecimento e reconhecimento da sua própria cultura e pela capacidade de a assumir que passa a possibilidade de abertura a outras culturas.” (Lagoa, ibidem: 125).

Na linha de pensamento de Dasen (ibidem), a interculturalidade implica considerar a evolução histórica do indivíduo, enquadrando-o nos contextos macro-sociais que o envolvem99.

O indivíduo carrega consigo esta identidade múltipla, fruto do reencontro com o Outro, da partilha, como práticas emancipatórias da construção humana (Auger, 2003). Nesta sequência, a situação intercultural implica uma dinâmica

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Salienta-se que Triandis (ibidem) falava de comunicação intercultrural relativamente a situações de contacto entre pessoas de origens culturais semelhantes.Destacam-se as seguintes correntes: o estudo da diversidade cultural, dimensão individualismo – colectivismo.

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Todas as atitudes em relação ao Outro são, portanto, fracassadas pois, sejam de amor ou de ódio, não permitem resolver o conflito com esse Outro. Estamos perante um conflito de liberdades, na medida em que quando a consciência é capturada pelo Outro, torna-se presa da liberdade do Outro e gera-se um conflito de liberdades, o que leva a odiar o Outro e todos os outros que não Eu. Por isso, eliminar os Outros significaria ser livre. (Sartre, ibidem).

Para tentar fugir a esta relação conflituosa, muitos mantêm atitudes de indiferença ou tolerância para com o outro. Se pensarmos na sociedade multicultural em que vivemos, muitos dos discursos políticos centram-se na tolerância do Outro na sua diferença para promover o convívio democrático. Esta atitude não resolve, como aqui defendemos, o conflito entre o Eu e o Outro, na medida em que ser tolerante não significa respeitar a liberdade do Outro. (Gallo, ibidem).

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127 de co-construção das representações de uns e Outros: representações que tenho de mim mesmo e dos Outros, que dependem das representações que os Outros têm deles mesmos e de mim (idem, ibidem). Daí que as diferenças culturais sejam entendidas como relações dinâmicas, exigindo uma interferência do Outro com um indivíduo. As características do Eu e do Outro não se revelam fundamentais, mas antes as relações que se estabelecerem entre eles. “Ce sont, paradoxalement, les relations qui justifient les caractéristiques culturelles attribuées, et non pas les caractéristiques qui définissent les relations.” (Pretceille, 1999: 58).

Falemos de atitudes, práticas culturais ou comportamentos, verifica-se que estes só podem ser analisados com base numa ética universal para não cairmos nas indecisões do relativismo cultural. A visão ética, fora do domínio sagrado, acontece somente com os Direitos do Homem. “C‟est au nom du pluralisme que la laïcité s‟est imposée, c‟est au nom de la pluralité qu‟elle devra se renouveler et être affirmée.” (idem, ibidem: 73).

Partindo de um estudo feito por Glazer (1987), considera-se que a tomada em consideração das diferenças culturais para definir os conteúdos não melhoram em nada as performances dos alunos.

O objectivo é que o acto pedagógico gere a diversidade e a heterogeneidade, afastando-se de qualquer enviesamento realizado pelo professor. Por isso, o docente, ao tomar em consideração a dimensão cultural, não pode identificar nem categorizar, devendo, antes desenvolver uma reflexão.

Neste sentido, a abordagem intercultural que aqui propomos não pode ser confundida com um modelo cultural ou multicultural. Ao invés, colocamos o acento nos processos e as interacções que unem e definem os indivíduos e os grupos uns relativamente aos outros. Não se trata de focalizar excessivamente as características auto ou hetero-atribuídas dos outros, que acentuarão estereótipos e preconceitos. Antes, essa relação entre Eus e Outros deve

128 permitir que o Eu regresse a si. Esta re(interrogação) identitária do Eu em relação ao Outro faz parte integrante da situação intercultural, visto que o trabalho de análise e de conhecimento recai tanto no Outro como no Eu.

Em síntese, a Educação Intercultural não pode ser reduzida a uma pedagogia que visa reparar insucessos migratórios. Por outro lado, também não pode ser polarizada, visando as culturas maioritárias. Na mesma linha de sentido, não se pretende fazer da abordagem intercultural uma utopia que visa melhorar as relações entre diferentes etnias e culturas. Por isso, o que está em causa não é, no âmbito da Educação Intercultural, planificar aulas para o trabalho com estrangeiros ou com alunos com NEE (Abdallah-Pretceille, 2003).

Consequentemente, o exercício da Educação Intercultural visa uma atitude reflexiva e uma organização didáctica voltadas para a heterogeneidade e a pluralidade, (idem, ibidem) que caracterizam todos os indivíduos.

Pelo que ficou exposto, verifica-se que as dimensões de análise da Educação Intercultural são múltiplas, não se fechando exclusivamente no domínio cultural.