• Nenhum resultado encontrado

O papel do professor promotor da Educação Intercultural

Quadro teórico-conceptual da Educação Intercultural como processo para valorizar a Diversidade Cultural

2.9. O papel do professor promotor da Educação Intercultural

Como ficou pressuposto nos princípios que até agora enunciamos, a promoção de uma Educação Intercultural na aula de LE implica que os professores sofram uma mudança ao nível das representações.

Assim, em primeiro lugar, estes devem valorizar a diversidade linguística e cultural, estando conscientes do seu papel de mediadores e, num segundo momento, ser capaz de explorar a Diversidade. Ao planificarmos a aprendizagem das línguas numa perspectiva intercultural, formamos cidadãos mais abertos ao Outro.

Sabemos que aplicar práticas para o desenvolvimento da competência intercultural é algo que não acontece nas escolas. Daí que concluamos que é necessário o desenvolvimento de competências dos professores relativamente à valorização da diversidade linguística e cultural. (Bastos e Sá, 2007).

O formador não está muito ocupado com o todo da cultura do Outro; apoia-se num conhecimento parcial e pontual dependente do contexto e da

154 representação dos actores. A acção de formação repousaria, assim, do nosso ponto de vista, menos num conhecimento de uma realidade cultural do que num conhecimento graduado de elementos significativos. Aprender a distinguir, numa dada situação, os elementos que provêm do que certos chamam uma especificidade cultural daqueles que são a expressão de uma individualidade própria, tal é o objectivo da abordagem intercultural. Nesta linha, Abdallah- Pretceille sublinha que “Certes, le formateur ne peut ignorer les aspects singuliers et contextualisés de la culture mais il doit aussi s‟appuyer sur la dimension universelle sous peine de sombrer dans un relativisme stérilisant. L‟essentiel réside dans la variation des modes d‟apprentissage sans chercher à faire correspondre des apprenants à des groupes ou à des profils cognitifs.” (2003: 38). Acrescenta ainda que

“De même qu‟aucun enseignant ne peut ignorer le système philosophique sous-tendu par sa pratique, il ne peut nier non plus la dimension culturelle qui forge et renforce en retour le système éducatif. Ainsi, l‟enseignant est invité à apprendre à se situer culturellement, à objectiver ses choix et ses références et donc à sortir de cette forme d‟amnésie anthropologique qui a conduit, en France notamment, à confondre universalité et universalisme par généralisation du singulier au plus grand nombre”. (idem, ibidem: 53)

A formação deverá permitir, portanto, aos professores adoptar o paradigma da alteridade e aplicá-lo quotidianamente. Seria lamentável para todos que o tempo passe e que tenhamos somente conseguido aumentar o fosso entre a teoria e a prática no domínio da educação (idem, ibidem).

Concluimos, então, que o papel do formador é trabalhar a partir e com a heterogeneidade e não a partir de categorias particulares, globais e colectivas que não assentam em nenhuma realidade e só são o produto de puras abstracções. “Plutôt que d‟essayer de s‟adapter ou d‟adapter la pédagogie à des profils supposés d‟apprentissage, le formateur aurait intérêt à découvrir les différentes modalités d‟accès à la connaissance tout en renonçant à établir des

155 correspondances hypothétiques avec des groupes et des individus.” (idem, ibidem: 38).

Aliás, para trabalhar com crianças de origem cultural diferente, o professor não precisa de ser etnólogo nem pedagogo. O que está em causa é que a intervenção pedagógica forme para a Diversidade.

“Les stratégies d‟apprentissage s‟ordonnent selon un répertoire. Chaque individu les possède toutes, potentiellement mais les actualise ou non, selon les situations, les circonstances, le contexte et ce, avec une fréquence variable pour chacun. La convergence des analyses tant en psychologie des apprentissages qu‟en psychologie de l‟intelligence sur le caractère désormais central de la variabilité renforcent, en ce sens, les lignes de force du paradigme interculturel.” (idem, ibidem: 38).

Obviamente que o próprio acto pedagógico se situa no cruzamento entre o universo do professor e o dos alunos. Por isso, não devemos cair num ensino exclusivo das diferenças, mas definir os perfis cognitivos dos alunos e tomar em consideração as diferenças interindividuais e intergrupais. Abdallah- Pretceille relembra que “Si l‟on admet que les modes d‟acquisition et de transmission des connnaissances varient en fonction des cultures, il faut aussi admettre qu‟ils varient en fonction des individus, des époques, des niveaux d‟études, etc.” (idem, 1999: 75).

Partindo do pressuposto que os conhecimentos culturais não melhoram a compreensão do acto pedagógico, é necessário que o pedagogo tenha em conta a inteligibilidade que os alunos têm da situação. Por isso, “Prendre en compte la dimension culturelle ne signifie pas identifier et categoriser. Les élèves se définissent d‟abord comme des individualités et il ne saurait être question de les réduire à des régularités statistiques, encore moins à une appartenance groupale. En pédagogie, l‟utilisation de modèles culturels ne peut que conduire à l‟illusion réaliste.” (idem, ibidem: 77).

156 O professor, analisando o comportamento dos alunos, assume desde logo, uma representação dos mesmos. Este contexto polissémico, heterogéneo e complexo deve conduzir o professor a um afastamento do homogéneo. O essencial é tomar consciência da diversidade e da variação, depois tentar observar e estar atento ao outro. A Diversidade cultural remete-nos para o reconhecimento e experiência de alteridade (assunto por excelência da antropologia) e não para os conhecimentos culturais. (Abdallah-Pretceille, 1999).

Além disso, o docente deve proporcionar aos seus alunos a experiência de situações que visem o desenvolvimento das competências plurilingue e intercultural em contexto de sala de aula, consciente de que não ocupa o lugar de única fonte do saber, sendo o seu papel de “mediador de aprendizagens e guia da descoberta de caminhos” (Bizarro, 2008: 84).

Culturellement assimilationiste Culturellement appropriée

- Relation fixe hiérarchique et limitée au contexte scolaire

- Relation fluide étendue au-delà du contexte scolaire et englobant les aspects affectifs, relationnels et cognitifs

- L‟enseignant bâtit des liens avec “chaque élève pris individuellement” - L‟enseignant encourage chaque élève à “faire la difference”

- L‟éducateur met en oeuvre des liens avec “tous les apprenants” et il part du postulat d‟éducabilité

- L‟enseignant encourage les étudiants à apprendre individuellement

- L‟éducateur encourage les

apprentissages collectifs. Les élèves sont appelés à s‟aider mutuellement et à être

collectivement responsables des

acquisitions - L‟enseignant organise la “compétition

scolaire”, il assure le triage des élèves et facilite leur orientation vers des filières différenciées et hierarchisées

- L‟éducateur favorise la constitution d‟une “communauté d‟apprenants” en situation d‟apprentissage et en dehors

157 Neste mesmo sentido, ensinar uma LE é ensinar a comunicar com uma cultura diferente, novos modos de pensar, de agir, e uma nova identidade, respeitando o Outro e comunicando com ele. Daí a importância de se dominar o saber linguístico e também o cultural. A mediação do professor promove, neste sentido, uma atitude de respeito, aumentando o contacto entre alunos e professores com o objectivo de melhorar as relações sociais e prevenir conflitos (Berthoud-Aghili, ibidem).

“Entre as funções que a língua estrangeira deverá assumir para o aluno, à semelhança da sua língua materna, há a função de comunicação, que é certamente a função primordial. A primeira condição do nosso êxito será criar no aluno, se ele não a tiver já, e em seguida, manter e desenvolver, a necessidade de comunicar na língua estrangeira. É preciso para isso que o que se lhe pede para compreender e dizer tenha uma relação directa com os interesses da sua idade e do seu meio.” (Girard, 1976: 60).

Em suma, “A abertura ao outro, ao estrangeiro, é a condição primeira de uma abertura à língua estrangeira.” (Girard, ibidem: 60), sabendo que é o professor o elo de ligação entre a língua que ensina e um savoir-faire cultural.

É precisamente por reconhecermos a importância que o professor desempenha no sucesso do processo de ensino-aprendizagem que dedicaremos a parte II do nosso trabalho às representações e práticas dos docentes do 3º ciclo do Ensino Básico do CAE do Porto relativamente aos conceitos de Diversidade e Educação Intercultural.

158

Capítulo 3. Percursos de escrita ao serviço da Educação

Intercultural na aula de Língua Estrangeira.

Neste capítulo, justificámos a escolha da escrita como um domínio que permite a vivência da Interculturalidade, fundamentando-nos na relação língua/ cultura.

De seguida, sugerimos percursos possíveis para o exercício da Educação Intercultural na sala de aula de LE, nomeadamente a escrita colaborativa, a metacognição nas actividades de escrita e a escrita criativa.

3.1 A Educação Intercultural na aula de Língua Estrangeira: as

práticas de escrita

Tomando como pressuposto a necessidade de formar os nossos jovens para a Interculturalidade, verificámos que a sala de aula de LE surge como o contexto privilegiado para o trabalho pedagógico intercultural. Como relembra Peris, “Comprender al otro, por tanto, es a un tiempo resultado final y requisito de todo encuentro comunicativo” (ibidem: 46).

Além do mais, “À défaut de prétendre résoudre à elle seule ces questions, l‟école peut du moins développer une sociabilité autour de l‟écrit (…), en tant qu‟il expérimente avec les principes de la langue et de l‟énonciation et qu‟il pose des problèmes favorables à l‟exercice de jugement critique.” (Marcoin, 1990: 157).

Assim, mediante o estudo e a prática de uma nova língua, o aluno entra em contacto com outras formas de categorizar a realidade, expressando a sua própria experiência e conhecendo diferentes modos de regular a interacção social. Assim, pode relativizar as próprias experiências, compreender a Diversidade e aceitá-la como um valor positivo. Por isso, defendemos que a

159 aprendizagem da língua pode contribuir para a formação integral da pessoa e não limitar-se a proporcionar-lhe ferramentas úteis para os seus interesses e necessidades.

Neste sentido, não se pode ignorar o papel matricial do professor. Caber-lhe-á a promoção de atitudes e valores visíveis na escolha de objectivos, actividades e materiais, não ignorando o discurso na própria sala de aula. Aliás, este, quer na perspectiva de docentes, quer de alunos deve incluir a diversidade de perspectivas linguísticas e culturais presentes na aula.

Noutra perspectiva, relembramos que o professor não ocupa, na sala de aula, o lugar de única fonte do saber, sendo o seu papel de “mediador de aprendizagens e guia da descoberta de caminhos” (idem, ibidem: 84). Aliás,

“O domínio de conhecimentos científicos, pedagñgico-didácticos e linguístico-comunicativos do professor de Língua Estrangeira não chega para traçar o seu perfil. Também as competências, as capacidades e as atitudes de diferente tipo, nomeadamente, cultural, fazem parte da sua compreensão. Delas, destacaremos, a capacidade de tentar reflectir criticamente sobre Si mesmo e sobre o Outro, não para escavar fossos separadores, mas para construir pontes de encontro e de intercompreensão.” (idem, ibidem: 84).

Por outro lado, salientamos que a nossa preocupação com a questão da Diversidade na sala de aula de Língua Estrangeira está radicada no reconhecimento da existência de insucessos comunicacionais na aula de LE. Em nosso entender, há uma comunicação elíptica na sala de aula de LE conducente a falhas individuais e/ ou ao nível interaccional. Por isso, urge combater as práticas de tipo monológico, promovendo, a nível individual, a competência intercultural dos alunos, isto é, capacidades, atitudes, conhecimentos sobre a outra cultura e o recuo crítico face à sua própria cultura.

Relativamente à interacção, é essencial reconhecer a presença de uma comunidade de vozes, visto que cada parceiro acarreta o estilo comunicativo

160 da sua comunidade cultural (Mangenot, 2008), o que nos reposiciona no domínio da pragmática intercultural e, simultaneamente, conduz-nos a privilegiar a escrita como um dos domínios possíveis no exercício da Educação Intercultural.

Verificamos, pois, que o processo de ensino aprendizagem de uma LE implica reflectir sobre o objecto e objectivo desse acto, tendo em conta que se trata de um percurso marcado pelo Tempo e pelo Contexto (Bizarro, 2008). O nosso Tempo é caracterizado pela emergência da comunicação interpessoal, escrita e oral, mas com conflitos associados à ausência da intercompreensão.

Relativamente ao Contexto, destacamos o facto de que, muitas vezes, os alunos, em massa, entram numa escola que não está preparada para receber a sua Diversidade. Daí que na escola se perpetuem as desigualdades de oportunidades, as diferenças sociais, já que a escola constitui, muitas vezes, um espaço de aprendizagens pouco significativas. (idem, ibidem).

Acresce que a nossa Escola está inserida num contexto culturalmente diversificado do ponto de vista social, económico, linguístico, económico, religioso…, mas nem sempre tem consciência dessa Diversidade nem da mais valia que ela pode representar para a construção de um projecto de vida intercultural, respeitando o Eu e o Outro (idem, ibidem).

Parece-nos, portanto, que “o olhar do Outro, institucionalizado através de vários factores como a idade, o sexo, o meio de origem ou a actividade que desenvolve…, confere ao actor social identidades diversas.” (Bizarro & Aguiar, 2010: 5).

A escola não pode, então, ficar indiferente às características individuais de cada ser vivo, professor e aluno. Por isso, propomos uma concepção sistémica em detrimento de uma visão atomística do processo de ensino-aprendizagem.

161 Temos consciência de que, muitas vezes, a especificidade individual do aluno é apagada em favor das características predominantes do grupo maioritário, já que a escola de massas raramente é pensada em função de cada Eu e das minorias, apresentando, assim, uma visão disruptiva da Diversidade. Apelamos, no entanto, para que, através da língua, o aluno seja auxiliado no seu desenvolvimento integral, privilegiando, através da escrita, os estilos cognitivos de cada um e a inclusão das diferenças.

Neste sentido, lembramos que um dos aspectos mais marcantes da Diversidade faz-se sentir na própria língua. Por isso, propomos, como referimos, que uma das vias de exercício da Educação Intercultural seja a escrita. Não podemos esquecer, portanto, a heterogeneidade e a Diversidade, do ponto de vista geográfico, sociocultural, nomeadamente variações segundo a identidade social, o grupo, a idade e o ponto de vista das circunstâncias de comunicação escrita. (Boyer, Butzbach & Pendanx, ibidem).

Trata-se, assim, de ensinar a comunicar, pela escrita, em LE, tendo em linha de conta a diversidade de públicos, o que transforma o processo de ensino- aprendizagem de uma LE num desafio simultaneamente cultural, político, económico e comercial.

Sendo assim, analisemos a relação língua/cultura.