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Quadro teórico-conceptual da Educação Intercultural como processo para valorizar a Diversidade Cultural

1.1. Concepções de Diversidade

Segundo o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, o conceito de Diversidade é definido da seguinte forma:

Diversidade s. f. – 1. Qualidade do que é diverso. 2. Conjunto que apresenta

aspectos, condições, qualidades ou tipos diferentes. (…) 3. Qualidade ou estado daquilo que é diferente ou que se opõe. Diferença, divergência, heterogeneidade, oposição9.

Por sua vez, o Dicionário Enciclopédico da Larousse apresenta diferentes concepções que variam segundo a área de análise.

Assim, o conceito surge associado à pluralidade, multiplicidade, heterogeneidade e variedade. Muitas vezes, também, pode ser encontrado na intersecção de diferenças.

Aplica-se em diferentes campos do conhecimento humano, entre os quais:

Filosofia – diversidade de pontos de vista;

Antropologia Cultural - a diversidade de hábitos, costumes, comportamentos, crenças e valores,

Cultura - a manifestação da diversidade por meio do Multiculturalismo;

Sexologia - diversidade de manifestações sexuais;

Biologia e do Meio-Ambiente - a diversidade biológica;

Lógica - a criatividade e a originalidade;

Psicologia – os conceitos de heterogeneidade e de singularidade;

Direito - a diversidade de legislações sobre um mesmo tema;

Publicidade e da Propaganda, a difusão do discurso pró-diversidade.10

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Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (2001). Braga: Verbo, I Volume, p. 1289

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42 Estamos, portanto, perante um termo polissémico expandido em diferentes campos do conhecimento, o que reitera a complexidade de que a sua análise se reveste.

Assim, a Diversidade, como sublinhámos anteriormente, é um dos aspectos que caracteriza o nosso tecido educativo, tendo surgido da necessidade de olhar as diferenças dos grupos étnicos, linguísticos e culturais, associadas à presença de elementos de outras nacionalidades. Ao conceber a Diversidade numa perspectiva unicamente étnica e cultural, está a reduzir-se o conceito a referentes (teóricos e experienciais) limitativos. Aliás, esta visão redutora implicaria, segundo muitos11, um currículo multicultural, criando espaços no programa educativo escolar para as diferentes abordagens culturais e religiosas com o objectivo de desenvolver atitudes de tolerância e de respeito para com o que é distinto.

Encarar a Diversidade como a consciência das diferenças implica compreender que aquilo que é belo num sítio pode parecer feio ou ridículo noutro local (Spier, 1991). Estamos, assim, a centrar o conceito numa lógica pós- culturalista, ou seja, apesar de aquele ter tido origem nas minorias étnicas e culturais, não pode ser considerado como estando ao serviço exclusivo das mesmas. Esta visão culturalista, ainda que organizada com boas intenções, constitui uma perspectiva que se centra num dos pólos identitários, privilegiando o Outro e esquecendo o Eu, na medida em que se limitou a substituir a ideologia da cultura dominante por referências episódicas a tradições ou festividades de culturas dominadas (Banks, 1994).

Por outro lado, a preocupação com a escola de massas também não tem apresentado os resultados esperados, visto que os professores ainda não têm consciência da importância, em termos educativos, da Diversidade

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43 Intracultural12, isto é, das diferenças entre iguais do ponto de vista linguístico- cultural. Aliás, ignorar ou relegar para segundo plano os que são diferentes limita a abrangência da Diversidade. Como tal, para compreender que há diversidades de famílias, culturas, raças, línguas, níveis sócio-econñmicos…, é necessário olhar através do olhar dos outros (Spier, ibidem).

Assim sendo, concluímos que cada aluno, ainda que possuindo referentes linguístico-culturais semelhantes a um Outro, apresenta características próprias que o tornam único. Daí que tenhamos de dar voz a essas “culturas” que marcam a diversidade, seja por factores económicos, sócio-culturais, afectivos ou outros como o sexo, a faixa etária ou apoio familiar.

Por outras palavras, alertamos para o facto de todas as sociedades serem pluriculturais devido à coexistência de várias culturas: sexuais, profissionais, religiosas, regionais, nacionais, infantis, juvenis... Essa pluralidade faz-se sentir na Escola, devido à presença de perfis cognitivos e afectivos diferentes, representações, religiões, ideologias, crenças, modos e instrumentos de avaliação, relações interpessoais, métodos e técnicas pedagógicos.

Dentro desta nova visão, salientamos a importância da Diversidade Intracultural, mostrando que o que se pressupõe coeso e homogéneo se revela, muitas vezes, heterogéneo e fracturado. O fechamento e a unilateralidade que se pensa existir dentro de uma mesma cultura podem tornar-se frágeis. Por exemplo, no caso do processo de ensino-aprendizagem, urge olhar cada aluno como um ser individual, com conhecimentos, interesses

12“Si à l‟hétérogénéité intergroupale on ajoute l‟hétérogénéité intragroupale liée au fait que les rapports de

filiation entre un individu et son groupe sont lâches et tenus, que les caractéristiques groupales ne se retrouvent pas systématiquement chez tous les membres du groupe, on admettra que l‟identité, loin d‟être une catégorie, est surtout une dynamique, une construction permanente, qu‟elle est source d‟ajustements, de contradictions, voire de conflits, de manipulations, de dysfonctionnements.

Pour toutes ces raisons, il devient de plus en plus difficile de définir un individu en dehors de lui, hors de toute relation avec lui. Les marqueurs d‟identité (âge, groupe national, culturel ou social) sont ténus, lâches, fugitifs. Ils ne sont plus l‟apanage d‟un groupe unique et clairement identifié. On assiste à une forme de brouillage identitaire qui ne permet plus une identification autoritaire d‟autrui par catégorisation et marquage spontanés de l‟ordre de l‟injonction et de l‟imposition. Il ne suffit donc plus de connaître ou d‟apprendre à connaître autrui à partir d‟une identité unique et homogène, mais d‟apprendre à le reconnaître.” (Abdallah-Pretceille, 1999: 15).

44 e estilos de aprendizagem próprios13, dando voz às diferenças de idade, de sexo, hábitos familiares, proveniência social, entre outras.

Assim, face à convergência de diferentes culturas no espaço educativo, a heterogeneidade deve ser re(pensada), o que implica respeitar e valorizar a identidade de cada pessoa, numa cultura da Diversidade, como desenvolveremos no capítulo seguinte.

Perante a heterogeneidade que caracteriza o nosso sistema educativo, baseada na diferença de sexo, raça, meio sócio-cultural, condições económicas, classe social ou outras, defendemos a valorização do ser humano.

A concepção do educando como um ser único implica que a prática pedagógica se construa numa relação de troca entre professor/ aluno e aluno/ aluno, já que negamos a unilateralidade da educação, defendendo, por sua vez, que todos se educam mutuamente (Lira, 2005).

Esta emergência do diálogo intracultural, distanciando-se de uma lógica bipolar do “bom”/ “mau” aluno ou do “excelente”/ “péssimo” comportamento, terá como objectivos combater o monologismo típico do intracultural, abolir as práticas de mera reprodução cultural de um grupo dominante que revelam o entendimento da Diversidade “como um problema e não como um desafio ou um factor de enriquecimento das culturas em presença.” (Leite, 1996: 64).

Assim, a igualdade de oportunidades de acesso à educação14 transformou a escola no lugar privilegiado da emergência da Diversidade. Esta nova visão foi alargada pela entrada no nosso país de alunos de outras nacionalidades. A

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Note-se que na perspectiva da Diversidade dentro do mesmo espaço escolar que aqui defendemos, a valorização dos diferentes estilos de aprendizagem e das inteligências múltiplas de cada um permite uma melhor aprendizagem e um melhor aproveitamento das potencialidades individuais. (cf. Gardner, 1995).

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A escola deverá proporcionar aos alunos igualdade de oportunidades em educação, acesso a postos de trabalho, protegendo-os, também, de menos valias, ou de discriminações em função do sexo ou da raça.

45 crescente mobilidade da população exige um olhar cada vez mais atento ao carácter pluricultural da sociedade e, por sua vez, das turmas. A dimensão cultural passa a ser um aspecto integrante dos problemas da Educação, o que pressupõe que a Escola leve a cabo práticas que se aproximem da realidade discente plural, não esquecendo que

“É toda a problemática (ou não será antes a riqueza?) que decorre de, nesta escola, naquela escola, estarem alunos mais ou menos misturados mais ou menos isolados, de idades diferentes, de meios rurais, de zonas urbanas e suburbanas, de classes abastadas, de bairros de lata, de meios piscatórios, do interior, de rapazes e de raparigas, que dão corpo a muitas tonalidades de arco-íris cultural.” (Stöer e Cortesão, 1996: 41).

Urge, portanto, afastarmo-nos de um “daltonismo cultural” (idem, ibidem) que impede a visão de outras cores, isto é, de várias diferenças que surgem, muitas vezes, entre “iguais”. Este afastamento revela-se fundamental, na medida em que sabemos que “L‟hétérogénéité a été et est encore considérée comme un handicap, une source de dysfonctionnements et de difficultés qui justifient des mesures et des aides destinées à compenser le handicap.” (Abdallah-Pretceille, 1999: 81).

Além disto, as aprendizagens individuais são realizadas de uma forma variada e distinta. Cada um interioriza de maneira diferente as aprendizagens, simboliza-as de modos diversos e estrutura-as segundo uma modalidade e ritmos diferentes. Por isso, face a esta Diversidade, cabe à Escola privilegiar registos diversos, compreendendo o tempo de maturação necessário para as aprendizagens, lutando contra as avaliações demasiado rápidas que, por vezes, desvalorizam as aquisições que estão em curso, desenvolvendo um

stress escolar cada vez mais precoce. (idem, 2003).

A mistura de cores e vozes deve, portanto, orientar o trabalho pedagógico, gerindo-se a Diversidade de forma a cumprir a função social maioritária da

46 instituição educativa – construir a igualdade de oportunidades e exercê-la. (Abdallah-Pretceile & Porcher, 1996).

Daqui se conclui que a tensão entre a Diversidade e a igualdade é, sem dúvida, a mais potente de todas as polaridades que orientam o sistema de ensino, pois a nossa Escola tem de se reestruturar para dar resposta à Diversidade dos alunos. (Caldeira et al., 2004).

Não basta reconhecer, no entanto, que a escola é caracterizada pela Diversidade cultural. É necessário fazer valer o seu papel de instituição formadora e socializadora, tendo plena consciência de que

“Notre modernité se marque par une pluralité dans les formes de socialisation, d‟enculturation, d‟éducation, de sociabilité, de structuration identitaire, de langages, de communication, de modes d‟être au monde et aux autres. Plus que jamais le devoir de chacun est de “savoir qui il veut être”, et le devoir de l‟école est de savoir quel individu elle peut, elle veut et elle doit former pour la société de demain.” (Abdallah-Pretceille, 1999: 5).

Aliás, a diversificação que caracteriza a escola engendrou relações novas entre as culturas, as pessoas, as identidades. Cada um traz consigo os seus próprios capitais culturais, os seus hábitos singulares, as suas heranças (Bourdieu, Chamboredon & Passeron: 1983) e aquilo que o define como um indivíduo único, o que faz com que ele traga consigo uma cultura (ou culturas) distintas, o que pode incluir a presença de outras nacionalidades (Abdallah-Pretceile & Porcher, ibidem). A realidade humana é, neste sentido, extremamente complexa, sofrendo a intervenção de muitos outros factores: sociais, económicos, políticos, históricos. Todavia, a pluralidade dos tempos modernos remete-nos para questões da construção da identidade.

Esta individualidade é construída, do nosso ponto de vista, na interacção com o Outro, saindo reforçada pelo contacto entretanto estabelecido. É com base neste duplo movimento de individualidade (identidade) e colectividade

47 (alteridade) que a criança constrói a sua identidade (Lagoa, 1995), como defenderemos no ponto 1.2.1.

Em síntese,

“Les cultures comme les sociétés ne sont pas homogènes. La pluralité et la diversité sont au coeur même de la vie. Sociologues, ethnologues et psychologues ont tous travaillé, selon des modalités appropriées, les processus de différenciation. Ce n‟est que par une captation de cet héritage que se sont multipliés les discours réducteurs comme moyen de domination, voire de ségrégation par enfermement de l‟individu ou du groupe dans une identité monolithique, réduite à une seule dimension.” (Abdallah-Pretceille, 1999: 21).

É preciso reconhecer e aceitar a heterogeneidade num grupo, até porque a Diversidade é constitutiva da natureza do homem e o reconhecimento da sua própria Diversidade é uma das condições para reconhecer a Diversidade do Outro. Aquele que não é capaz de ver a multiplicação do seu ser e da sua riqueza interior não pode ter acesso à riqueza do Outro.

Assim sendo, a Diversidade tem assumido diferentes concepções, mas, para nós, apresenta-se como um fenómeno que não diz unicamente respeito às diferenças étnicas ou raciais nem se limita a ver na Diversidade Intracultural um desejo de homogeneidade. Antes, como sublinha Pereira (2004: 28),

“Pensar a diversidade é interpelar a pluralidade, é interrogar pelo lugar que essa pluralidade implica no contexto de uma educação multicultural. Dialogar com a diversidade é ter a consciência de que o outro não pode ser reduzido à lógica do mesmo, nem transformá-lo em “postal ilustrado” para fruição do turista à procura do exótico. É compreender a necessidade de preservar o outro nas suas diferenças e na sua dignidade como pessoa. É libertar o ouvido para a escuta do outro, no comum e no diferente.”

Esta nova visão do diverso no campo educativo passará a ser designada por Diversidade Cultural.

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